Os destinos que reagirem mais rapidamente vão sair mais fortes desta crise
24-04-2020
À Event Point aponta algumas características do viajante pós-Covid19 e alerta que os destinos têm de se reinventar rapidamente. O setor MICE é, no entender da entrevistada, um dos segmentos mais afetados por esta crise.
Esta situação provocada pela Covid-19 é uma oportunidade para os destinos se reinventarem?
Absolutamente! Não é só uma oportunidade… a mudança é inevitável porque o comportamento do viajante vai mudar e a oferta e o marketing dos destinos não se pode manter na mesma. A oportunidade está no caminho de reinvenção que os destinos vão percorrer. Aqueles que ultrapassarem mais rápido o choque desta pausa repentina, e perceberem o benefício de fazer um reset, e melhorar as deficiências, vão sair mais fortes depois desta crise. Temos uma oportunidade única de parar, pensar e corrigir erros que fizemos no passado. Espero sinceramente que cada vez mais destinos aproveitem a oportunidade e contribuam para um turismo mais 'smart' depois disto.
Acredita que as coisas vão voltar ao que eram antes, no que diz respeito a turismo de massas?
É difícil dizer… O comportamento dos viajantes é moldado por duas forças: uma específica, que tem a ver com cada indivíduo (preferências, emoções, incluindo o medo da doença e as preocupações com a segurança) e o ambiente externo. No curto ou médio prazo as pessoas vão ser muito cautelosas com as viagens. Vão exigir um nível diferente de higiene e segurança; vão evitar multidões e vão tentar adiar a primeira vez que vão pôr um pé num avião. Estas são as forças individuais. Os operadores e fornecedores que dependem do turismo de massa não vão ficar parados por muito tempo. Vão ser proativos na procura de recuperar o seu negócio e atrair os viajantes com promoções que vão minimizar as suas preocupações de segurança e de saúde. É provável que tenham algum sucesso, especialmente depois disto tudo passar.
Para mim o papel principal é assegurar que diminua o mau tipo de turismo de massas. São os destinos que têm que repensar a forma de receber os visitantes, curiosos por ver a cultura, a beleza, a natureza dos locais, sem formar multidões, sem desrespeitar os habitantes, e sem contribuir para riscos de saúde.
Não nos esqueçamos do papel que as populações locais têm nos destinos. A percepção dos residentes vai ser importante. Em muitos lugares, os turistas não vão ser bem recebidos, porque os residentes temem que estes tragam o vírus e que os possam prejudicar. Os destinos vão ter a tarefa de convencer os seus próprios residentes de que o turismo vai ser diferente e de que as massas não voltarão num volume pré-crise.
Que tipo de trabalho devem os destinos fazer neste momento?
As duas principais tarefas dos destinos neste momento são: suportar a indústria local e reorganizar as estratégias de marketing.
Primeiro, acho que os destinos mais inteligentes estão a investir simultaneamente no apoio ao negócios locais, durante este momento, e na melhoraria da sua competitividade e sustentabilidade. Muitos países e regiões estão a direcionar a assistência financeira à indústria para assegurar a sua sobrevivência. Acho que a assistência financeira devia ser condicionada a melhoramentos em termos dos negócios. Por exemplo, podem melhorar o marketing digital e as competências em redes sociais, podem optimizar ou melhorar os itinerários, ou optimizar operações de modo a minimizar o uso da energia ou eliminar plástico de uso único.
As empresas do nosso setor estão tão chocadas com esta razia no seu negócio, que são poucas as que já começaram a pensar em melhorias. Se os destinos as pressionarem, ligando a assistência financeira aos requisitos de melhorias que têm de implementar, no final da crise toda a indústria local se tornaria mais forte e sustentável.
Em segundo lugar, os destinos devem usar este período para reconsiderar o marketing. A procura depois da crise vai ser muito diferente e há a necessidade de identificar novos segmentos que sejam mais relevantes a curto prazo, e mudar táticas para recuperar os mercados principais a longo termo. É aqui que alguns dos erros relacionados com o crescimento insustentável, excesso de turismo, e impactos indesejados podem ser corrigidos.
Como devem comunicar agora?
Quase todos os destinos rapidamente se aperceberam de que a promoção clássica é irrelevante neste momento. Da mesma forma, os responsáveis de marketing sabem que o silêncio leva à perda de relevância na mente dos viajantes. Neste contexto há exemplos fantásticos de comunicação do destino, alinhados com as necessidades decorrentes da crise, e que tocam no coração das audiências. O vídeo #CantSkipHope de Portugal é um grande exemplo.
Criatividade é outro elemento diferenciador. Comunicar de forma inteligente e criativa, diferente do barulho que muitos fazem, é sempre uma estratégia vencedora. Um exemplo disso é a campanha Remote Tourism das Ilhas Faroé. Esta é uma forma de manter relevância junto dos viajantes, mesmo estando eles em casa.
De que forma esta pandemia vai mudar os hábitos e escolhas dos viajantes?
O comportamento vai ser significativamente impactado. Obviamente, os diferentes segmentos vão responder de forma diferente e vão mudar de forma diferente, mas há algumas características do viajante pós-Covid19 que podemos contar que sejam aplicáveis à maioria dos consumidores. Uma é a expectactiva de que existam novos standards de higiene em toda a cadeia de valor, e de que estes não são negociáveis.
Neste sentido, espera-se uma acelerada introdução de soluções ‘contactless’ em postos de segurança, check-ins, etc. Falamos há pouco também do medo das multidões. O desejo das pessoas é de estar longe de multidões, e de socializar com amigos e família dos quais estiveram separados durante este período de distanciamento social. Isto significa que vai haver uma procura por experiências para pequenos grupos e os destinos e fornecedores têm de tomar medidas para eliminar o risco de ajuntamentos.
Há aqui uma oportunidade para os destinos sustentáveis/verdes no futuro?
Acho que só há futuro para destinos verdes. O tempo de os players da indústria minimizarem a sustentabilidade está a esgotar-se. É muito simples: turismo 'smart' significa preservar aquilo que torna os destinos atrativos e que gera impactos positivos. E se é bom para o local, para os anfitriões, para os viajantes, por que razão deve haver uma alternativa a ser verde ou sustentável?
Como vê as mudanças na meetings industry com menos viagens internacionais e todo o tipo de restrições em termos de eventos, agora e no futuro?
A indústria MICE vai ser um dos segmentos mais afetados dentro da indústria do turismo. Incluindo a longo prazo. Primeiro, a crise acelerou a experimentação no que diz respeito aos formatos de eventos digitais. Claro que a interação digital não pode ser comparada à presencial, mas a experiência atual prova que em muitas situações isso serve. O facto de ser esperada uma desaceleração da economia durante algum tempo e de os orçamentos se tornarem mais apertados, pode acontecer que uma parte dos eventos se mudem permanentemente para o online.
Em segundo lugar, a indústria dos eventos vai ter de se ajustar às novas realidades e expectativas dos consumidores. Novos procedimentos em termos de higiene e segurança vão exigir algum investimento e formação. Novos cenários e formatos vão ter que ter gestão de público e evitar formação de multidões.
Em terceiro lugar, é expectável que os eventos mais pequenos e mais especializados sejam mais atractivos do que que os formatos maiores. Estou muito curiosa para ver de que forma as grandes feiras e conferências vão conseguir mudar e se vamos assistir a inovações interessantes da parte delas.
Cláudia Coutinho de Sousa