Vida de Eventos: 'A minha vida em eventos protocolares'

26-05-2020

O primeiro evento em que fiz consultoria presencial foi a Abertura da Porto 2001 ‑ Capital Europeia da Cultura. Era um evento ao mais alto nível, com a presença de dois chefes de Estado, além de muitas autoridades nacionais e estrangeiras.

Como a cidade de Roterdão era a próxima capital europeia da cultura, os serviços de protocolo do Estado estavam a preparar desde novembro a visita da Rainha Beatriz dos Países Baixos e da sua comitiva ao Porto. Em dezembro o presidente da Câmara do Porto entrou em conflito com a presidente da Porto 2001, acusando‑a na comunicação social de “menosprezo e desrespeito” pela autarquia e de “sede de protagonismo”. Os serviços do protocolo não tinham tempo para responder às constantes dúvidas da Porto2001 nem de gerir as queixas da autarquia. O chefe de Protocolo de Estado, Embaixador Manuel Côrte‑Real, sugeriu que a Engª Teresa Lago me contratasse. No dia 13 de janeiro haveria vários eventos: a inauguração de uma exposição em Serralves, com 5 mil convidados, seguindo‑se um almoço para 30 pessoas oferecido pelo presidente da República. Ao fim da tarde, um concerto para 4 mil pessoas no Coliseu e um jantar para mais de 600 pessoas na Alfândega do Porto. A inauguração e o almoço oferecido pelo Presidente da República, graças a Deus, não eram da minha competência. Restavam os outros dois ‑ o que não era coisa pouca.

Comecei a participar nas reuniões dos serviços de Protocolo do Estado, para me preparar para ser a ponte entre o ministério e a administração da Porto 2001. Mas só em 3 de janeiro parti para o Porto para analisar a lista de confirmações e começar a fazer os assentamentos no Coliseu e na Alfândega.

Ocupei uma sala de reuniões onde podia trabalhar sozinha até altas horas da noite. Foi uma semana extenuante em que quase não dormi, mas em que aprendi muito sobre a importância da gestão dos egos na organização de eventos. Assisti a telefonemas de pessoas furiosas por não terem sido convidadas para nada. Consegui acalmar a equipa das R.P. explicando que os desaforos que tinham de ouvir não lhes eram dirigidos pessoalmente. Não podiam ofender‑se, nem desatar a chorar e muito menos desistir. Assisti também a muitas cunhas para conseguir, ao menos, um bilhete para o concerto. Na véspera do evento trabalhei até às 3h da manhã, em estreita colaboração com a equipa do protocolo de Estado. Acertámos os últimos assentamentos, apesar de sabermos que a vida em protocolo é feita de mudança.

No dia 13 de manhã ia no carro com o Chefe de Protocolo quando ele recebeu um telefonema de um assessor do Presidente da República. Ouvi o Chefe de Protocolo dizer “Tenho aqui ao meu lado a Drª Isabel Amaral que é a pessoa responsável por esse assentamento e que o poderá esclarecer”. Passa‑me o telemóvel e o assessor diz‑me que o presidente da Câmara do Porto telefonara para ele a queixar‑se de que a presidente da Porto 2001 se recusava a deixar entrar 30 pessoas da Câmara de Roterdão que ele convidara para o jantar. Perguntei se era o Sr. Presidente da República que queria que eu os incluísse no jantar. A resposta foi “O Sr. Presidente da República gostava muito que a Srª Drª conseguisse esses 30 lugares para o jantar”. Respondi que, nesse caso, a situação seria resolvida. Bastava que ao chegarem eles pedissem os cartões de mesa dizendo “Câmara Municipal de Roterdão”. Eu destinara quatro mesas para os “imprevistos”, que sempre acontecem nestes eventos por mais que nos preparemos.

Voltei para a Porto 2001 e preparei os 30 cartões de mão. Nessa noite os convidados da Camara de Roterdão ocuparam três das 60 mesas do jantar.

A quarta mesa acabou nessa noite por ficar preenchida por quem não tinha confirmado antecipadamente a sua presença e também por uma pessoa que confirmara mas que por engano aí foi colocado.

Quando se escolhera o critério alfabético para alinhar os 600 cartões de mesa, fora decidido ordená‑los pelo último apelido para evitar enganos com nomes compostos. Ninguém se lembrou de que havia convidados espanhóis. Nas confirmações aparecia o nome do presidente da Junta da Galiza como D. Manuel Fraga Iribarne. A assessora dele veio queixar‑se de que, como não havia nenhum cartão em nome de ”D. Manuel Fraga”, ele fora colocado na mesa 53. Disse‑lhe que o cartão dele na mesa três dizia “D. Manuel Iribarne” e fui explicar ao presidente galego que houvera um engano, mas que o ia acompanhar até à mesa que lhe estava destinada. Ele riu‑se mas não quis mudar, dizendo: “Estou farto de mesas protocolares. São muito aborrecidas e aqui estou a divertir‑me muito com estes amigos”.

 

Isabel Amaral
Presidente da APorEP, Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo