O que a pandemia mudou (e o que não vai conseguir mudar)
28-04-2021
Participantes: Curador ‑ Diogo Assis (Voqin'); Fernando Martins (VOQIN´); Pedro Santa‑Clara (Shaken Not Stirred); e Tiago Reis Marques (Maudsley Hospital).
A pandemia pode ter forçado muitas mudanças, mas há algo que permanece: a necessidade de interação social e de estimulação sensorial e emocional.
Um painel de discussão dividido por cinco localizações (incluindo o estúdio principal) é, desde logo, um exemplo do que a pandemia mudou. Um simbolismo curioso para uma conversa sobre ciência, tecnologia e educação, pela voz de três especialistas, que refletiram sobre o que mudou no último ano e sobre o que, apesar de tudo, permanece imutável.
Tiago Reis Marques, psiquiatra e investigador, explicou que, apesar de muito ter mudado com a pandemia, a evolução biológica faz‑se a um ritmo diferente: “Um acontecimento súbito como esta pandemia conseguiu mudar a sociedade e a vida de todas as pessoas, mas o nosso cérebro funciona noutra escala temporal”, explicou, lembrando que a última alteração no volume do cérebro ocorreu depois da descoberta do fogo. “Não será uma pandemia que irá mudar a forma como o nosso cérebro se organiza e está composto”, considerou. Um cérebro que é adaptativo e responde a mudanças no ambiente, mas que é ativado por recompensas.
A dopamina, que é mais rapidamente libertada se a recompensa for mais imediata, é também essencial no processo de atenção, que não é mais do que uma seleção que nos faz eliminar qualquer outro estímulo. O problema é que, com tantos estímulos, a atenção é cada vez mais reduzida.
E é justamente aqui que a ciência é útil para a ciência dos eventos: “É preciso captar a atenção, para se conseguir distinguir no meio do ruído e num mundo crescente de distrações internas e externas.”
Fernando Martins, especialista em transição digital, trouxe a esta discussão a perspetiva da tecnologia, lembrando que “as transformações digitais que vivemos hoje foram causadas por forças económicas”. A pandemia foi, assim, “uma grande força económica que forçou a subtração do espaço físico”, fazendo com que muitas das atividades passassem para o espaço digital, “algumas muito à força, com más experiências”.
“A ideia da transformação digital é trazer para o mundo digital uma experiência, uma emoção”, afirmou, lembrando que o ser humano está preparado para migrar as suas experiências para o mundo digital, desde que sejam melhores do que no físico.”
Mas dizê‑lo parece ser mais simples do que conseguir que tal aconteça. “Somos animais gregários. A exploração é inerente ao ser humano e isso não muda”, sublinhou.
E se, por exemplo no comércio, o digital ganhou terreno e terá de levar as lojas físicas a criarem experiências que façam com que as pessoas se desloquem para comprar algo que podem adquirir online, no campo dos eventos o cenário pode ser o oposto.
O turismo, os concertos, as conferências, pela interação, emoções e sensações que provocam, vão, na sua opinião, “voltar com muita força”.
“As experiências digitais que vão permanecer são as que geram essas experiências emocionais profundas, que vão mexer com essa estrutura cerebral mais impactante”, assegurou.
Pedro Santa‑Clara (Shaken Not Stirred), trouxe ao debate a visão de quem trabalha há décadas no setor da educação. “A educação foi, talvez como a de eventos, a indústria que teve o maior choque”, considerou, lembrando que “a educação é uma indústria que não muda há milhares de anos”. A 42 de Lisboa, escola de programação que criou e que foi inaugurada em 2020, rompeu com esse modelo. Pedro Santa‑Clara mostrou‑se convicto de que muito mais vai mudar: “A educação vai ter uma revolução maior nos próximos 10 anos do que nos últimos mil.”
A mudança nesta indústria vai, na sua opinião, trazer novos players e a proliferação de novos modelos de educação. Porque, como referiu, uma coisa que a pandemia mostrou é que uma aula tradicional, em que um professor escreve no quadro durante mais de uma hora, é algo absolutamente inaceitável para se fazer por zoom.
Digital vs. Presencial: o que prefere o cérebro?
Para Tiago Reis Marques, os eventos digitais tornam a medição mais fácil, já que permitem a utilização de ferramentas de neuromarketing: “Um evento digital é bom porque é possível quantificar, mas o estímulo sensorial que acontece durante um evento físico permite que este seja mais impactante e mais recompensador.”
“A dificuldade do evento digital será sempre a criação de emoção, a capacidade de criarmos uma ligação afetiva com o evento ou participante. O evento ao vivo tem toda a parte de estimulação sensorial extra que não conseguimos no digital e isso será sempre a grande mais‑valia do evento físico.”
Por isso, é este o conselho que deixa a quem trabalha nesta indústria: “É nisso que devem apostar, na criação de emoções ligadas ao sistema de recompensa e à capacidade de o evento ser relembrado.”
Como será o futuro dos eventos?