Runporto “à espera de poder trabalhar”
02-07-2020
Desde março que a adrenalina de organizar corridas para milhares de pessoas deu lugar a preocupações. Jorge Teixeira, diretor-geral da Runporto, tem passado os últimos meses à procura de soluções para minimizar o risco de Covid-19 nas provas. Tem ideias, mas não tem autorização para trabalhar. Continua à espera, mas o ânimo já vai faltando.
“Aos seus lugares”, “Prontos” e… a corrida cancelada. Foi mais ou menos assim a segunda semana de março para Jorge Teixeira. Com a corrida do Dia do Pai prestes a realizar-se e várias provas agendadas para os meses que se seguiam – a Runporto organiza 23 por ano, incluindo a Maratona do Porto, São Silvestre do Porto e meias maratonas no Porto, Braga, Matosinhos, Esposende e Famalicão – teve a perceção que o risco a correr seria demasiado grande.
Cancelou essa prova e, à medida que o tempo foi passando e a gravidade do vírus era mais notória, várias outras foram sendo também adiadas. Em maio cancelou todos os eventos até 30 de setembro, seguindo assim as orientações do Governo.
Agora, e apesar do desconfinamento que chegou a outros setores, as perspetivas não são animadoras, até porque a proibição – a mesma que impede a realização de festivais – se prolonga até 30 de setembro.
Meses de preocupações
“Em Portugal fomos os primeiros a cancelar eventos, nomeadamente o primeiro, que tínhamos no dia 15 de março, a Corrida do Dia do Pai. Passamos para 5 de julho, pensando que iríamos estar dois ou três meses parados e em julho já seria possível organizar, mas de facto não, até porque há uma proibição do Governo relativa a festivais e eventos análogos, que é o nosso caso”, explica Jorge Teixeira.
Recorda que, quando a decisão foi tomada, não imaginava o que se seguiria: “Na primeira fase viemos todos para casa, depois veio uma segunda fase que teve a ver com os patrocinadores e temos dois que nos têm relativamente ajudado”, revela, adiantando que as câmaras municipais “saltaram todas fora”.
Sem provas e sem uma perspetiva de regresso, o diretor-geral da Runporto reconhece que tem vivido dias difíceis, algo que se repercute não só no seu ânimo, mas também na própria saúde. “Neste momento estamos com faturação zero. Numa empresa que faturava dois milhões de euros por ano é muito difícil”, desabafa.
Com dez funcionários em lay-off, lamenta não ter ainda recebido, por parte do Governo, a verba que deveria ser paga pela Segurança Social. Após quase 27 anos nesta área, admite que a atual situação “não mata mas mói” e aguarda pela evolução da situação: “Vamos ver…pelo menos até ao fim do ano ou até ao fim do primeiro trimestre do próximo ano tenho liquidez para aguentar, porque felizmente a nossa empresa não tem dívidas. Mas mais do que isso não. A partir de março, e se não começar a trabalhar, fecho”.
E quando será possível voltar a trabalhar? “Quando recomeçar a organizar eventos tenho de me sentir confortável. Foi por essa razão que eu comecei a adiar, por perceber que não tinha hipótese nenhuma. E para não estar a decidir tudo à última da hora e estar a enganar as pessoas, decidi cancelar tudo”, afirma, recordando que, numa fase inicial, a decisão de não realizar a Corrida do Dia do Pai até terá surpreendido algumas das entidades envolvidas.
Para já, diz ter deixado “o mês de dezembro para a eventualidade de haver uma evolução positiva e de se poder fazer alguma coisa, não com as dimensões habituais”. “Temos um patrocinador muito forte que já nos disse que sim, mas não sei se vai ser possível, tudo vai depender da evolução”, reconhece.
Corrida do Dia do Pai em modo virtual
A Corrida do Dia do Pai, inicialmente prevista para 15 de março, decorre a 5 de julho, mas em modo virtual. Assim, os 10 km da corrida ou os 5 km da caminhada são percorridos individualmente, evitando a participação em grupo, em qualquer parte do país.
Um evento que, para Jorge Teixeira, é um modo de “não perder o contacto com a comunidade, não só de corredores como de patrocinadores, como com as próprias câmaras”.
Apesar da forte adesão à iniciativa, este não é o regresso da Runporto à faturação: “Não ganhamos nem um cêntimo. Já angariámos à volta de 14 mil euros, que entregámos à Cruz Vermelha do Porto e à Legião da Boa Vontade”.
Após mais de duas décadas a organizar estas provas, o modelo virtual não dá, à equipa, a mesma alegria e adrenalina que uma prova presencial: “Este tipo de eventos virtuais não é o nosso negócio. Não os sentimos, está a ver? As pessoas sentem-se contentes, temos muitas mensagens e mandam fotografias com o registo do tempo que fizeram…o feedback tem sido positivo e as pessoas estão connosco. Mas não é a mesma coisa”.
Compasso de espera
“Estamos à espera de poder começar a trabalhar”, resume. Para o fazer nos moldes habituais, terá de esperar por uma vacina que impeça a evolução da Covid-19.
Mas o facto de não poder trabalhar não significa que não tenha soluções para eventos seguros. “Consigo organizar eventos com distanciamento social. Fui o primeiro a apresentar um manual com opiniões médicas à DGS, IPDJ, ao secretário de Estado, à Federação Portuguesa de Atletismo, às câmaras e aos patrocinadores. Consigo organizar os eventos e controlar os corredores”, afirma.
O manual, que resumimos mais abaixo, prevê todas as fases de uma corrida e apresenta, para cada uma, um conjunto de procedimentos para que o risco de contágio seja reduzido.
O maior problema, reconhece Jorge Teixeira, é controlar os ajuntamentos entre os espetadores. “O público é que é impossível de controlar e por isso é que também não vai haver Volta a Portugal”. Lembra que eventos como a Corrida de São Silvestre, no Porto, podem chegar a ter 70 mil espetadores, algo que, nos dias que correm, é absolutamente impraticável.
Nos contactos que tem tido com diversos organismos internacionais ligados ao atletismo, e até porque pertence a vários, percebe que nem todos estão a lidar com a questão da mesma forma: “Todas as maratonas internacionais, como Nova Iorque e Berlim estão a ser adiadas para o próximo ano. Embora em Espanha, na Catalunha, estejam a anunciar eventos a partir de setembro. Não consigo entender como Espanha, que teve uma situação tão grave, está a anunciar isto. Na República Checa organizou-se, no fim de semana, um evento para duas mil pessoas, 1000 no sábado, 1000 no domingo, em que utilizaram uma pista de aviação, sem qualquer público, só os corredores”.
Jorge Teixeira sente, no entanto, algum receio. Se, inicialmente, não hesitou em cancelar eventos, mesmo numa fase em que se desconhecia ainda a gravidade da situação, agora não está menos preocupado. Considera que festivais com duas mil pessoas “é gente a mais”: “Acho uma irresponsabilidade e por aí não quero ir. Porque se eu pressionasse muito as câmaras eu fazia eventos, mas eu não quero contribuir para a propagação”.
Na sua opinião, terá sido “a responsabilidade do povo português”, que pressionou para as escolas e os aeroportos fossem fechados, que evitou que a situação fosse pior: “Aplaudimos os profissionais de saúde e é de aplaudir, embora eles não precisem e não querem aplausos nem Champions. O grande obreiro, e que ninguém aplaude, foi o nosso povo”.
“Neste momento eu já percebi que vou ser o último a começar a trabalhar, porque não tenho alternativa”, admite, lamentando, no entanto, que o cancelamento destas provas acabe também por ser nocivo para outros setores. “Na Maratona do Porto trazia sempre uma média de 7000 a 7500 estrangeiros, de 70 e tal países. Anulei cerca de 2000 quartos de hotel, anulei a Alfândega do Porto, onde tinha alugado 8 mil metros quadrados. São coisas muito grandes”.
Lembra o estudo encomendado à Universidade do Algarve, que mostrou que um só evento – a Maratona do Porto – tem um impacto económico para a cidade de 12,7 milhões de euros. “E neste momento não somos ouvidos por ninguém, não consigo uma reunião com ninguém”, lamenta.
Se é verdade que existe um problema, parece igualmente certo que é possível encontrar soluções. No entanto, o percurso até à desejada meta parece ser penoso: “Bastaria que nos dissessem: organizem eventos com 20, com dez pessoas e nós íamos trabalhando. Tenho múltiplas ideias. Consigo colocar 10 ou 20 mil pessoas a praticar um evento, só que não vão estar no mesmo sítio, mas à porta de sua casa, presencialmente com as nossas equipas. Tenho ideias, mas ninguém nos ouve e por isso ficamos aqui à espera que nos ouçam”.
As propostas da Runporto
A Runporto e o Porto Antistress Club elaboraram, com o apoio de médicos e enfermeiros e em colaboração com entidades internacionais reguladoras do atletismo, um “Plano de ação na prevenção da transmissão do Coronavírus”. Este documento, que é no fundo um manual com orientações muito precisas sobre todos os momentos da organização das provas, foi apresentado à DGS e a várias entidades com responsabilidade na organização de eventos.
As medidas de prevenção começam logo na conferência de imprensa de apresentação, em que as máscaras, número de participantes e distanciamento entre eles estão entre os cuidados essenciais, passando pelas inscrições – feitas online – e pelo levantamento das dorsais.
No kit a entregar a cada participante estaria uma máscara para colocada antes de os atletas chegarem ao local da corrida.
Além do controlo da temperatura, seriam desaconselhados os contactos físicos como abraços ou beijos. No aquecimento e durante a partida seria obrigatório o uso de máscara, removida 500 metros após a partida e colocada num local próprio situado nesse ponto do percurso. A máscara voltaria a ser obrigatória logo no fim da corrida, incluindo para os atletas que vão subir ao pódio.
Reduzir o período de concentração de pessoas junto à partida, aumentar os grupos de partida e colocar barreiras físicas para manter o distanciamento são outras medidas propostas para esta fase da prova.
A Runporto propõe, igualmente, a identificação dos infratores e a sua exclusão de futuras provas organizadas por esta entidade.
Já na fase final, seriam adotadas “regras de segurança bastante restritas para evitar a aglomeração de participantes”, que seriam aconselhados a “dispersar imediatamente, após passarem a linha da meta”, altura em que receberiam uma nova máscara que para ser imediatamente colocada.
As regras aplicar-se-iam também à imprensa e a todos os envolvidos na cerimónia de pódio. “Os corredores, a imprensa, convidados e elementos da organização devem usar máscara e/ou viseira até abandonarem o recinto do evento. Depois de terminarem a prova, os participantes deverão abandonar o local do evento o mais rapidamente possível”, referem as normas.
Além das instruções dadas em todas as fases pelo speaker da prova, seriam colocados cartazes e disponibilizada informação, nos kits dados aos corredores, recordando as regras de distanciamento e de etiqueta respiratória.
Olga Teixeira
Foto de abertura: Congresso da APECATE