Eventos: preocupações e visões do futuro
27-05-2020
O futuro do setor dos eventos, o conhecimento das regras para que a indústria possa regressar à atividade, o que pensa a procura, a importância do digital, os apoios às empresas e aos profissionais, foram temas abordados na segunda parte do webinar “Inovação ao Serviço do Turismo: Indústria de Eventos”, promovido pelo Nest e pela Event Point, a 22 de maio.
O segundo bloco deste seminário online contou com a participação da secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, com Álvaro Covões (Everything is New), Manuel Vaz (Expanding), Gil Ferreira (Câmara Municipal de Santa Maria da Feira), Lídia Monteiro (Turismo de Portugal) e João Paulo Oliveira (Leading), que apresentaram as suas preocupações e as suas visões de futuro.
Quatro pontos de reflexão
“A indústria dos eventos é claramente aquela que mais sofre com esta crise”, sejam eles eventos desportivos, feiras, festivais de música, culturais e artísticos, ou corporativos, começou por sublinhar Lídia Monteiro, do Turismo de Portugal. “Todos os eventos estão a sofrer muito com esta pandemia e também sabemos que não há eventos enquanto há incerteza.” Por isso, é necessário o esforço para que se encontrem soluções de curto prazo, que tenham algum impacto imediato. A indústria dos eventos é inovadora e tem criatividade no seu DNA.
Lídia Monteiro deixou quatro pontos de reflexão para aquilo que pode ajudar a indústria dos eventos no futuro. Apontou como “fundamental para os eventos” o design, que pode ser aplicado em diferentes níveis, como dos próprios espaços, espaços públicos e espaços fechados, ou ao nível do próprio evento. “Vamos ter de repensar um bocadinho como é que vai ser o layout do futuro. Necessariamente será diferente daquele que é hoje, mas não vai perder seguramente a beleza, o conforto e a utilidade que tem de ter para os participantes dos eventos”, frisou.
Depois, indicou o digital como “um dos pontos que mais vai ser reforçado nos eventos do futuro”. O digital tem sido já uma prática nos atuais eventos e esse recurso à tecnologia vai sair reforçado na organização de eventos, referiu a responsável, que considera ainda importante a organização de pequenos eventos e a experiência – “uma experiência que esteja agregada à autenticidade da nossa oferta” e que tenha a ver com a sustentabilidade dos eventos e do destino turístico.
Quais são as regras?
Para Álvaro Covões, da Everything is New, é importante conhecer as regras. No que diz respeito aos espetáculos, foi anunciado que os recintos vão abrir a 1 de junho, “mas ainda desconhecemos quais vão ser as regras e se essas regras, de facto, vão estar em sintonia com o equilíbrio financeiro, que obviamente é necessário”. A Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos, de que faz parte, lançou um guia de boas práticas para a reabertura dos recintos, onde também inclui alguns contributos de regras para os eventos corporativos. Mas para falar de futuro é preciso saber quais as condições em que o podem fazer.
Álvaro Covões acrescentou que há temas de que se fala pouco, como por exemplo as salas privadas de eventos. “Não existe uma preocupação de saber ou de garantir se, terminada esta crise que não sabemos quando é que vai terminar, vamos dispor de equipamentos para fazer congressos, eventos e espetáculos”, afirmou, alertando também para a necessidade de medidas para que muitas dessas salas possam resistir até que tudo volte à normalidade. E isto também relativamente a outras empresas que tornam possível a organização de eventos, como as empresas de equipamento e de audiovisuais, por exemplo. “Também existe aqui um perigo muito grande de que, quando quisermos voltar a fazer eventos, não haja empresas para fornecer equipamentos. E, portanto, não vai adiantar fazermos uma promoção internacional para atrair eventos se não houver também equipamentos para poder organizá-los.” E numa outra nota de preocupação, Álvaro Covões acrescentou que os profissionais do setor dos eventos e dos espetáculos estão desprotegidos. “Mais uma vez, se não tivermos técnicos qualificados, também esqueçam os eventos, porque eles não vão acontecer.”
O setor dos eventos tem um desafio pela frente: a reinvenção. Álvaro Covões acredita que, tendo em conta que festivais e outros grandes eventos não vão poder acontecer nos próximos tempos, “temos de nos reinventar com pequenos eventos”. Mas alertou novamente para a necessidade do conhecimento das regras e medidas que devem ser aplicadas. Por isso, na intervenção final, e aproveitando a presença no webinar da secretária de Estado do Turismo, deixou o seguinte pedido: “Por favor, digam-nos quais são as regras e priorizem um setor que é extremamente importante.”
“O pessismismo é um luxo de países ricos”
Para Manuel Vaz, da Expanding, se há setor criativo e que se reinventa permanentemente é o setor dos eventos. “Temos de ser mais criativos nas soluções, pragmáticos e eficazes” foi a resposta numa entrevista, numa outra altura de crise, mas que voltou a usar, por se manter atual. “O pessimismo é um luxo de países ricos”, afirmou, acrescentando que é necessário “andar para a frente”. Contudo, “para nós desenharmos qualquer solução que seja, mais do que a rapidez, temos de ter a clareza”, conhecer os cenários e as regras. “O que sinto que é importante, em primeiro lugar, é cenarizar. Ou seja, quais são as fases e como é que se avança nas fases, quais são os critérios de avanço, quais são os critérios de recuar.” Sendo o setor dos eventos um “grande ecossistema”, não pode haver uma única solução. “Não há uma solução universal que sirva para todos”, frisou.
Manuel Vaz considera que, mais do que a oferta, porque Portugal é “um exemplo” em todo o mundo, é fundamental para toda a estratégia saber o que a procura acha que é seguro e o que os motiva. Por isso, deixou o desafio ao Turismo de Portugal a fazer um estudo que ajude os operadores a perceber quais são as preocupações da procura, nos mercados interno e emissores.
Manuel Vaz terminou a intervenção com uma nota positiva, revelando estar “muito otimista relativamente a este banco de nevoeiro que se abateu sobre todos” e acreditar que, no final, Portugal vai sair reforçado.
“O público vai procurar eventos transformadores”
“Para Santa Maria da Feira os eventos são um território particularmente grato, porque é uma área de especialização inteligente do nosso território”, referiu Gil Ferreira, da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, lembrando eventos como a Viagem Medieval em Terras de Santa Maria ou Imaginarius, que se constituíram como “marcas de posicionamento à escala nacional e internacional”, com forte impacto na economia local. O vereador considera que a mudança faz parte da vida, que o digital ganha mais importância e que esta crise vem apenas “acelerar a utilização e a incorporação” de recursos digitais à operação e léxico diário. “As reuniões virtuais, o teletrabalho, mas sobretudo a tecnologia nos eventos ao serviço da gestão e da monitorização vão ser um fator fundamental.”
Gil Ferreira também imagina os eventos “cada vez mais verdes”, e não só ao nível ambiental. “A sustentabilidade da gestão nas restantes áreas na cadeia de valor que compõem os eventos é fundamental”, disse, acrescentando: “Os eventos pós-Covid terão de ser mais transformadores, promotores de uma transformação cultural na sua própria organização, porque, de facto, a criatividade sempre fez parte deste setor, mas a criatividade associada ao produto, ao conteúdo. E hoje o que nos pedem é que se vá mais além e que sejamos criativos sobretudo no modelo de operação e no modelo de negócio.”
Em linha com Álvaro Covões, Gil Ferreira considera que “a realização de pequenos eventos com maior frequência e ao longo do período do tempo é uma resposta”, fazendo aí todo o sentido a visita a espaços públicos e a espaços não convencionais. “O público vai procurar eventos transformadores”, que explorem os cinco sentidos, que promovam a “nova ilusão”. Por isso, além da reinvenção, Gil Ferreira indica a “flexibilidade” como uma palavra-chave para o futuro, acreditando que todos se tenham de tornar cada vez mais flexíveis “para dar a resposta possível e fazer a transformação necessária”.
Gil Ferreira deixou também um pedido relacionado com a promoção da descentralização. Sendo Portugal um país “que prima pela diversidade, na sua oferta patrimonial, histórico-cultural, gastronómica”, este é o momento de fazer uma aposta nesse sentido. “Esta é a oportunidade de se descentralizar um conjunto de eventos e de oportunidades por todo o país e até de corrigir alguns erros do passado.”
“Mais do mesmo e coisas diferentes”
Para João Paulo Oliveira, da Leading, existem na meetings industry realidades distintas e “essas realidades diferentes podem conduzir a que para alguns o futuro seja daqui a dois ou três meses, para outros seja a seis”, ou, como no seu caso, referindo-se ao formato tradicional da organização de congressos, “o futuro não será nunca antes de nove meses a um ano”. Mas daqui para a frente, “mais do mesmo e coisas diferentes”. E passou a explicar.
“Naquilo que é a mudança que se precisa para o setor e para outra forma de ver as coisas, nós precisamos que as pessoas tenham essa disponibilidade, e essa disponibilidade nem sempre acontece. Acho que é um receio natural. Depois, porque às vezes para fazer essa mudança nós precisamos de evidências, e as evidências nem sempre são fáceis de obter e nem sempre são convincentes. E, por último, para que esta mudança aconteça é preciso que do ponto de vista infraestrutural, ou de um ponto de vista mais macro, essas mesmas condições também existam.” Por outro lado, João Paulo Oliveira acredita que vêm aí algumas mudanças e que existam “coisas diferentes num futuro próximo”, mas “é preciso que estes três aspetos que referi antes possam ser contornados”.
João Paulo Oliveira, o digital abre um “campo enorme de possibilidades” e que há oportunidades a aproveitar. “Acho que vai ser um dos desafios do futuro. E nós temos de olhar para isto não só do ponto de vista daquilo que é a digitalização do nosso próprio trabalho, seja no ponto de vista interno das empresas, na relação com os clientes ou do público a quem nos dirigimos, mas olhar também para a digitalização como oportunidades novas que vão surgir”, sublinhou, acreditando que vai passar a haver uma importância crescente do digital e também espaço para novos modelos de negócios.
No final da intervenção, João Paulo Oliveira pediu ao Turismo de Portugal a realização de uma campanha “genial” dirigida “às pessoas que estão na génese do negócio”, falando concretamente nos congressos. “Em determinados produtos, e o caso dos congressos é um deles, nós não temos apenas de nos ir posicionar para as feiras e fazer contactos nas feiras internacionais, porque a realidade é que a génese dos congressos e da captação dos congressos e da captação do negócio começa em Portugal.”
Além disso, pediu a atenção para uma ideia antiga e trazer para Portugal um evento “de valor inquestionável” para a indústria, a IBTM. No final do contrato com Barcelona, a IBTM poderá mudar de local, pelo que João Paulo Oliveira apela para que o assunto seja tratado como “estratégico e prioritário” e para que pudesse ser montada “uma pequena ‘task force’”, que consiga trazer este evento para Portugal, à semelhança de outros eventos a nível internacional.
Três grandes preocupações
No final, a secretária de Estado destacou três grandes preocupações: a necessidade de apoios extraordinários, durante esta fase em que o negócio está parado (“estamos a trabalhar num segundo pacote de apoios, porque temos plena consciência que esta pandemia afetou muito a economia, mas não a afetou de uma forma simétrica); as condições para a retoma da atividade (“estamos a trabalhar, no sentido de publicar com a maior brevidade possível um conjunto de regras”); e o futuro (“temos de repensar a lógica dos eventos, o seu formato, como é que podemos ser criativos”).
A concluir, Rita Marques lembrou que é importante trabalhar em conjunto “para tentarmos definir aqui a nova indústria de eventos, porque ela vai naturalmente ser diferente. A sociedade será diferente, vamos todos mudar um bocadinho e espero que seja para melhor”.