João Silva: “O nosso destino tem de valer por si”

27-03-2018

No ano que marca os 25 anos da Team Quatro, estivemos à conversa com João da Silva, sócio-fundador da empresa. Entre os assuntos em cima da mesa esteve a falta de espaços, a eterna questão do IVA e a evolução dos eventos.

Como nasceu a Team Quatro?

Nasce a 23 de Dezembro de 1991, como reacção à saída dos três sócios e de mais uma série de gente de uma empresa que havia na altura, a Catur, e que tinha o monopólio do mercado alemão nos incentivos, na altura não havia eventos. Decidimos fazer uma empresa, uma coisa pequena, com meia dúzia de clientes que conhecíamos. A estratégia foi não ir ter com os clientes a dizer que tínhamos saído, mas deixar as coisas acontecerem. Começámos com uma equipa de seis, e cá estamos, ao fim de 25 anos.

Como era o mercado nessa altura? Que experiência é que já tinham quando se lançaram nessa nova empreitada?

Bastante. Nós conhecemo‑nos na Catur em 1983, portanto já levávamos nove anos de trabalho juntos. O mercado tinha outro tipo de estrutura, o centro de custos não era uma prioridade, a prioridade era o programa, a qualidade da oferta. Portugal não estava tão cheio de oferta, nem tão cheio de procura, portanto havia mais flexibilidade. Era tudo muito mais fácil, conseguir espaços e outras coisas. Com excesso de procura, às tantas, alguém começa a ter que dizer não. Era outra forma de trabalhar, na altura os incentivos eram planeados a longo prazo. Quando alguém me pedia uma fotografia de um espaço, eu não ia lá com o telemóvel, ia lá com o fotógrafo, a fotografia tinha que ir para o laboratório e depois seguia por correio para o cliente. E isso foi de facto uma aprendizagem porque nos habituou a trabalhar sem instrumentos. Agora no escritório quando falha um computador toda a gente fica parada. Creio que na procura de soluções foi uma altura muito interessante e cliente estava muito mais focado em resultados do que propriamente em custos, que são hoje a vertente principal.

Como é que acontece esse foco no mercado alemão?

Pode dizer‑se que trabalhamos exclusivamente o mercado alemão. O pouco mercado que vem de Inglaterra é com pessoas alemãs. Todos nós estávamos ligados à Alemanha. O facto de entrarmos na Catur, que na altura trabalhava 99 por cento com o mercado alemão, foi o início e depois foi a continuação natural. Acreditamos que não vale a pena estarmos focados noutros mercados porque a cultura que nós conhecemos é alemã, o idioma que dominamos é o alemão. Todas as pessoas que trabalham na Team Quatro falam alemão, aliás é uma condição sine qua non.

E os alemães são melhores clientes do que outros mercados?

Era preciso que eu conhecesse os outros mercados... Mas desde que apliquemos os standards alemães a outros mercados funciona sempre muito bem. O rigor, a precisão, a pontualidade, funcionam sempre bem para qualquer mercado, mesmo com aqueles que não são assim. Vêem sempre isso como uma faceta positiva. Não diria que são melhores, são diferentes. Acho que é um bom cliente.

E como é que definiria o tipo de eventos que organizam hoje?

Isto agora é engraçado porque o nome deixou de ser eventos. Eventos já toda a gente organiza. Agora são os summits. É a nova palavra na Alemanha para definir eventos: summit. No fundo trata‑se de um encontro de topo. No fundo, no fundo, é tudo um incentivo. Se eu convidar alguém para vir conduzir um carro a Portugal, ou para vir ver um frigorífico, trago‑o em condições favoráveis, para um destino agradável, e nesse aspecto é um incentivo. O evento descolou um bocadinho do incentivo porque tinha uma componente mais técnica, profissional, corporate. O incentivo dava um bocado a ideia de que o pessoal andava a passear. E agora o summit descola porque o evento já está a ficar muito conotado com o lazer. O summit é o superlativo do evento. Isto aqui é que é mesmo a sério, só para trabalhar. Houve mudanças de nome, mas manteve‑se na essência: a viagem e a motivação das pessoas.

O que é que mudou nestes anos todos em relação àquilo que os seus clientes lhe pediam na altura e lhe pedem hoje? Estão muito preocupados com o preço…

Quando um cliente se decide por Portugal, ou quando nós oferecemos Portugal, mostramos um conjunto de circunstâncias em que procuramos ser distintos de outros destinos. Diria que temos mais consciência de prestação de serviços, somos um povo mais simpático, temos um idioma assim um bocadinho eslavo, mas que não é agressivo como o espanhol, e nem inentendível como o turco, e damos garantias de fiabilidade. Cumprimos com o que nos comprometemos, a qualidade gastronómica é óptima ‑ o peixe para eles é um tema ‑, e hoje em dia não se pode descurar a segurança. O cliente exige a mesma precisão de sempre, as mesmas garantias de sempre, a mesma qualidade de sempre. O nível de oferta também está adaptado aos tempos modernos. Se pensar nos inícios dos anos 90, não havia licenciamento de barcos no Tejo. Tínhamos uma cidade completamente avessa ao rio. Como não havia licenciamento alugávamos cacilheiros e fazíamos festas a bordo. Hoje em dia é excelente a oferta que existe em termos de marítimo‑turística e a mudança de paradigma no rio foi brutal. Os tuk tuk, o tipo de hotelaria, o tipo de gastronomia, tudo isso se foi adaptando ou foi melhorando.

Procurando detalhar o perfil dos vossos clientes, em que áreas de negócio estão?

São de todas as áreas de negócio, desde seguradoras, banca, IT, ramo automóvel. A Team Quatro hoje tem a imagem quase colada ao ramo automóvel. Os carros vêm pelo facto de termos tido uma primeira apresentação de pneus nos anos 80, e de eu ser um “maluquinho dos automóveis”. Quando os clientes começaram a pedir os primeiros eventos, nós já sabíamos muito bem o que era preciso, estávamos tecnicamente muito aptos a falar com os engenheiros alemães, e sabíamos tudo sobre automóveis. Demorou muitos anos a conseguir colocar Portugal no mapa da indústria automóvel porque tínhamos péssimas estradas. Tínhamos era uma flexibilidade espantosa. Em 86, por exemplo, fechámos a estrada do Guincho de manhã para fazer um teste de pneus camiões. Hoje em dia fechar a estrada do Guincho? Nem me passa pela cabeça! Havia mais facilidade por um lado, mas era muito mais difícil porque Portugal era conhecido como um país com estradas terríveis e isso foi uma coisa que melhorou substancialmente. Uma boa opção estratégica foi termos mantido sempre o mercado, e termos mantido sempre o mesmo tipo de projecto, não querermos fazer tudo.

É crítico da estratégia de captação de congressos internacionais para Portugal, nomeadamente com apoios financeiros. Quer explicar porquê?

Sou crítico e toda a gente conhece a minha posição. Sou crítico com tudo o que possa ter que ver com uma coisa que se chama “subsídio”. Tudo o que eu tenha que pagar para trazer, ganhar dinheiro, considero negativo. Penso que o nosso destino tem de valer por si. Se calhar as coisas sempre funcionaram assim porque habituaram as pessoas a isso. Tudo o que seja pagar ao cliente para vir penso que é uma má prática. É quase como fazer descontos. Em Portugal não se faz descontos. Na Alemanha instalou‑se o desconto. Compra‑se um relógio e tem que se ter um desconto. Isso subverte a concorrência. Penso que há determinados investimentos que valem a pena. Podemos aqui discutir quem é que diz que vale a pena, e porque é que diz que vale a pena. O Moto GP é interessante ou não é interessante? Porquê? A Fórmula 1 é interessante ou não? Notoriedade para Portugal com a Volvo Ocean Race? Não vejo! Isto é uma discussão muito técnica. O dinheiro devia ser mais criteriosamente aplicado e não consigo em muitos casos perceber por que sim ou por que não. Eu não me ocupo sequer suficientemente com isso para poder responder porque não é essa a minha tarefa, existem as estruturas, mas acho as fórmulas muito simplistas.

Espaços para eventos em Portugal? Faltam? Com que perfil?

Faltam nos principais destinos. Nós acompanhamos a oferta de uma forma brutal. Aquilo que nós acusamos: os excessos do airbnb, o excesso dos tuk tuk... eu ainda me lembro dos tempos em que não tínhamos nada. Se não se tivesse facilitado a marítimo turística, se não se tivesse facilitado o airbnb e o alojamento local em geral, os tuk tuks ‑ que hoje são uma praga admita‑se ‑, não havia nada. O mercado depois começa a regular a actividade. Se a oferta se copia, sem nenhum valor adicional, é lógico que satura o mercado, e o pessoal deixa de se interessar. Só o bom alojamento local é que vai ficar, o resto vão ser pardieiros que não interessam. Isto tem permitido uma recuperação arquitectónica, que os clientes reconhecem. Nos espaços há falta de alternativas, é como o aeroporto, não acompanham a velocidade. Nós não temos espaços disponíveis. Porquê? Porque o empresário ou não quer, ou não pode, ou é difícil, ou é caro. Mas eu acho graça a uma coisa: cada espaço que abre fica cheio. Abriu o SUD, o SUD encheu. Nós não temos espaços suficientes para todos os eventos que estão a ser alocados. E isso é definitivamente um problema. Posso ir sempre para uma sala de hotel, mas também não tenho muitos hotéis com boas salas.

Esse investimento em novos espaços devia ser de iniciativa pública?

Aqui é que era a favor de parcerias público‑privadas. Mas não aquelas em que o público paga a factura. Eram parcerias público‑privadas em que ambos investiam: os privados geriam, e os públicos auferiam. Sempre com gestão privada para maximizar o potencial do espaço. Não tenho amargos de boca, tanto podia ser um privado, como podia ser misto, como pode ser público, desde que seja um privado a gerir.

Uma outra questão que é relevante para a vossa área, é a questão fiscal. Quando falamos por exemplo na questão do IVA e quando se compara a concorrência entre uma empresa portuguesa e outras congéneres europeias, como é que encara essa discrepância em termos fiscais para as empresas de diferentes países?

Este é o meu tema preferido desde 1992, um ano depois de abrir, porque foi a primeira vez que uma empresa japonesa me pediu a devolução do IVA, coisa que nunca tinha ouvido falar. E desde aí ocupo‑me com isso. O IVA é um montante acrescido a um diferencial, é um valor acrescentado a um produto. Não é verdade que na Europa toda a gente faça isso. A Áustria também não faz IVA neutro, não faz reverse charge. Mas a mim o que me importa na Europa são os nossos concorrentes directos. O que é que está a fazer Espanha? O que faz Itália? O que faz Portugal? O produto turístico, desde que não tenha a componente de lazer, ou seja no segmento puramente corporate, a taxa de IVA devia ser neutra. Está a ser passada erradamente uma mensagem de que não queremos pagar IVA. É completamente falso isso.O que se pretende aqui é que o IVA seja liquidado no país do cliente. É disso que estamos a falar. Isto acontece com carros, acontece com máquinas, acontece com qualquer produto exportado. Ao liquidarmos o IVA no cliente, temos uma neutralidade fiscal, que significa que aqui só conta o preço da produção. Não há impostos a alterarem ou a subverterem o preço do mercado. Não somos uns grandes reclamadores – o nosso presidente da Confederação tem levantado o problema ‑ mas não há disponibilidade mental por parte da tutela. Fala‑se no assunto e há promessas. Estamos a falar em quatro pontos percentuais em relação aos nossos concorrentes. É muito dinheiro quando é aplicado no topo da pirâmide. É um assunto que tem que continuar a ser falado, mastigado. O presidente da APAVT tem feito um trabalho excelente nesta área. Mas nós não somos escutados. É um tema que ninguém quer ouvir falar. O que passa é: eles não querem pagar IVA.

Isso é porque o sector não sabe afirmar a sua importância?

Acho que sim. Nós não estamos a saber comunicar isto, sobretudo para a imprensa. A ideia não é não pagar IVA, é usar a mesma atitude que se tem para qualquer produto exportado. Nós devíamos estar a preparmo‑nos para o after boom do turismo. A Grécia continua fechada, apesar de agora estar a levantar a cabeça; o Magreb está todo fechado; assim como o Egipto e a Turquia. Em Espanha e no Sul de França houve problemas. Eu não estou nem pouco mais 8 ou menos agradado com isto. Mas isto não é um crescimento estrutural. É baseado na desgraça alheia. O crescimento existe estruturalmente, mas não nesta dimensão. Claro que foi muito bom porque permitiu que muita gente que não conhecia Portugal tivesse vindo e tivesse sido uma grata surpresa. Nunca vi tanto francês em Portugal como agora. Os franceses descobriram que Portugal não é o país da porteira, nem do bigode, mas um país já com uma cultura gastronómica muito boa, com um vinho excelente e aderiu ao país. Isso é o estruturado. Agora há aquele turismo que está a vir porque não há outro lado. Eu tenho muito medo disso, porque depois disto passar vamos trabalhar com quem? Temos de aproveitar este momento para projectar os momentos seguintes, mas isso é uma coisa em que nunca fomos bons, senão já tínhamos um aeroporto antes do turismo ter rebentado como rebentou e agora andamos aí a gerir slots.

Concorda que este sucesso na área do turismo de lazer cria aqui tensões do lado de quem tem que gerir eventos corporativos, incentivos?

Claro que cria, não há mundos ideais. Eu sinto isso na pele, mas não vou agora dizer para tirarem os turistas daqui porque quero albergar os meus grupos. O que eu acho é que nós nunca nos preparamos para um fluxo sobredimensionado de turismo. Determinados projectos demoram muito tempo a criar, por exemplo um hotel. Quando estão cá oito navios no terminal de cruzeiros não é engraçado andar na rua, nem para nós, nem para o corporate, nem para os incentivos. Há problemas que se podiam resolver como é o caso dos autocarros. Claro que eu entendo as populações, mas a culpa da cidade estar entupida não é dos autocarros, é do conjunto. Não houve uma preparação por isso sou crítico do presidente da Cãmara de Lisboa no que diz respeito ao atrofiamento da cidade.

Vê outros destinos no país a aparecerem? Com condições para se constituírem como alternativa aos mais habituais?

O Porto está na mesma. O Algarve não tem infra‑estrutura e continua a não ter aviação. Está melhor, mas continua a não ter uma aviação sustentada, com voos para corporate. Estou só a falar de corporate e incentivos. E o Algarve não tem locations. Um exemplo: um grupo de 300 pessoas, três noites no Algarve, onde é que vamos jantar com elas? No hotel, no hotel e no hotel. Se estiver bom tempo ainda podemos fazer qualquer coisa cá fora, mas quando há bom tempo não há quartos. O Alentejo, eu estava a depositar grandes esperanças no Alqueva, mas faliram dois projectos, outros não avançaram por causa disso, e faltam hotéis. Não queria um excesso de oferta de hotéis, mas meia dúzia deles a mais ajudavam muito. O Alentejo é uma boa alternativa se tiver mais hotéis. É uma coisa que Espanha tem realmente de vantajoso, se Barcelona está cheio, abre Valência, depois abre Bilbao, depois Salamanca. Cada vez que um destino está a ficar cheio, aparece outro.

E em termos do que é a outra oferta do destino, por exemplo ao nível de fornecedores? Estamos bem fornecidos?

Estamos a ficar bem fornecidos. Mas falta muito caminho para percorrer até atingir a excelência. Temos de dizer isto a bem dos empresários, eu só posso fazer um investimento se ele for amortizado ou eu poder ganhar dinheiro com ele. E estou a aqui a falar mais nos alugueres, mobiliário e decoração. Não há clientes suficientes para tornarem os preços atractivos. Os tempos de amortização são demasiado longos, porque há poucos clientes para usar. E isso é uma coisa que nos falta. Estamos no bom caminho, há cada vez mais, mas os clientes continuam a trazer as coisas deles. Nãoo temos ainda aquele brand de excelência que devíamos ter, mas está melhor.

Hoje em dia como é que descreveria a imagem que tem o destino Portugal por exemplo num mercado maduro como é o alemão?

Muito boa! E curiosamente aquilo que mais ajudou a imagem de Portugal foi a crise, o incumprimento. Hoje vou à Alemanha e as pessoas dizem: vocês estiveram excelente desempenho, não se fala noutra coisa. Temos uma imagem excelente, o país, o destino, as pessoas. Para mim é uma delícia, fico encantado.