O impacto “devastador” da pandemia nas empresas de Animação Turística

13-04-2020

Totalmente paradas. Assim estão as empresas de Animação Turística que a Event Point contactou. E sem ação no terreno, o trabalho é outro... “Devastador”, “total”, “negativo”, “forte e feio” foram algumas das palavras utilizadas pela Vertente Natural, Tobogã, Ski Molhado, Equinócio e TurAventur para descrever o impacto da pandemia por Covid-19, que assola o mundo. O cenário não é positivo e as faturações caíram a pique. Por isso, as empresas deixaram também algumas medidas que gostariam que fossem tomadas pelo Governo. E quanto ao futuro… como se estão a preparar as empresas para o incerto e desconhecido? Terá de ler esta reportagem até ao fim.

 

Atividades suspensas

O impacto económico da pandemia na Vertente Natural “tem sido devastador”, uma vez que, desde o início de março, “a única atividade que tivemos foram os cancelamentos de todas as ações previstas para os próximos meses”, contou José Saleiro, sócio-gerente da empresa que se dedica a atividades de turismo ativo, para quem é claro que “este ano não iremos ter um verão que nos permita fazer face ao próximo inverno”. No momento, “estamos totalmente parados”, até porque foram obrigados a tal devido ao Estado de Emergência. O contacto que a Vertente Natural vai mantendo com os clientes prende-se com os pedidos de cancelamentos e de reembolso dos valores já pagos, “o que nos está a deixar sem tesouraria”, frisou. A empresa está também a tentar “algumas soluções criativas” para a redução das despesas fixas, mas estas têm-se revelado “infrutíferas”.

 

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José Saleiro, da Vertente Natural

 

José Saleiro lembrou que, tendo em conta que as empresas de Animação Turística foram obrigadas a parar, o Estado não está a assumir “as devidas responsabilidades dessa obrigação”, quando, tendo a decisão de paragem partido de uma decisão do Estado, que José Saleiro não critica, este deveria assumir a responsabilidade económica da decisão. “Neste caso, o Governo colhe os louros da medida tomada, mas deixa o prejuízo para empregados e empregadores”, o que pode levar “à falência das empresas e ao consequente desemprego”. Assim, “vendo que existem outras atividades económicas que estão a continuar a trabalhar, nomeadamente a construção civil não essencial, e perante a falência e o desemprego”, José Saleiro questiona se o esforço que o Estado pede ao setor “é justo” e se, “dependendo o encerramento de nossa decisão, se o deveríamos manter”.

Na Tobogã – Desporto, Aventura e Lazer, o impacto da Covid-19 foi “total”, já que as reservas que a empresa tinha nos próximos meses foram canceladas ou, com o aproximar da data da ação, vão ser. E, mesmo que não tivessem sido canceladas pelos clientes, o Estado de Emergência levaria a empresa a fazê-lo. Joel Pereira, fundador da Tobogã, contou que a empresa está totalmente parada em termos de prestação de serviços de animação turística, “e como tal temos faturação zero”. Já no que toca à comunicação, “mantemos a mesma através das redes sociais, passando uma mensagem positiva, ou através de e-mail, mas apenas em resposta a questões ou cancelamento de reservas”.

 

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Tobogã - Desporto, Aventura e Lazer

 

O cenário é o mesmo na Ski Molhado, “um impacto financeiro e socioeconómico negativo em 100%, uma vez que estamos impossibilitados de iniciar a temporada 2020”, como sublinhou Carlos Vieira, sócio-gerente da empresa de desportos aquáticos sediada em Albufeira, que tinha previsto, à semelhança de anos anteriores, iniciar a época no início do mês de abril. “Não há certezas de nada, mas, de acordo com algumas previsões, calculamos que só será possível iniciar em julho”. Contudo, acredita que o início será “‘tímido’, com poucos turistas e pouco dinheiro para estas atividades”. No momento, a empresa está totalmente parada – “a maioria das nossas atividades são efetuadas por clientes diretos que compram na hora ou poucos dias antes” – e agências e operadores turísticos já foram alertados que, de momento, “está tudo suspenso”.

Também na Equinócio, o impacto foi “forte e feio”. “Operamos no setor dos eventos corporativos com foco na realização de incentivos, formação experiencial e team building. Estamos parados a 100%... E não acreditamos que os próximos meses sejam diferentes”, frisou Cláudia Caetano, gestora de projetos da Equinócio. A empresa tem estado a trabalhar, maioritariamente num regime de teletrabalho, na revisão de programas, aproveitando para pensar em novas ações, “compatíveis como um futuro que pode exigir motivar o capital humano com algumas reservas/distâncias físicas”. Além disso, “vamos recebendo alguns pedidos de propostas de clientes (felizmente otimistas) para um futuro incerto”. A Equinócio envolveu-se ainda numa ação de cariz social, com a Be More Solidário, “como facilitadores de angariação, recolha e entrega de bens de primeira necessidade”.

 

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Cláudia Caetano, da Equinócio

 

Foi de um dia para o outro que todo o trabalho da TurAventur – Aventura e Turismo “passou a ser responder a e-mails sobre condições de cancelamento” e a possibilidade de adiamento de tours. “A faturação caiu a pique e as devoluções começaram de seguida”, referiu Teresa Vilas Boas, manager da empresa, lembrando a história de uma cliente que já estava a caminho de Évora quando teve de voltar para o aeroporto, por estar assustada com a possibilidade de não conseguir regressar aos Estados Unidos. A TurAventur tem o pessoal em lay-off, com a exceção de dois trabalhadores que têm redução de horário. “Há muito trabalho para fazer e é uma pena não estarmos a aproveitar este tempo para ‘arrumar a casa’. Isso deixa-me muito frustrada. Uma empresa como a nossa tem sempre trabalho. Acho muito injusto que a empresa esteja a pagar 30% dos 2/3 do ordenado e as pessoas não possam trabalhar pelo menos esse tempo, que ainda corresponde a oito horas semanais.  Sei que o Governo argumenta que se temos trabalho ‘produtivo para fazer’, então devemos pagá-lo. Mas a verdade é que nós estamos a pagar – os tais 30% – e neste momento temos de guardar as poupanças para resistir ao tempo que isto tudo vai durar, que vai ser muito”, desabafou.

 

Medidas de apoio ao setor

Isenção total de IVA durante 2020; injeção de capital a fundo perdido (apoio dado consoante o nível de despesas fixas das empresas, com a contrapartida do compromisso por parte da empresa a manter os trabalhadores durante o período de apoio); criação de figura jurídica que permita a suspensão das apólices de seguros referentes a meios ou atividades que não estão a ser utilizadas; revisão da medida de lay-off, para que os trabalhadores recebam a totalidade do seu ordenado – “o lay-off tem de ser pago na totalidade pelo Estado e nunca 30% pela empresa, o que é completamente insustentável, pois reforço que não estamos a faturar” –; e isenção do IRC das empresas que queiram criar poupanças financeiras – as atuais soluções obrigam as empresas a esvaziar a sua “almofada financeira” e “no atual modelo é impossível que uma empresa consiga praticar uma gestão que lhe permita ter tesouraria para enfrentar uma qualquer crise”. Este é um resumo das sugestões e dos alertas deixados por José Saleiro, que frisou ainda que “o crédito não é solução”, já que serve “apenas para alimentar a banca e tornar a economia cada vez mais refém do setor bancário”.

 

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Joel Pereira, da Tobogã

 

Para Joel Pereira, no setor do turismo, o Governo terá de criar linhas de crédito estatais a fundo perdido para sustentação dos postos de trabalho. “Neste momento, temos todos os funcionários em lay-off simplificado e a empresa está a suportar parte do valor dos ordenados”, de forma a tentar manter a capacidade operacional e esperar que “a tempestade passe”. Mas quando o período de lay-off terminar e não houver negócios e respetiva faturação, “teremos forçosamente de realizar despedimentos” e o Estado “terá, inevitavelmente, de suportar a totalidade dos encargos”. Na opinião do responsável da Tobogã, “em determinados casos, o Estado deveria suportar os custos com a manutenção dos postos de trabalho a fundo perdido, para manter a capacidade operacional das empresas pelo menos até à próxima temporada turística de 2021”, sendo esta a que considera como principal iniciativa com que o Governo deveria avançar.

Devido à sazonalidade, as empresas algarvias têm características muito específicas, começou por explicar Carlos Vieira. E embora muitas delas funcionem o ano inteiro, a maioria tem clientes entre março e outubro, sendo a receita mais elevada obtida entre junho e setembro. Mas as despesas e os compromissos financeiros existem o ano inteiro, lembrou o sócio-gerente da Ski Molhado, adiantando que “isto afeta, direta e indiretamente, provavelmente 80% das empresas algarvias”. No caso dos operadores marítimos turísticos e outros agentes de animação turística, a maior parte contrata funcionários a termo certo, durante a época balnear, ficando no inverno apenas os sócios-gerentes. E, tendo em conta esta realidade e o condicionamento das atividades este ano, Carlos Vieira frisou que, neste momento, não existem receitas desde outubro de 2019 e que os indicadores em relação à faturação deste ano são “muito pessimistas”, prevendo-se uma “travessia longa” para o Algarve.

 

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Ski Molhado

 

“Tendo em conta estes factos, as medidas que saíram até à data de hoje não conseguem resolver os nossos problemas”, alertou Carlos Vieira, que indicou algumas soluções: lay-off simplificado para sócios-gerentes; empréstimos a curto prazo sem juros e sem taxas com carência de 18 meses no mínimo; empréstimos a médio/longo prazo com spreads baixos (inferiores a 1%) com um período de carência de 18 meses no mínimo; injeção de capital nas empresas a fundo perdido, nomeadamente para linhas de investimento/promoção/modernização; moratórias para períodos superiores a um ano; isenção das taxas/licenças/vistorias camarárias, Autoridade Marítima e outras entidades licenciadoras; alargamento às marinas e portos das medidas de moratórias de arrendamentos comerciais; isenção/redução do aluguer de cais comerciais e taxas de charter em marinas, portos de recreio, públicos e privados para este ano; diminuição da carga fiscal, nomeadamente IRC e SS por um período de três anos; redução da taxa do IVA para 6% permanente, à semelhança do que existe noutros destinos turísticos internacionais. O responsável lembrou ainda o problema da situação dos funcionários. “Para as empresas que pretendam e tenham alguma capacidade, deveria ser possível empregar colaboradores que já tenham laborado em anos anteriores e manter o acesso ao lay-off. Assim, quando pudermos iniciar as atividades, tínhamos já algum staff.”

Cláudia Caetano considera que gostaria de ver mais medidas por parte do Governo. “As que já estão implementadas são positivas mas não chegam”, e deixou também algumas propostas: um lay-off simplificado alargado (“três meses não serão suficientes para sustentar equipas que não estão a trazer volume de faturação às empresas”) e com respostas breves à aceitação das candidaturas das empresas; o alargamento do lay-off aos sócios gerentes (“é uma total descriminação não sermos abrangidos por esta medida de apoio”); a possibilidade de eventuais cessações contratuais não serem inibidoras da empresa usufruir dos apoios disponíveis (“poucas empresas vão conseguir ter trabalho efetivo daqui a uns meses para todos os seus colaboradores” – “não faz sentido estar a reter todos num lay-off para partir para despedimentos quando a medida o permitir”); e uma linha de financiamento sem juros.

 

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Teresa Vilas Boas, da TurAventur

 

Teresa Vilas Boas considera que os colaboradores deviam poder trabalhar. “Parar é péssimo para as equipas. Desmotiva”, sublinhou a responsável da TurAventur, que também não acha compatível “só deixarem pormos colaboradores em lay-off se não despedirmos. O objetivo deve ser salvar os empregos, sim, mas isso só se consegue salvando as empresas. Se o Governo não injetar dinheiro a fundo perdido, será quase impossível não despedir”. Teresa Vilas Boas compreende que o Governo teve de ser rápido na tomada de medidas – “agiu bem” –, mas “tem agora de melhorar as regras do jogo e adaptá-las sectorialmente”. Para a responsável, é necessário ainda resolver a questão dos sócios-gerentes, “que está uma grande confusão”, e um apoio a fundo perdido, “como há e tem havido em tantos projetos de apoio à internacionalização”. “É preciso canalizar esses fundos para salvar as empresas”, sublinhou.

 

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TurAventur - Aventura e Turismo

 

A preparação “para um cenário desconhecido e imprevisível”

No pós-pandemia, como vão as empresas adaptar os seus negócios, tendo em conta todas as restrições que ainda vão existir, em termos de viagens, sanitárias e de distanciamento? José Saleiro não vê grandes soluções de adaptação. “Podemos, sim, tomar algumas medidas que ajudam a evitar a propagação e que não nos parecem de difícil implementação”, como a obrigação do uso de máscaras sempre que a atividade implicar proximidade, a manutenção da distância adequada entre pessoas – o que “não será difícil” na maioria das atividades de ar livre, como os passeios pedestres, de bicicletas e de kayak, o mergulho e o snorkeling, por exemplo –, e a manutenção da higienização de todos os equipamentos, “procedimentos estabelecidos há muito” na empresa.

O sócio-gerente da Vertente Natural acredita que, nesta altura, a empresa já poderia estar a fazer algumas atividades em exclusivo para grupos familiares em confinamento social. O único elemento de fora do seio familiar seria o guia ou monitor da atividade, que operaria com medidas de proteção.“Esta seria também uma forma de manter algum equilíbrio na saúde mental de famílias e pessoas que se encontram isoladas e fechadas num apartamento”, referiu José Saleiro, para quem o risco de ir às compras “é muito maior do que a participação exclusiva numa atividade de turismo de natureza”. Para o responsável, “existem soluções adequadas para recuperar alguma da normalidade da nossa vida, só precisamos de pensar nelas e ouvir quem conheça a sua atividade para que as possamos implementar, sem que com isso se agrave a pandemia, mas com benefícios claros em muitas outras áreas económicas e, acima de tudo, sociais”.

De acordo com Joel Pereira, a Tobogã vai ter necessariamente de se direcionar para o mercado interno, “infelizmente, com pouca capacidade de compra dos nossos produtos turísticos”. Além disso, a empresa vai adaptar a sua oferta e ajustar os seus procedimentos de forma a reduzir o contacto social, “mantendo necessariamente a relação humana, core das nossas experiências”, concluiu.

 

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Carlos Vieira, da Ski Molhado

 

A Ski Molhado tem noção de que vai haver uma forte quebra de turistas internacionais, que vai afetar significativamente as empresas que vivem do turismo. Também sabe que início das atividades será feito de forma progressiva e que algumas atividades de animação turística poderão ser mais facilmente efetuadas do que outras. Para Carlos Vieira, vão existir vários problemas com o distanciamento – “provavelmente para cumprir o distanciamento de segurança, a capacidade de lotação das embarcações terá de diminuir, o que compromete algumas atividades por deixarem de ser rentáveis” – e com a desinfeção do material e equipamento – “como se faz a desinfeção de uma boia rebocável, como a ‘banana boat’, o ‘twister’ ou outra qualquer, se está sempre dentro de água?” –, entre outras questões que se levantam, como a proteção dos trabalhadores, que são muitas vezes obrigados a ter contacto com os clientes, na colocação de equipamentos, por exemplo. Além de que “falta muita informação científica sobre a propagação do vírus – por exemplo, qual o comportamento do vírus na água salgada?”, questionou o responsável. “Nesta altura, podemos imaginar cenários, mas é muito prematuro. Só em função das indicações das autoridades, com uma avaliação de risco para nós e para os clientes, é que é possível decidir e preparamo-nos para recomeçarmos a operar”, finalizou.

Cláudia Caetano sublinhou: “Estamo-nos a preparar para um cenário desconhecido e imprevisível. E é difícil nos prepararmos para o desconhecido, certo?” A Equinócio acredita que vão existir eventos mais pequenos em que as distâncias sociais vão ainda vigorar, seja por imposição, hábito ou receio, “e é com esse cenário em mente que estamos a preparar programas que possam respeitar essas novas premissas”. A empresa tem em mente a necessidade de esperar o melhor, mas de se preparar para o pior. “Temos nos olhos uns belos óculos cor de rosa que nos fazem extrair da situação uma oportunidade de rever o modelo de negócio e a estrutura da empresa. Vivíamos num mundo de pressas... Sinceramente acredito que vamos sair melhores pessoas depois de tudo isto”, concluiu.

 

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Equinócio

 

A TurAventur trabalha em várias vertentes e tem vindo a criar procedimentos em várias áreas. De acordo com Teresa Vilas Boas, no turismo rural, os pequenos-almoços buffet terminaram, tendo sido criada uma lista para a escolha do hóspede, de forma a que só o pessoal da cozinha possa manusear os alimentos, com as medidas de precaução necessárias. “Neste momento, o nosso turismo rural funciona como aluguer de casa completa sem serviço e assim se manterá até terminar a quarentena. Não faria sentido juntar várias famílias na mesma casa.” No cicloturismo e walking, a empresa vai implementar a desinfeção dos materiais entregues e a higienização das carrinhas. Sobre as refeições das atividades, vai ser necessário aferir condiçõescom os parceiros da restauração, mas terá de ser o Governo a dar as diretivas, considerou. E relativamente ao mercado de team building, “todas as nossas atividades são outdoor, pelo que vejo aqui uma oportunidade de crescimento. As empresas quererão motivar as suas equipas no final de todo este stress, e os nossos eventos são ‘naturalmente seguros’”.

 

Maria João Leite

 

©Foto de abertura: Vertente Natural

 

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