Tecnologia: consumir com moderação

18-07-2019

Já imaginou estar numa consulta de saúde e durante o diagnóstico, em que os conhecimentos e questões são relevantes para determinar se há algo a resolver, o seu médico iniciasse uma chamada telefónica ou respondesse a uma mensagem, deixando de focar em si e que não tinha a ver com uma urgência médica?

Numa esplanada à beira-mar, a pessoa que atende o seu pedido colocar um dedo à sua frente porque recebeu uma notificação?

Numa aula, um professor interromper a aula para atender um pedido inadiável, segundo ele, mas que se repete com muita frequência?

O que sentia? Que era o elo mais fraco, que era menos relevante, que quem estava a prestar o serviço não estava a pensar em si.

Ao mesmo tempo o que lhe sinalizaria sobre a qualidade técnica necessária para boa execução do serviço? É possível refletir sobre um diagnóstico, memorizar os lugares e pedidos de dezenas de pessoas ou adaptar a mensagem aos alunos de acordo com as suas necessidades no meio dos vários tipos de distrações que os nossos aparelhos eletrónicos nos trazem?

Pois de forma inadvertida estamos cada vez mais a trabalhar num falso “multitasking”, perdendo a sensibilidade para colegas, parceiros, família e amigos, ao mesmo tempo que perdemos também a capacidade de parar, refletir, analisar e decidir com informação sustentada.

É estranho que alguém que trabalha com a tecnologia todos os dias a toda a hora, queira agora morder a mão que o alimenta. A minha posição não é que a tecnologia faz mal ou é má, ela trouxe novas realidades de negócio inimagináveis e com muito potencial, mas o seu consumo exagerado pode trazer consequências a níveis sociais, profissionais e pessoais.

Abordemos algumas questões:

1 – Se não respondermos rápido, o cliente vai a outra agência

Aqui começa pela definição de rápido. Ter o email sempre ligado, atender todas as chamadas a toda a hora, responder em tempo real a todas as solicitações é muito rápido. Mas todos esses pedidos são igualmente importantes? E como podemos parar para analisar os graus de importância e de urgência? Como podemos ser nós a gerir a nossa agenda, quando somos o alvo de todos os pedidos?

Uma hora é tarde demais? Definir momentos de acesso ao email em vez de respondermos a todos os que chegam, será tarde demais? Definir blocos de 20 a 30 minutos para estar offline, será lesivo demais?

Ou poderá trazer o tempo suficiente para alinharmos o raciocínio, o estabelecimento de prioridades, tomar as rédeas do nosso trabalho?

2 – Na área dos eventos é mesmo assim

Em dez anos, mais de 80% das empresas fecham ou definham. Na maior parte das vezes isso acontece porque fazem o mesmo que os outros fazem, porque “é mesmo assim”. Há 100 anos sangrava-se uma pessoa para lhe tirar a doença, até se esvair em sangue, porque era mesmo assim. Há 12 anos os bancos emprestavam dinheiro com mais facilidade a quem já o tinha, porque era mesmo assim.

Sabemos que a nossa área é intensa, os pedidos chegam e precisam de ser tratados, há parceiros, fornecedores, clientes a quem prestar contas. Mas será que não podemos pensar no processo? Na distribuição de tarefas? Em automatizar pedidos? Em estabelecer prioridades por projeto, em vez de, como acontece em alguns casos, uma pessoa estar responsável por tudo a toda a hora?

Qual o papel da planificação? Qual o papel da avaliação dos eventos passados, do que correu bem e pode ser repetido e do que pode ser melhorado? A aprendizagem em contexto de trabalho é o que permite às empresas bem sucedidas a sua sobrevivência.

E para que tal possa acontecer temos de ter tempos de offline, onde possamos pensar e refletir de forma profunda. Porquê? Porque ao sermos sempre interrompidos nunca chegamos ao nosso pico de produtividade, alguns estudos referem mais de 20 minutos para voltarmos a um ponto de elevada concentração após uma interrupção.

3 – Toda a gente que conheço está sempre ligada, não faz mal

Acontece com frequência esquecer de compromissos? Acontece com frequência sentir que algo falta, que “acho que me estou a esquecer de algo”? Numa obra de 2011, “The Shallow”, Nicholas Carr falava nos impactos na memória de curto e longo prazo que a sobre-estimulação tecnológica nos está a causar: menos capacidade de retenção de informação, mais impaciência, menos empatia com os outros, menos qualidade no sono e descanso entre outras consequências.

Muitos de nós estão sempre ligados, é um facto. Que não faz mal, já não é um facto. As aparências idílicas de férias no Instagram e Facebook, as equipas motivadas e competentes no Linkedin, os vídeos perfeitos no You Tube estão a frustrar-nos. Estão a sinalizar uma qualidade de vida que não existe no mundo real. Estão a colocar-nos pressão para continuarmos a pedalar, com poucas probabilidade de não sair do mesmo lugar.

Há muitos pontos adicionais e obras que valem a pena conhecer para tomar uma decisão. Deixo algumas: Deep Work e Digital Minimalism de Cal Newport, o já referido The Shallows, Reclaiming conversations, Sherry Turkle e o Projeto da Produtividade de Chris Bailey.

Mas como estamos na área do instantâneo deixo algumas ideias. Não são fórmulas porque cada pessoa reage e tem resultados de forma diferente:

- Reservar intervalos de 20 a 30 minutos (um de manhã e outro à tarde) para trabalho offline: escrever, planear, refletir, sem estar ligado, por forma a permitir que o raciocínio se torne profundo. Estamos a deixar este tempo para a noite quando não há chamadas mas estamos a tirar tempo ao lazer;

- Aceder 2/3 vezes por dia às Redes Sociais mas antes monitorizar durante 2 dias o tempo que passamos nessas plataformas. Vamos ficar surpreendidos com o tempo gasto, em média mais de 90 minutos por dia. Ah, e desinstalar as APPs e notificações no telemóvel dessas redes sociais, aceder via browser, o impacto é grande;

- Evitar responder emails pelo telefone e reservar tempo para o seu tratamento – O email é uma ferramenta poderosa, mas em excesso retira-nos foco. Podemos reservar tempo específico para o seu tratamento, e no caso de emails mais complexos a sua resposta pelo telemóvel pode ser contraproducente porque reduz a qualidade da comunicação e leva a mal-entendidos;

- A “dieta digital” começar antes das férias – ouço e leio excelentes intenções de pessoas que vão de férias e que afirmam que vão “desligar” (afinal a necessidade já existe