Gavin Eccles: “As companhias aéreas vão recuperar”
30-04-2020
“Estamos a viver tempos sem precedentes”, refere Gavin Eccles, e que surgiram numa altura em que a indústria estava em crescimento. “No final de 2019, a indústria da aviação assistiu a 5% de aumento de receitas, o dobro da média mundial do PIB, mostrando assim como a aviação é importante para as economias, turismo, e a forma como vivemos as nossas vidas”. Hoje grande parte das companhias aéreas estão paradas, apenas com algumas excepções, e a IATA aponta que a queda de receitas da indústria seja de cerca de 55%, ou seja cerca de 315 mil milhões de dólares. “Claro que este impacto é superior ao do 11 de setembro, da SARS, e da crise financeira. Esta é uma situação que ninguém podia ter previsto e o desafio é simples de perceber: não se sabe quando é que os voos podem realmente ser retomados”, explica Gavin Eccles.
Com este panorama atual, quais são então as perspectivas para o futuro mais próximo? Gavin Eccles acredita que as companhias aéreas vão recuperar. “Se olharmos para os principais eventos, o 11 de setembro e a crise financeira (cujo impacto foi muito menor), o tempo de recuperação foi de dois anos em cada crise. No entanto, após dois anos, o setor realmente recuperou e, se analisarmos o setor em geral, após cada crise, ele duplicou num período de oito anos. Isso faz-nos acreditar que as viagens aéreas voltarão.” Isto porque, conforme refere o consultor, “8% da globalização é suportada por viagens aéreas e 57% do turismo transfronteiriço é apoiado pela aviação. Com isto em mente, só podemos esperar ver as companhias aéreas de volta”.
A recuperação pode ser feita com uma curva em V ou em U. No primeiro caso, explica Eccles, se os voos recomeçarem em maio e junho, até ao final de 2020 haverá alguma normalidade, mas isso é difícil de imaginar neste momento. Já no caso da curva em U, isso significaria que haveria poucos voos durante o verão e a retoma aconteceria em outubro, sendo que alguma normalidade poderia ser constatada em abril de 2021.
O que é fundamental para as companhias, segundo o consultor, é o reinício da atividade e saber quais as rotas que podem ser retomadas e quais os aviões a usar. E, depois da abertura dos países, saber se as pessoas querem viajar. “São questões muito interessantes que vão ter um grande impacto”.
Restrições
Como em todas as atividades, as restrições vão existir. “Até ao momento, alguns países clamam por distância social, destacando que só podem ser vendidos 75% dos lugares. É o exemplo da China”, explica Gavin Eccles. O especialista sublinha que isto vai ser rebatido pelas companhias muito em breve, uma vez que tem um grande impacto nas receitas de cada voo. “Mas sendo honesto, 100% de ocupação também vai ser difícil, por isso, por default, o avião não vai estar cheio”. Gavin Eccles acredita que nos primeiros meses vão existir procedimentos de rastreio e controlo, desinfecção de aviões, uso de máscara pela tripulação e pelos passageiros.
Modelo low-cost e a TAP
Uma pergunta na mente de muitas pessoas tem a ver com a sobrevivência das companhias de perfil low-cost. Gavin Eccles sublinha que, do que se tem ouvido, a Ryanair, a easyJet e a Wizz Air “têm mais liquidez para gerir a crise do que as companhias de bandeira e as tradicionais que estão a pedir apoio governamental e resgate”. As low-cost têm tido grande sucesso nos Estados Unidos, Europa e Ásia, diz Eccles, e “acredito que toda a indústria vai mudar, mas, de certeza, os princípios do low-cost vão manter-se”.
Quanto à TAP, “o desafio agora é manter todos os novos aviões com um cronograma de rotas que permita uma procura lucrativa”. “Se a procura não voltar conforme as expectativas, o desafio para qualquer companhia aérea é manter os aviões no ar”, refere o consultor. Para a companhia nacional é importante centrar-se em mercados que fazem o sucesso de Portugal. “A TAP pode assumir uma posição ainda mais forte na ligação do mundo de e para Portugal e ser mais do que apenas o hub de Lisboa”. Para Portugal é importante estreitar o link, em termos de aviação, com a América Latina, e não só o Brasil, bem como deve considerar as ligações à Ásia. E nesse sentido a estratégia deve ser levar a Ásia à América Latina ou a África, lembra Gavin Eccles.
As companhias, de uma forma geral, têm de se focar na defesa da marca, na forma como se podem diferenciar, na criação de confiança. “E têm que se assegurar que estão a trabalhar rotas com interesse para diferentes stakeholders (negócio, turismo)”, refere o especialista.
E os eventos?
“Levará tempo até as grandes reuniões voltarem”, alerta o consultor, mas o optimismo é a nota. “Todos sabemos que os negócios têm uma componente presencial, portanto, com certeza, depois de serem obtidas as certificações, vacina e confiança , os eventos voltarão e as companhias aéreas farão a sua parte para reunir o mundo dos negócios novamente”, conclui Gavin Eccles.
Mas os preços aumentarão? Para o consultor subir preços não é a resposta, nem o seu contrário faz diferença. “Depois do 11 de setembro, as empresas fizeram promoções massivas para que as pessoas viajassem. Agora, a procura é diferente. As pessoas precisam de sentir confiança e os países têm de estar abertos”, refere Gavin Eccles, que acredita que os preços vão ser semelhantes a 2019. “O desafio é construir de novo a procura, pelo que aumentar preços vai levar a uma imagem negativa, e reduzi-los vai dar a ideia de que ainda não é tempo de voar”.
Cláudia Coutinho de Sousa