Planetiers e a sustentabilidade dos eventos
26-10-2020
Idealizado para responder aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas para a agenda de 2030, e concebido para acontecer de forma presencial no passado mês de abril, o evento precisou de ser adaptado para uma versão híbrida o que, no entender dos organizadores, não diminui o impacto social, tendo ainda ampliado o alcance em termos de público.
Tirando a máscara, a vigilância quase compulsiva da equipa de produção com os protocolos de segurança, o distanciamento da plateia nas salas temáticas, e os ecrãs gigantes com a participação remota dos palestrantes nos respetivos escritórios, o evento parecia como nos velhos tempos.
A área expositiva estava bem produzida, com stands construídos em material reciclável e integrando madeira de paletes com tecidos sustentáveis, balcões com distanciamento, rececionistas com máscara, álcool gel à vista e quase nada de material promocional para levar. Algumas marcas investiram em mostrar os seus produtos fisicamente, como a Super Bock, que trocava uma garrafa de cerveja ou de água das Pedras por uma ideia sustentável para promoção do turismo em sete regiões de Portugal, a Audi, que levou os seus modelos elétricos e-tron, ou ainda a McDonalds, falando sobre eficiência energética e de como alargar os sistemas de reciclagem de embalagens.
Entretanto, o conteúdo das conferências, distribuídas por quatro auditórios, é que chamou mesmo a atenção dos mil participantes presenciais e dos mais de 10 mil que acompanharam através de streaming na plataforma digital do evento – apesar de algumas perturbações iniciais no primeiro dia do evento.
Para se assumir como o maior evento do mundo dedicado à sustentabilidade da vida no planeta, a programação mesclou convidados como Mohan Munasinghe, vencedor do Prémio Nobel da Paz de 2007, e Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal; Mathis Wackernagel, fundador da Global Footprint Network e criador do conceito de Pegada Ecológica, e David Orban, investidor e advisor da Singularity University. Teve também Gustavo Carona, dos Médicos Sem Fronteiras, e Gina McCarthy, antiga administradora da Agência de Proteção Ambiental norte-americana; Mike Berners-Lee, autor do bestseller There is No Planet B, e Adam Woodhall, representante da Extinction Rebellion, entre outros.
O keynote speaker do evento foi o tubarão do programa Shark Tank, Daymond John, que contou a sua história de sucesso incentivando o empreendedorismo, a auto-motivação e o sentido de oportunidade para oferecer ao mundo o que ele precisa.
Seis perguntas a Jorge Vinha da Silva, CEO da Altice Arena
Como transformar um evento originalmente físico em híbrido?
Este era um projeto que corria há mais de um ano, era para ter sido em final de abril e como em março tivemos o início da pandemia tivemos de o converter. Primeiro tivemos de o adiar porque na altura não sabíamos como é que ficariam as coisas nos próximos meses e já tínhamos tudo concretizado para o evento naquele momento.
Quando ele teve de ser adiado tivemos que fazer essa conversão para híbrido. Na área de exposição, por exemplo, já tínhamos mais de 100 expositores e foi uma reconversão grande e tivemos de fazer esta migração também para o virtual, tentando sempre manter o envolvimento do público.
A nossa visão do que devem ser os eventos híbridos é a de passar para o virtual o que deve ser esta experiência presencial. Na plataforma, por exemplo, temos o canal TVI que, na prática, não é o streaming direto dos palcos, mas é uma programação com comentários, com entrevistas. É passar a experiência de um programa de televisão para a plataforma virtual, para que as pessoas todas se possam envolver.
Como temos uma limitação de pessoas, controlamos as inscrições, o fluxo da exposição, temos de ter tudo planeado, como a nossa indústria dos eventos sabe fazer e bem.
O que nos pode contar sobre os protocolos de segurança que utilizaram?
Aqui, na Altice Arena, temos câmaras de medição de temperatura na entrada, os dispositivos de álcool gel em todo o lado, a sinalética, todos os lugares no auditório são marcados nos períodos da manhã e da tarde, de um dia para outro, durante as maiores pausas todos os materiais são higienizados com equipamentos industriais. Estamos a cumprir as mais exigentes normas de segurança, portanto. Acreditamos que temos de demonstrar que este setor dos eventos é seguro. O que estamos aqui a fazer não é fácil, como se percebe por tudo o que está a acontecer, mas é possível e mostramos que as marcas podem confiar neste setor e devem continuar a investir e a fazer as suas ações de ativação. Temos aqui grandes marcas, e também as marcas mais exigentes, e estão satisfeitas com nosso trabalho.
Como foi convencer as marcas a continuarem a presença no evento híbrido?
Estamos num mundo diferente que nos toca a todos viver, e temos de nos adaptar a um impacto diferente que estes eventos estão a proporcionar. Há de facto uma aprendizagem para todos. Por exemplo, na plataforma online temos duas possibilidades, que é transmitir o streaming dos palcos gratuitamente, para amplificar o alcance do evento e demonstrar tudo o que está a acontecer aqui na Altice Arena nestes dias, e também temos um acesso pago onde há conteúdos diferentes, claro, com uma experiência diferente, também, onde temos todos os mais de 100 expositores, que migraram para uma experiência virtual e que ainda assim podem mostrar os seus produtos, serviços e projetos. Temos também todos os conteúdos de mídia, obviamente para quem tem o acesso pago, mas não deixamos de tentar chegar ao maior número possível de pessoas com a transmissão gratuita das conferências mais importantes e de tudo o que está aqui a acontecer.
O estilo de montagem dos stands, a utilização de materiais sustentáveis, isso faz parte do conceito do evento ou foi adaptado para a versão híbrida?
Sim, tudo faz parte do conceito do evento, concebido assim de acordo com a sustentabilidade desde o começo. Esta alcatifa, por exemplo, é completamente sustentável, fabricada por uma empresa portuguesa que está a expor logo ali, no speakers lounge também temos toda a integração de materiais com a presença de verde com as plantas, as alcatifas novamente, os móveis em madeira reciclável, as paletes que combinam e se integram com a madeira do edifício e criam um ambiente harmonioso, e há também um patrocinador a mostrar o reaproveitamento de resíduos de plástico e este projeto da Bandeira Verde. As marcas também estão neste evento de forma diferente. Não com a abordagem de venda comercial dos seus produtos apenas, mas para dar a conhecer e dar visibilidade aos seus projetos de sustentabilidade, e de como é que estão a percorrer este caminho. A sustentabilidade, para ser efetiva, tem de ser e estar ligada ao mundo real, à economia. Essa junção é muito importante e está a ser muito bom dar a conhecer esta abordagem das marcas, o seu caminho nos projetos de sustentabilidade.
Temos outras presenças importantes. O keynote speaker, Daymond John, veio pessoalmente, já está aqui em Lisboa, e vem demonstrar que é possível existir sustentabilidade num mundo altamente competitivo.
Mencionou 100 expositores, mas não estão todos cá...
Exatamente, com todas as questões de segurança, não foi possível ter todas as marcas aqui. Optamos por ter cá os patrocinadores e parceiros que estavam na produção do evento. As marcas, nós migramos para a plataforma digital. O Planetiers também está assente num dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas para a agenda de 2030 e portanto temos uma cobertura transversal. De manhã, por exemplo, tivemos painéis relacionados com a nossa área de atuação, o turismo de negócios, onde estiveram o presidente do Turismo de Portugal, Luís Araújo, e o responsável do Turismo da Nova Zelândia, num painel muito interessante, e depois o resto da manhã foi dedicado à igualdade de género, as oportunidades das mulheres e o impacto da revolução toda que está a haver neste sentido. Tivemos também Richard Monenga, a transmitir-nos a visão das Nações Unidas sobre todas estas temáticas. Esta programação diversa e abrangente também contou com o Jorge Moreira da Silva, que é responsável máximo da OCDE – que trouxe o último report da OCDE sobre a pandemia, não só sobre os meses passados mas também sobre os próximos, principalmente nos países em vias de desenvolvimento, que estão dependentes de financiamento dos países mais ricos. Mostramos que não vivemos numa concha, o mundo é global. Tivemos a Gina McCarthy, que trabalhou com o Barak Obama, e que esteve muito envolvida no que foi o acordo de Paris sobre as emissões de gases, e ainda a Catarina Furtado, nas questões sociais, com uma abordagem interessante.
Por fim, o Daymond John, o tubarão fecha a programação com uma visão muito empresarial da sustentabilidade e a apelar ao empreendedorismo da sociedade.
Apesar de toda esta situação que vivemos, esta primeira edição do Planetiers, com os mais de 10 mil visitantes únicos no acesso online, além dos que vieram aqui, resultou num sucesso.
Que mensagem pode deixar, quanto à capacidade da Altice para receber eventos?
Na Altice fizemos um investimento em equipamentos de higienização, monitorização e outros, que eu já mencionei no início desta entrevista, superior a 100 mil euros. As câmaras da entrada, mesmo que passem mais de 50 pessoas ao mesmo tempo, elas têm capacidade de fazer a leitura da temperatura com varrimento de todos, sem registo de dados, e identificam se existe alguém com temperatura além do permitido. Há nebulizadores industriais que fazem a higienização periódica do espaço, uma série de soluções logísticas que facilitam a nossa operação. E depois temos também as soluções que utilizamos nos eventos de maior dimensão e também nos estúdios, que permitem uma lotação de 50 pessoas presenciais e a transmissão digital personalizada com design próprio. Essa solução dos estúdios podemos fazer com presenças na plateia ou somente transmissão. A Altice Arena já se adaptou à nova realidade, e vamos conviver com ela um bom tempo ainda. Considero que num futuro pós-pandemia há muitas situações que vão permanecer, e devemos aumentar o alcance dos eventos para além do público presente, porque há milhares de pessoas que podem assistir online, por um motivo ou por outro.
Por vezes as pessoas têm interesse no conteúdo, mas com tanta oferta é complicado perder dias de viagem, estadia. Com a versão digital é possível adaptar a nossa agenda e investir a a atenção de acordo com as nossas possibilidades.