Gerd de Bruycker: “Fomos forçados a ser criativos”

Entrevista

25-08-2021

# tags: Tendências , Clientes , Eventos

Gerd de Bruycker é uma das vozes mais respeitadas no setor dos eventos a nível internacional.

Diretor EMEA da Cisco, é responsável pelo marketing de eventos desta empresa. À Event Point conta como a Cisco se voltou para o digital durante este período e aponta 2022 como o ano da retoma dos eventos presenciais na companhia.

Como chegou à indústria dos eventos?

Foi através da Microsoft. Estou há quase 11 anos na Cisco e, antes disso, estive quase 10 anos na Microsoft, onde comecei por ter um papel em termos de marketing na Bélgica. Uma parte do trabalho requeria organizar eventos. Comecei a organizar eventos em auditórios e adorei. Foi assim que me envolvi em eventos. E, de uma certa forma, isto fez parte de uma evolução interessante, porque ainda antes de trabalhar na Microsoft, e como forma de prospeção, fui ao evento Microsoft TechEd. Trata‑se de um grande evento, tal como o Cisco Life. No último dia do evento, houve uma grande festa na Arena de Amesterdão, com a performance de Brian Adams. E, já na altura, olhei para aquilo e pensei ‘wow, isto é fantástico’. E, quando foi anunciado em palco o destino da edição seguinte do evento, disse: ‘este é o trabalho que quero ter’. Dois anos mais tarde fui convidado a organizar esse evento. Foi um momento que despertou a minha paixão, e decidi persegui‑la.

O que gosta mais no seu trabalho?

Quando penso em todos os eventos em que estou envolvido em termos de organização, de onde retiro maior satisfação é em ver as pessoas que o organizam a sorrirem no final. É um reflexo de que o evento correu bem e de que adoraram o trabalho. Tem tudo a ver com o sorriso e, para mim, também é interessante vê‑las crescer enquanto pessoas e profissionais, porque isso é o que eu realmente gosto: fazer coaching, levar as pessoas ao nível seguinte, guiá‑las, ajudá‑las.

Passou por duas grandes empresas tecnológicas. Acredita que, em termos de criatividade e tecnologia, estas empresas têm uma responsabilidade ou liderança acrescida nos seus eventos?

Absolutamente. Acho que as empresas tecnológicas são drivers, são líderes na forma como os organizam, usando tecnologia, criatividade, inovação. Mas não só na indústria da tecnologia. Qualquer empresa, de qualquer indústria, deve ter como objetivo ser líder em qualquer coisa que faça, seja nos eventos, gestão de produto, ou num serviço. Cada empresa deve assumir responsabilidade e tentar ser líder naquilo que faz.

De que forma a pandemia mudou a indústria? E como vê o setor depois desta tempestade passar?

Passou tudo para o digital e, por causa desta coisa incontrolável, fomos forçados a ser criativos, a pensar de forma diferente e isso trouxe inovação às toneladas. Presenciamos uma grande aceleração na forma como se faziam eventos num ambiente digital puro. Acho que aprendemos muito. Fomos forçados a isso. Vimos muita inovação. Claro, também vimos empresas a irem‑se abaixo porque não tinham uma boa visão de futuro, outras deram a volta e focaram‑se na tecnologia, construíram estúdios e avançaram com esse trabalho. Assistimos a muitas aquisições, incluindo na Cisco, e houve uma grande evolução neste campo. Acredito que a indústria dos eventos, como um todo, vai sair muito mais forte. E porquê? Porque agora temos uma ferramenta extra. Por causa desta situação incontrolável fomos forçados a pensar diferente. E agora muita gente e muitas empresas já estão mestres no espaço virtual dos eventos, sabem o ROI, sabem o que funciona, o que não funciona, têm imensa data à sua disposição. Acho que vamos sair mais fortes disto.

De que forma os eventos presenciais evoluem num mundo digital, e que ainda foi acelerado pela pandemia?

Com muita inovação, criatividade e com ainda mais ferramentas ao nosso dispor. Temos muito mais a oferecer a qualquer empresa que queira orgazinar eventos, B2C ou B2B. Vai ser divertido.

Acha que os governos estão mais alertados para o que é a indústria dos eventos, ou há ainda muito trabalho a fazer?

Ainda há muito trabalho a fazer. Por exemplo, a situação na Bélgica. Há uma pequena parte de uma organização profissional responsável por uma pequena parte dos eventos, mas não pela sua totalidade. É muito fragmentada. Algumas pessoas subiram ao palco e tentaram ser líderes e conseguiram‑no. É uma aprendizagem, fazer lobbying e negociar com os governos. Dependendo do país, acredito que há ainda muito a fazer, mas foram conseguidas muitas coisas e estão mais bem organizados para o futuro.

event point revista eventos

Estamos a olhar para 2022

Em relação à Cisco, fizeram eventos digitais com a pandemia? O que aprenderam com a experiência?

Sim, claro. Fizemos toneladas de eventos. Acho que, como toda a gente, vimos um grande aumento, não só no volume de eventos, mas também no registo de participantes. No início, vimos multiplicado por 3, 4 ou 5 o número de participantes, e não só de registos. Ao mesmo tempo, depois de alguns meses, incluindo agora, há fadiga de webinars, as pessoas estão fartas. As pessoas querem encontrar‑se, de novo, mas ao mesmo tempo, se o evento for bem pensado, bem organizado, bem comunicado, e se trouxer valor, vemos, na mesma, muitas pessoas a registarem‑se [online]. Muito mais do que víamos nos eventos físicos. Aprendemos que o conteúdo é ainda mais o rei. O conteúdo é o mais importante, e ainda mais num ambiente virtual. As apresentações devem ser curtas e ir ao ponto, de modo a que as pessoas se mantenham atentas. É melhor ter múltiplos oradores, ter dinamismo, painéis de discussão, sessões curtas, de forma a que as pessoas continuem a ouvir. Também vemos que uma produção profissional, formatos em estúdio, de TV, funcionam perfeitamente. O mais desafiante é a interatividade nos patrocínios. Nos patrocínios é difícil ver o ROI, além do reconhecimento da marca. É difícil ver leads. Também é um desafio manter a interatividade, manter as pessoas envolvidas, fazê‑las participar num ambiente virtual. Outra coisa que vemos é que num ambiente físico há a limitação da geografia, enquanto que no ambiente virtual a limitação é mais o fuso horário e a língua. Tudo o resto está aberto. Qualquer pessoa no mundo pode participar desde que sinta que a hora do evento é adequada. Sem distâncias, de uma certa forma. Muito diferente. É por isso que acho que, no mundo virtual, vamos ver mais eventos que têm como objetivo aumentar o alcance combinados com eventos físicos, com participantes importantes e selecionados.

Quando vão retomar os eventos presenciais? E qual deve ser a estratégia de futuro em termos de eventos?

Estamos a olhar, em termos de calendário, para 2022. Haverá eventos antes disso, mas limitados. Estamos com os olhos postos em 2022, estamos a planear nesse sentido. Em termos de estratégia global, como referi, temos agora também na manga os eventos virtuais e os híbridos. São uma possibilidade extra. Acho que vai ser uma combinação: o puramente virtual, para ter um alcance maior, e as audiências mais especiais nos eventos físicos. Os eventos presenciais vão voltar, é claro, as pessoas querem encontrar‑se – é o meu caso ‑, mas serão mais dirigidos a um público‑alvo. E também haverá eventos híbridos e, neste caso, acho que vamos assistir, no futuro, ainda a mais inovação, tentativa e erro.

O que é que vai ser preciso para convencer alguém a ir a um evento presencial?

A resposta é sempre a mesma. É tentar convencer as pessoas de que o evento lhes traz valor. Eu também participo em eventos virtuais se vir o valor associado. E vai ser importante mostrar o valor do evento, num ambiente que seja seguro e que possa providenciar uma boa experiência.

O facto de muitas empresas ainda estarem a promover o teletrabalho, total ou parcial, é um desafio extra quando queremos incentivar as pessoas a estarem presentes nos eventos presenciais?

Acho que não! Vamos assistir no futuro a um ambiente de trabalho mais híbrido. Acho que as empresas vão reduzir a sua pegada em termos de instalações físicas. E as pessoas vão trabalhar mais a partir de casa. Vai ser uma combinação. E quando quiserem reunir‑se vão ao escritório. E o mesmo vai acontecer com os eventos. As pessoas vão querer encontrar‑se; algumas coisas vão fazer online, outras coisas vão querer mesmo fazer de forma presencial. Não tenho dúvidas de que os eventos físicos vão regressar, mas o trabalho híbrido vai ser o futuro.

Prevê uma mudança de comportamento em termos de viagens internacionais?

Acho que sim. Por exemplo, na Cisco, não vamos poder viajar tanto como fazíamos no passado. Mas uma das coisas que este vírus nos ensinou foi que trabalhar de casa funciona perfeitamente. Há produtividade, ferramentas e tecnologia. Vamos entrar no tal mundo híbrido.

Os grandes eventos vão ser substituídos por eventos mais pequenos, com um target mais restrito?

Talvez. Mas os grandes eventos vão voltar. Vai ser uma combinação e uma evolução. Vai depender da audiência‑alvo e do que pretendemos com o evento. E isso adequa‑se mais a um evento físico ou virtual? Ou a uma combinação dos dois?


© Cláudia Coutinho de Sousa Redação