Explorar o universo da logística em eventos

Reportagem

23-08-2023

# tags: Logística , Eventos

Na indústria dos eventos, a logística organiza e gere meios e recursos, englobando várias áreas e tarefas, do planeamento à execução do evento.

O seu funcionamento pode afetar a rentabilidade e a fluidez da produção. Por isso, quanto melhor funcionar a logística, mais fácil é a realização de um evento.

A Event Point tentou compreender melhor como funciona a área da logística. Paulo Dias (responsável pela logística da Spormex), António Camacho (responsável pela logística da Silva Carvalho Catering), Vítor Cravo e Diogo Fernandes (gestor de projetos e diretor de projeto da Europalco, respetivamente) deram conta do funcionamento desta área e dos seus desafios, bem como deixaram dicas para uma melhor logística em eventos.

Comecemos pelas prioridades. “A prioridade do responsável pela logística num evento é saber exatamente o que vai ser montado, as datas de montagem e desmontagem, e o acesso às plantas dos elementos a serem montados para o evento”, começa por referir Paulo Dias, responsável pela logística da Spormex, que atua no segmento dos stands.

António Camacho, responsável pelas operações da Silva Carvalho Catering, aprofunda e adianta que, após receber a lista das necessidades de materiais e de equipamentos para a realização do evento, o responsável pela logística faz primeiro uma verificação dos stocks e, “caso sejam insuficientes, recorre aos parceiros de aluguer de materiais e equipamento”.

“O ponto seguinte”, continua, “é verificar as necessidades de transporte em função da dimensão e peso da carga e ainda as caraterísticas do cais de descarga nas instalações onde se vai realizar o evento.” Sublinha ainda que “a prioridade será sempre assegurar que todos os materiais e matérias-primas chegam ao local do evento atempadamente e nas melhores condições, da forma economicamente mais favorável”.

Vítor Cravo, gestor de projetos da Europalco, explica que, assim que o orçamento fica fechado pelo departamento comercial, os gestores de projeto tratam com a área da logística (quer de pessoas, quer de transportes – que são secções diferentes) as diferentes necessidades; “se vamos fazer um turno duplo, se vamos fazer um turno simples, pedir a marcação do catering, acertar o desenho técnico para depois fazer correspondência com a guia”, entre outras funções a realizar. A empresa de soluções para eventos está a tentar fazer com que os gestores de projetos entrem mais cedo no processo, para que mais cedo possam conhecer as necessidades de produção.

© Spormex

É sempre um grande desafio conseguir completar o puzzle”

Em diferentes setores há desafios distintos. No segmento dos stands, em eventos como as feiras profissionais, Paulo Dias conta que alguns dos principais desafios passam por “conseguir coordenar as datas de montagem e desmontagem, lidar com as plantas de distribuição dos stands e, sem dúvida, estabelecer prioridades de montagem e improvisar quando necessário”.

Para o responsável da logística da Spormex, a forma de contornar estes desafios é ter “um planeamento mais cuidadoso, flexibilidade para lidar com imprevistos e uma comunicação mais efetiva não só entre clientes e a empresa, mas também a nível de comunicação interna das diferentes equipas”.

Por seu lado, e no segmento do catering, António Camacho aponta como um dos desafios da logística “a concentração de vários eventos nas mesmas datas”, obrigando “a uma gestão muito cuidada dos materiais e sinergias das cargas e descargas, lavagem, higienização e embalamento dos materiais para voltarem a ser expedidos”. Além disso, gera também “necessidades de viaturas muito elevadas que o mercado de aluguer, por vezes, não consegue garantir. É sempre um grande desafio conseguir completar o puzzle”.

A solução para dar a volta a estas questões passa por “um planeamento atempado, envolvendo o cliente final na definição de todos os detalhes do evento, uma estrutura de colaboradores preparada para dar resposta e a contratação de um conjunto de fornecedores de viaturas, matérias-primas e aluguer de materiais que consigam corresponder a todos os desafios”, avança o responsável da logística da Silva Carvalho Catering.

Diogo Fernandes considera que o principal desafio é “conseguirmos estar preparados para todos os imprevistos que esta área envolve”. É que, “muitas vezes, o trabalho não está dependente só de nós”, mas de fornecedores, dos espaços ou de outras montagens, por exemplo. Há imprevistos que acontecem com frequência e que são até tratados quase “como previstos”.

Nunca se sabe quais são as contrariedades que vão aparecer na produção de um evento. E “tentar conseguir prever de alguma forma o que é que vai acontecer, e antecipar esse tipo de problemas, é sempre o maior desafio”, sublinha o diretor de projeto da Europalco.

© Jens P. Raak, Pixabay

Comunicação eficiente e uma visão geral do processo”

No caso da Silva Carvalho Catering, a logística e armazéns englobam louças, copos e talheres; lavagem, higienização e embalamento; mesas e cadeiras; atoalhados; materiais de regeneração (fornos, estufas e fogões); cargas e expedição para os eventos; descargas e receção de materiais devolvidos pelos eventos; e receção e armazenamento de matérias-primas e materiais de higiene e limpeza.

E como se coordena tudo isto? “A coordenação na expedição é feita com base nas listagens informáticas expedidas pelos responsáveis pelos eventos. As listagens são distribuídas por cada responsável de setor dentro dos armazéns, que preparam e paletizam os materiais e equipamentos”, explica António Camacho.

Nesta operação, há hoje “três grandes pontos críticos”, que se verificam, “quase na totalidade, na devolução dos materiais que regressam dos eventos”, acrescenta. Relativamente às roupas e atoalhados, nota-se uma “dificuldade na separação das roupas e a falta de alguma qualidade no tratamento das roupas enviadas para as lavandarias”; em relação aos equipamentos de regeneração, “as movimentações constantes dos equipamentos elétricos provocam um grande desgaste”, além dos custos de manutenção ou reparação – de referir que, “muitas vezes, este desgaste é provocado na deslocação nos eventos que não têm as condições necessárias para a descarga e movimentação dos mesmos para os locais de regeneração” –; e no que toca à receção dos materiais no final de um evento e a sua arrumação, este é, por vezes, um processo “deficiente, por diversos motivos”, como alguma dificuldade na formação do pessoal nos eventos, a pressão dos espaços para fechar e ainda a falta de espaço necessário para uma boa organização, que nem sempre existe nos venues.

O processo de coordenação das áreas envolvidas na logística “não é muito fácil, mas também não é assim tão difícil”, refere Vítor Cravo. As guias com os materiais necessários são “bastante completas” e, depois, só há pormenores a ajustar... “Em relação aos AV [audiovisuais] não é muito complicado, porque temos uma orgânica montada: cada setor tem uma cor. Em eventos é muito mais simples perceber quais é que são as caixas da iluminação, do som, do vídeo, do palco”; os armazéns da Europalco adotam a mesma estratégia. No terreno, o trabalho é todo feito com kits, compostos por todos os aparelhos necessários, “até para evitar problemas de logística e de coisas esquecidas no armazém”.

Já relativamente ao mobiliário, as coisas complicam-se um pouco, por serem itens diferentes em muita quantidade. Por exemplo, uma cadeira “tem um pé, tem um assento, tem uma capa, tem um saco de transporte”, o que leva algum tempo a entender a dinâmica. Mas, assim que a máquina fica oleada, o processo flui. Só há um problema: é que são sempre muitos itens. “Falamos de mil cadeiras, três mil cadeiras, de cem sofás…A quantidade origina a dificuldade.”

Então, depois de acordados os tempos de montagem, ensaios e evento, os gestores de projeto da Europalco passam a informação à logística e são definidas as entradas em ação de veículos e equipas. Diogo Fernandes complementa que “um bom planeamento evita, se calhar, 80% dos nossos problemas nos trabalhos”. Os restantes 20% “são coisas que não dependem de nós e que acontecem na mesma”.

Por seu lado, Paulo Dias defende que a coordenação de todas as áreas que a logística envolve num evento “requer uma comunicação eficiente e uma visão geral do processo”. O profissional da Spormex conta que a área que, geralmente, cria mais dificuldades “é a área comercial, devido ao envio de informações tardias do cliente, assim como informações incorretas antes e durante a montagem”. Além disso, avança, “quando vários eventos ocorrem em simultâneo, muitas vezes a nível nacional e internacional, com materiais, equipas e transportes dispersos, isso pode sobrecarregar os recursos e tornar a coordenação mais complexa”.

© Spormex

A flexibilidade é uma característica crucial na área da logística”

Para Diogo Fernandes, “é essencial haver flexibilidade”. É que, em Portugal, muitas vezes, as coisas são tratadas “com pouco tempo de antecedência, com poucos tempos de montagem…e nós temos que estar constantemente a adaptar”, justifica. “Aparecem-nos eventos de uma semana para a outra e, portanto, é necessário muita flexibilidade.” Todo o planeamento da semana fica alterado e são necessários recursos, materiais e humanos, para a empresa conseguir dar resposta. “Por isso, a flexibilidade é essencial; e não perder a calma e a paciência”, frisa o diretor de projeto da Europalco.

Paulo Dias tem a mesma opinião. “A flexibilidade é uma característica crucial na área da logística”, uma vez que “haverá sempre a necessidade de nos adaptarmos a mudanças de última hora, lidar com imprevistos e improvisar soluções”. Essa capacidade de ser flexível e de se improvisar quando é necessário “é essencial para garantir que tudo ocorra conforme planeado”.

Também António Camacho considera que, “nesta atividade, tem de haver sempre flexibilidade”. Contudo, embora esta seja uma característica importante na área da logística, “o sucesso dos eventos depende, em grande medida, da capacidade de organização e planeamento”, que devem estar “baseados em processos muito bem definidos e com um grau de rigidez que permitam assegurar o perfeito funcionamento e coordenação entre departamentos”. Com processos bem definidos, cumpridos de forma rigorosa, “ficamos com alguma margem para a flexibilidade”.

No que toca à automatização dos processos, haverá vantagens para a logística nos eventos? Paulo Dias acredita que sim. “E uma das principais vantagens é o maior controlo do stock dos materiais. Através da automatização, é possível monitorizar com mais precisão a disponibilidade e o uso dos materiais, evitando a falta de stock. Isto contribui para uma melhor gestão dos recursos e uma logística mais eficiente”, sublinha.

De acordo com António Camacho, “a automatização e a normalização dos embalamentos são fundamentais na cadeia toda, desde a logística até à realização do evento”. Defende que os materiais e equipamentos devem estar “devidamente standardizados, com embalagens próprias e quantidades definidas”. Nestes processos, a informatização é “fundamental” e, “em parte, um requisito legal (guias de transporte autenticadas)”. Por outro lado, a automatização da arrumação nos armazéns seria algo “interessante”, mas “ainda é um objetivo a médio ou longo prazo”.

Também Vítor Cravo acredita que há vantagens, mas, ressalva, “estamos ainda um bocadinho longe de conseguir essa automatização”. O gestor de projetos da Europalco esclarece que a empresa está a trabalhar nesse sentido, “mas não é simples, porque, infelizmente, não há pessoas suficientes com valências para todos os trabalhos de que precisamos”. Estão a ser formados jovens, para crescerem dentro da empresa e para, aí sim, serem alocados os recursos humanos de uma forma mais automatizada, através de uma plataforma própria de gestão. E quem fala de recursos humanos, pode falar de recursos materiais.


Uma boa equipa de trabalho "é essencial"

“Sem uma boa equipa, motivada e com a formação adequada, não é possível a realização dos eventos, principalmente quando estamos a gerir muitos eventos em simultâneo”, esclarece António Camacho. Paulo Dias segue a mesma linha de pensamento e defende que “ter uma boa equipa de trabalho é de extrema importância na logística de qualquer setor, mas mais ainda no setor dos eventos”. É que “ter uma equipa competente e bem coordenada garante que todas as tarefas sejam executadas de forma eficiente e dentro dos prazos”. E isso dá algum descanso e reduz as preocupações, quando estão a decorrer dezenas de eventos ao mesmo tempo.

Para Diogo Fernandes, é “essencial” ter uma boa equipa, homens e mulheres no terreno, de confiança e com formação. O diretor de projeto conta que a Europalco pretende que os seus profissionais tenham um conhecimento global sobre várias áreas, como audiovisuais, mobiliário, carpintaria, estruturas, entre outras; conhecimento que “não precisa de ser muito aprofundado sobre tudo”, mas que permita que os profissionais tenham a noção do trabalho de todos os departamentos.

Relativamente aos parceiros, segundo António Camacho, “nesta área de negócio como em todas as outras, são fundamentais para podermos entregar um serviço de acordo com os compromissos assumidos com os nossos clientes”. O responsável da logística da Silva Carvalho Catering frisa que é “fundamental desenvolver parcerias com os fornecedores de materiais, alinhar linhas de mobiliários, louças, etc.”, para que seja possível, em qualquer altura, “aumentar a nossa capacidade sem ter de recorrer a um aluguer total”. António Camacho lembra que, no pós-pandemia, se têm verificado “muitas roturas de stock de produtos alimentares” – o que tem causado “grandes transtornos”. É, por isso, “fundamental” que os parceiros alertem para essas roturas, “logo após a receção das encomendas”.

Paulo Dias entende que os parceiros e os fornecedores “são fundamentais para o sucesso da logística”. Para a Spormex, “ter parceiros confiáveis e fornecedores de qualidade garante o fornecimento adequado dos materiais, serviços e suporte necessários para o evento”.

Por seu lado, Diogo Fernandes sustenta que a Europalco depende pouco de fornecedores. “Claro, temos sempre as equipas de freelancers e as equipas de contratação de stagehands. Basicamente, é só desses parceiros e fornecedores de que dependemos.” Internamente, há um trabalho de planeamento e de logística estruturado e organizado, o que traz à empresa “vantagens”, ao nível financeiro ou de horários de trabalho, por exemplo.


Tudo só funciona se todos estivermos alinhados”

A fechar, a Event Point pediu aos profissionais algumas dicas para uma melhor logística em eventos. No caso dos stands, Paulo Dias deixa algumas: trabalhar com antecedência; garantir que todos os dados estão corretos e atualizados; e evitar alterações de última hora durante a feira ou no momento do carregamento e preparação de materiais, de forma a evitar atrasos e problemas logísticos. “Um planeamento cuidadoso e uma comunicação efetiva com todas as partes envolvidas são essenciais para garantir uma logística eficiente e bem-sucedida e, por conseguinte, um evento memorável”, remata.

António Camacho refere que existem várias oportunidades para melhorar a logística. A começar no planeamento. “Ou seja, existe uma grande resistência na confirmação dos eventos e estamos a falar de cinco a sete dias úteis, que é a necessidade que temos para implementar todo o planeamento…” Além disso, acrescenta, os espaços dos eventos deveriam ter as condições adequadas para as diferentes tipologias de eventos que se realizam nesses espaços.

E vai mais longe: “Todos os projetos destinados a eventos e que realizam e disponibilizam espaços para refeições deveriam ser planeados em conjunto com técnicos de restauração e eventos, de forma a que possam ser realizados de uma forma fluída e sem as constantes adaptações e custos que normalmente ocorrem, para garantir a segurança no trabalho e a segurança alimentar.”

Acima de tudo, defende Diogo Fernandes, trabalhar com tempo é “a melhor forma de nós melhorarmos tudo”, das condições dos trabalhadores ao produto final entregue ao cliente. “Acho que se conseguíssemos trabalhar sempre com mais tempo, se tivéssemos as adjudicações com mais tempo, se tivéssemos as confirmações do que o cliente quer com mais tempo…acho que isso seria o melhor para o nosso mercado; seria mais aliciante para não perdermos mão-de-obra qualificada”, esclarece.

Vítor Cravo junta ao tempo a atenção que todas as partes envolvidas devem ter ao longo do processo, no sentido de terem a noção de que as suas falhas vão estar a interferir com o trabalho dos outros que se seguem. “Tudo só funciona se todos estivermos alinhados”, conclui.

© Maria João Leite Redação