Os desafios dos DMC num sector em constante evolução

20-12-2016

São um dos players mais importantes do sector da meetings industry (MI), sendo determinantes no sucesso de um evento.

São um dos players mais importantes do sector da meetings industry (MI), sendo determinantes no sucesso de um evento. Mas quais são os grandes desafios destas empresas num mundo em constante mudança? Falamos com Rui Calapez, da Buzz Portugal, João Luís Moita, da Citur, Marjolaine Diogo da Silva, da Fórum d’Ideias PCO&DMC, e ouvimos a APAVT.

Recrutamento! Recrutamento! Entre os desafios, imediatos ou de longo prazo, Rui Calapez, da Buzz Portugal, aponta o recrutamento como fundamental. “O crescimento ‑ e ainda bem que assim foi ‑ do mercado tem exposto que a formação e o aumento de staff habilitado não é hoje o suficiente para o que necessitamos”, refere. O responsável diz mesmo que recrutar, hoje em dia, é como procurar “agulhas no palheiro”. Esta opinião é largamente partilhada por João Luís Moita, da Citur, “o nosso maior desafio é o de segurar, e continuar a formar profissionais de excelência, que necessitam de actualizações e formação constante, para lidar com a nova oferta que vai surgindo, bem como com as enormes possibilidades que o nosso destino oferece”. Rui Calapez lembra ainda outros desafios, nomeadamente “a falta de disponibilidade, sobretudo em Lisboa, bem como o aumento do preço do alojamento, e a perda de competitividade para outras capitais europeias”. Já Marjolaine Diogo da Silva, da Fórum d’Ideias – PCO & DMC, aponta mais alguns: “redesenhar o nosso valor, promover as nossas forças, tais como o facto de sermos especialistas no destino. Um outro desafio grande prende‑se com os motores de busca”. Ou seja, os clientes podem encontrar facilmente, e por eles próprios, alguns dos serviços que os DMC prestam.

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Rui Calapez | Buzz

Promoção do destino

Sendo os DMCs especialistas no destino, para estas empresas é fundamental que este seja bem promovido. A directora da Fórum d’Ideias acredita que a promoção de Portugal enquanto destino MI está a melhorar, “mas vai levar o seu tempo”. “Para os profissionais do sector, a promoção institucional, nunca é considerada suficiente...”, refere João Luís Moita, no entanto o responsável da Citur releva como tem sido eficaz a aposta no marketing institucional. “Ao contrário das tradicionais campanhas offline, mostramos hoje em dia um destino mais dinâmico e versátil, atingindo uma faixa bastante mais alargada de potenciais clientes”. No entanto para o sector MI isso tem de ser complementado por acções específicas, direccionadas ao segmento. “Claro que a notoriedade do pais é muito importante para a decisão favorável de um qualquer ‘meeting ou event planner’, mas aqui têm que ser criadas linhas de apoio realmente efectivas, e analisados os grandes eventos internacionais, que apenas se realizarão em Portugal, não somente pela via da promoção, mas também pela influência política e pela nossa capacidade de conseguirmos fazer lobby nos grandes centros internacionais de decisão”, alerta. Neste contexto, João Luís Moita acolheu com satisfação a criação da equipa de Captação de Congressos Internacionais e de Eventos Corporativos, liderada por Joaquim Pires, do Turismo de Portugal. “Não sendo tudo... é no mínimo o reconhecer de uma necessidade por parte das autoridades competentes e espero que esta equipa disponha de meios para conseguir os seus objectivos”, refere. O director da Citur gostava ainda de ver as Delegações Externas do Turismo de Portugal a funcionarem em pleno, e com recursos humanos e financeiros à altura de poderem ajudar, ainda mais, na captação de negócio.

Não acreditando no modelo dos roadshows ou das viagens patrocinadas a jornalistas, que considera “velho”, Rui Calapez sugere que em relação às feiras internacionais tem que haver um esforço de chamar mais a atenção, “seja pelo patrocínio de momentos de networking, ou algo criativo durante a feira que retenha a atenção”. Captar eventos-chave, visíveis internacionalmente, como a final da Champions, o Rock in Rio, ou outros, pode ser uma estratégia determinante, refere o responsável da Buzz, porque “nos colocam no mapa e nos tornam ‘apetecíveis’... Um país onde haja sempre algo a acontecer torna‑se um destino permanentemente renovado e atingindo vários segmentos”. E por isso apela, “devia haver uma política concertada entre as várias regiões (para que investimento não se faça só numa, sob pena de a ‘cansar’) de angariação destes eventos, baseada no potencial ROI directo e na sazonalidade dos ditos eventos versus capacidade de cada região”.

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João Luís Moita | Citur

Vantagens competitivas de Portugal

Num mercado verdadeiramente global, com centenas de destinos a competir uns com os outros, quisemos saber quais as vantagens competitivas de Portugal. O que nos destaca dos demais? A segurança é desde logo uma característica salientada pelos três entrevistados, sob mais do que um prisma: a segurança do país e a segurança de aqui se encontrarem facilmente bons profissionais. “Um evento em Portugal é, regra geral, sinónimo de sucesso o que, naturalmente, gera níveis elevados de confiança no destino”, refere Rui Calapez. João Luís Moita aponta também outros atributos: clima, a gastronomia, a beleza natural, a história, a capacidade de receber; e Marjolaine Diogo da Silva enumera o fácil acesso, a capacidade de receber eventos de várias dimensões, o value for money e a diversidade entre as várias regiões que compõem o destino.

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Marjolaine Diogo da Silva | Fórum D'Ideias

Os venues e o alojamento

A questão dos espaço para eventos, ou da falta deles, tem estado em cima da mesa há vários anos. Se Lisboa já está bem equipada, considera Rui Calapez, da Buzz Portugal, outras regiões como Porto e Algarve “precisam urgentemente de um investimento forte neste sector”, afirma. Marjolaine Diogo da Silva nota um aumento em termos de venues em Lisboa, “o que nos permite apresentar uma maior variedade de espaços”, mas por exemplo o Algarve tem falta de venues. João Luís Moita é peremptório: “ Lisboa, sendo a capital do país, já merecia um Centro de Congressos digno desse nome”. Quanto às restantes regiões, o líder da Citur acredita já existirem muitos espaços que “servem perfeitamente para os eventos de média dimensão, que são de facto o nosso core".

O país tem assistido a um crescimento assinalável no número de turistas. Quer o turismo de lazer, quer o de negócios, têm pelo menos algo em comum: o alojamento. Essa partilha e gestão nem sempre é fácil, mas segundo a directora da Fórum d’Ideias ainda não se pode falar de um estrangulamento em nenhum dos destinos nacionais. Mas, para Rui Calapez, a capital está mesmo a “ficar estrangulada”, e isso deve‑se “não à ocupação mas ao que a ocupação faz à cidade: aumento de preço e risco de perda de competitividade”. O responsável acredita, no entanto, que há espaço para todos, mas teme que “os preços possam estar a fazer‑nos perder competitividade face a outras cidades e que, no dia em que precisarmos de voltar ao mercado para atrair eventos, possamos ter sido ultrapassados e termos uma ‘travessia de deserto’ mais longa que a normal e desejável”. João Luís Moita refere que, no segmento de negócios, os hotéis “são efectivamente poucos, obrigando‑nos a utilizar vários para a realização de eventos internacionais com 300 ou mais participantes, o que leva a custos de logística acrescidos e também à perda de alguma competitividade, pois não são raras as vezes em que os clientes pretendem oferecer a todos os participantes o mesmo tipo de programa afim de não haver privilégios e/ou quaisquer distinções entre os mesmos”.

Concorrência desleal?

Também tem sido amplamente discutida a questão do IVA, já que há alguns países onde os clientes não pagam, ou é devolvido, este imposto na contratação de serviços de DMC. “Tem sido um problema muito grave e que afecta directamente a nossa competitividade, nomeadamente a dos DMC, que são na sua grande maioria enquadrados jurídica e fiscalmente como ‘Agências de Viagens’, liquidando o IVA sobre a margem”, refere João Luís Moita, sublinhando também a falta de protecção às empresas nacionais, “uma vez que um operador/DMC espanhol, por exemplo, a vender/operar um evento em Portugal para um cliente alemão se torna mais competitivo do que nós próprios, somente pela via da devolução do IVA”. O responsável da Citur diz que o governo está a par da situação e apela a que “se arranje solução para este problema, que nos afecta há demasiados anos”. Já Rui Calapez acha que a questão do IVA “é uma falsa questão. É a mesma regra em toda a UE”. Para se captarem mais eventos o fundamental, no entender de Calapez, é “o apoio”. “Quanto maior capacidade tenhamos de patrocinar a vinda de um evento, maior a probabilidade de ele vir. O patrocínio associado à disponibilidade/qualidade hoteleira e a oferta variada de venues tem, geralmente, sucesso na atribuição dos eventos”. Marjolaine Diogo da Silva acredita que se supera essa questão do IVA salientando os valores de Portugal. “Apesar da recuperação do IVA ser importante, não é essa a única razão pela qual um país é escolhido”.

DMCs globais?

Com o aparecimento de cada vez mais DMCs globais, que actuam nos mais diversos países, incluindo em Portugal, de que forma as empresas portuguesas se podem tornar mais competitivas? “Das duas uma, ou se junta em parcerias internacionais, ou se torna tão, mas tão boa, que a marca internacional perde para ela”, diz Rui Calapez, registando que uma DMC global pode ter mais oportunidades de negócio, fruto da presença internacional em vários destinos, mas isso não significa que conquista o negócio. “Não me parece uma fatalidade para ser sincero”. João Luís Moita afina pela mesma nota. “Tendo em mente as nossas duas grandes áreas: a operacional e a comercial, apenas posso admitir alguma vantagem na área comercial, pois sem dúvida que se pudermos competir oferecendo múltiplos destinos, mais hipóteses teremos de materializar negócio, uma vez que muitos dos eventos que já realizámos vão rodando por inúmeros países”, refere. Mas o caso muda de figura em termos operacionais, já que um “DMC local é sempre bastante mais eficaz e competitivo do que um global”. Fazer parte de associações internacionais de DMCs e parcerias pode ser uma boa resposta, sublinha. A directora da Fórum d’Ideias acredita que fazer parte de uma rede traz vantagens, mas que existem muitas formas de os DMCs independentes se promoverem.

O que mudavam?

Se pudesse alterar alguma coisa no contexto do trabalho dos DMC, Rui Calapez mudaria o enquadramento legal da actividade. “Não somos uma agência de viagens que organiza viagens... organizamos e gerimos serviços no destino. Passados todos estes anos, os DMCs continuam com balizas (e obrigações) legais desadequadas ao nosso trabalho”, refere. Já Marjolaine Diogo da Silva pede “estabilidade”, com relação, para apenas enumerar alguns aspectos, às finanças, aos reports, ao IVA. João Luís Moita “simplificava toda a parte financeira e de contabilidade, que no meu entender é a nossa área mais exigente e complicada”.

E se os Convention Bureaux assumissem funções de DMC? Lá fora, nomeadamente nos Estados Unidos, assistem‑se a algumas situações de Convention Bureaux que actuam quase como DMCs. Uma realidade diferente, claro. Isso não acontece no nosso país, os Convention Bureaux são entidades público‑privadas com a missão, grosso modo, de promover, informar, apoiar e gerar leads para os associados. Quisemos saber, de qualquer forma, se concordariam com uma situação em que o papel de um e outro se sobrepusesse. “Acho completamente errado que um Convention Bureau se assuma como uma DMC”, responde João Luís Moita, da Citur, referindo que “o Convention Bureau não deve nunca efectuar vendas, pois não é esse o seu propósito. Quem efectua as vendas são os seus membros, esses sim, são os ‘service providers’”. Marjolaine Diogo da Silva pergunta então qual seria o interesse de ser membro de um convention bureaux?

Tecnologias mudaram o sector

Há duas faces da mesma moeda, a tecnologia facilita o trabalho, mas traz desafios em termos de promoção. Com a Internet e as redes sociais, e o seu alcance, a venda dos serviços do DMC torna‑se mais complicada, refere o director da Buzz. Isso foi uma grande alteração de paradigma já que abriu a possibilidade a que todos os intervenientes se promovam directamente junto do consumidor, “obrigando a que na cadeia de serviço se acrescente real valor, mais do que a simples ‘coordenação’ do evento. Opinião partilhada por Marjolaine Diogo da Silva. Tudo pode ser encontrado nos motores de busca. Mas é precisamente através das redes sociais e das plataformas online que promove a sua Fórum d’Ideias. João Luís Moita regista que a tecnologia veio transformar o trabalho de um DMC. “Hoje devido ao software desenvolvido e que temos disponível, tornou‑se muito mais fácil a elaboração das nossas "runing orders", de orçamentos, horários, transportes, controle de todas as reservas, o registo dos participantes, controle de presenças, horários, tornou‑se muito mais simples o complexo processo de facturação, bem como através de simples APPs é possível comunicar e transmitir mensagens a todos os participantes, eventuais alterações de programa, lembretes ou mensagens pré‑definidas (teasers por exemplo)”. Além disso, o responsável da Citur diz que as tecnologias encurtaram distâncias e criaram uma proximidade maior com o cliente, uma vez que a comunicação é mais fácil e instantânea. Mas lembra, este novo paradigma exige novas e complexas competências. Voltamos então ao início deste texto: a necessidade de recrutar profissionais e de actualizar os que já trabalham no sector. Um grande desafio, claramente.

O ponto de vista do Capítulo de DMCs da APAVT

Eduarda Neves, vice-presidente da APAVT (Associação Portuguesa das Agências de Viagem e Turismo), e responsável pelo Capítulo de DMCs, partilhou a visão da associação sobre os desafios destas empresas.

Quais são os desafios actuais dos DMC neste sector MI?

O maior desafio é a falta de competitividade fiscal perante destinos concorrentes na Europa, sobretudo Espanha com um ambiente fiscal altamente favorável ao segmento MICE, seguido pela Itália que está a por em prática um sistema semelhante ao espanhol. Neste aspecto o desafio é tanto dos DMCs como do próprio destino Portugal. Consideramos ainda que a evolução diferenciadora do produto não acompanha as exigências do sector, tanto na restauração como nas experiências a oferecer, comparativamente com outros destinos concorrentes. Por outro lado há uma subida drástica nos preços de alojamento e, ao contrário do esperado, os preços na restauração não baixaram.

De que forma as novas tecnologias vieram alterar a forma como trabalham, como se promovem e promovem o destino?

As novas tecnologias não são novas para os DMCs, fazem parte do nosso dia‑a‑dia há muitos e longos anos.

Num mercado verdadeiramente global, em que estão sempre a aparecer novos destinos, quais são as vantagens competitivas de Portugal?

Deixamos de ser o 'segredo mais bem guardado'.

Quando procuram captar reuniões e incentivos, como superam a concorrência de alguns países onde não se paga o IVA ou este é devolvido?

Não superamos, perdemos todos os dias negócios para destinos concorrentes, com fiscalidade competitiva.

Como olham para a oferta de espaços para eventos no país?

É insuficiente em número, capacidade e diferenciação qualitativa.

E em relação ao alojamento? Consideram suficiente para receber os turistas de lazer e negócios? Há algum destino nacional que considerem mais estrangulado deste ponto de vista?

São realidades diferentes; o alojamento para Turismo de Negócios é insuficiente em quantidade e qualidade em todos os principais destinos em Portugal, quando comparado com os destinos concorrentes.

Assistimos nos últimos anos ao crescimento de certas DMC que se tornaram globais, por estarem presentes em diversas latitudes e nos principais mercados. Como é que uma DMC portuguesa se pode tornar competitiva neste contexto?

DMC quer dizer um profundo conhecimento do destino. Seja global ou não, qualquer dessas empresas será um DMC local, com um know‑how profundo do destino onde opera. O desafio será um 'cross selling' mais vantajoso, que cada DMC ultrapassa com a sua estratégia comercial.

Se pudesse alterar algo no contexto em que o vosso trabalho se realiza (legislação, burocracia, etc.), o que escolheria como mais importante?

A burocracia!

Como encara o papel de certos Convention Bureaux (lá fora, por enquanto) que se assumem muitas vezes como verdadeiros DMC?

O entendimento do Capitulo de DMCs é de que os CVBs devem ser promotores e impulsionadores dos respectivos destinos e não concorrentes com as empresas, que são suas co-financiadoras.  

 

Cláudia Coutinho de Sousa
Reportagem publicada na Event Point nº20