Vida de eventos: Bernardo Capucho
04-09-2020
Ele vai mais longe: “Tenho a ideia de que cheguei a esta área quando nasci. De pequeno já organizava pequenos eventos para a família e amigos: concursos e festivais da canção.” Na escola esta veia foi ainda mais sublinhada, tendo sido desafiado a participar na organização de vários eventos escolares. “Nos Salesianos do Estoril havia uma grande dinâmica de eventos: logística, audiovisuais, produção de espetáculos, ‘olimpíadas’ desportivas, receção de individualidades. Aos 14 anos, já dava apoio à organização de campeonatos de surf. Foi sempre tudo muito natural. Nunca deixei de estar ligado à organização de eventos.”
A vida profissional encaminhou‑se no mesmo sentido, arrancando em 1992, na empresa ‘Adrenalina – Lazer e Entretenimento’, organizadora das etapas em Portugal do Mundial de Surf.
Arranjar motivação para todos os dias trabalhar nesta área não é uma tarefa propriamente difícil. “Motiva‑me aprender e ensinar. Motiva‑me o conhecimento, o desafio, o proporcionar boas memórias. Motivam‑me as reações daqueles que usufruem do nosso trabalho. Digo muitas vezes que somos ‘profissionais do efémero duradouro’. Uma contradição. Trabalhamos para construir memórias.”
Nos eventos, o que mais aprecia é o fator novidade e o facto de ser uma área em constante evolução. “Gosto de pessoas. Gosto do espanto. Gosto dos avanços que utilizamos, muitas vezes em primeira mão, quer seja nos materiais e equipamentos, quer seja na tecnologia. Gosto de estrear novidades com os nossos clientes, para os seus públicos. Gosto dos desafios diferenciados. Gosto dos desafios. Gosto de ver a pequena semente (briefing inicial), transformar‑se numa árvore frondosa (evento).” Explica Bernardo Capucho que a sensação se compara à de um maestro, “a reger a sua orquestra afinada ao longo de toda a execução de uma peça”.
O menos interessante na atividade é quando, por qualquer motivo, o organizador e fornecedor se torna protagonista. “O protagonismo deve estar sempre no evento, no cliente, na empresa, na marca. Temos que dar palco e deixar brilhar quem nos contrata, quem confia no nosso trabalho. Temos que ter a humildade de perceber o nosso lugar. Somos o meio, e não o fim.” Outro aspeto negativo que realça, embora não seja específico da atividade, são algumas más práticas que por vezes acontecem.
Um evento marcante
De todos os eventos marcantes em que esteve presente, há um que destaca: a organização da vinda do Papa [Bento XVI] a Portugal. “Enquanto católico e organizador de eventos, sempre tive a vontade, a curiosidade e a aspiração de participar na organização de uma visita Papal. Em 2010 foi‑me proporcionada essa oportunidade.” Os desafios foram imensos, dadas as características e o simbolismo do evento, mas a experiência foi “sensacional”. “Destaco o sentir comunitário em torno de um evento. Toda a sociedade se envolveu, crentes e não crentes, em torno deste acontecimento. Tudo foi facilitado, agilizado e tornado fácil.”
“As histórias mais bonitas que guardo são sempre de pessoas. Fornecedores que viraram amigos. Pessoas que conheci, com tantas histórias. Muitas vezes, se conhecêssemos melhor essas histórias, os nossos comportamentos seriam diferentes.” E dá um exemplo de um evento realizado em Talatona, em Angola. “As montagens estavam previstas até às 20h00. Assim foi. No final das montagens, parte da equipa de montagem ficou no local. Estranhei estarem por ali a deambular.
Perguntei: não vão para casa? A resposta foi simples: já não há transporte e moramos a quatro horas daqui. Amanhã temos que estar aqui cedo e não queremos falhar.” A resposta tocou‑lhe fundo. “Aqueles meus colegas ‑ porque nos eventos somos todos da mesma equipa, independentemente do nosso grau de responsabilidade ‑ que mal me conheciam, estavam dispostos a passar a noite sem jantar, a dormir mal ‑nem sei onde‑ para não falharem com o compromisso que assumiram.”
Percebeu que o trabalho era fundamental para eles e para as respetivas economias familiares. “Rapidamente se organizou ali um novo evento: arranjar jantar e dormida. Jantámos juntos e partilhámos histórias de realidades muito diferentes, sem paternalismos. Cada um de nós ‘bebeu’ as histórias do outro. Na manhã seguinte, lá estávamos, sorridentes, mas com um sorriso cúmplice. Formámos equipa. Nos anos seguintes, continuei a contar com eles, mas passei a ter mais atenção aos horários e à logística de transportes para o staff. Às vezes damos por certas e garantidas as coisas simples.”
Fairplay e um ator muito especial
Apesar do stress inerente aos eventos, é sempre possível ter momentos de descompressão e, quem sabe, mesmo de diversão. “Não consigo destacar o momento mais hilariante, até porque, muitas vezes, o momento mais hilariante num evento é por motivos muito pontuais e até pessoais relacionados com a sua preparação e que, na execução, assim o proporcionaram. Coisas de nada tornam‑se momentos hilariantes. São também uma forma de escape.” Mas conta uma história.
“Diverti‑me muito quando, num evento para um Banco, a cantora convidada – Daniela Mercury – salta do palco e decide lançar charme e dançar com o presidente do Banco (pouco dado a estas manifestações públicas de…carinho). O hilariante nesta situação foi o espanto do próprio, que teve fairplay e dançou; o ar de pânico da estrutura interna do Banco que organizou o evento, ao ver que, perante esta situação que não constava no guião, pensou que o melhor era apresentar a carta de demissão; o riso geral de toda a assembleia”. No final, um grande aplauso dos presentes no Pavilhão Atlântico. “Um momento hilariante e sem qualquer consequência negativa...”
Mas às vezes nem tudo corre conforme o esperado e há que resolver situações inesperadas. “A essência do nosso trabalho é planear, delinear e executar com perfeição. É nisso que nos distinguimos em relação aos demais. Somos gestores do risco. A experiência traz‑nos saber para planear ainda melhor”. Apesar de todo o planeamento, nem tudo pode ser controlado. “Relembro uma: um evento muito seleto, no Palácio do Conde d’Óbidos (também conhecido vulgarmente como Palácio da Cruz Vermelha), em Lisboa. Um grupo de importantes investidores convidados. Tudo ao detalhe e com elevado grau de personalização. Antes da reunião e do jantar, o grupo era levado a conhecer o palácio, através de uma recriação histórica dos séculos XVII e XVIII, com atores trajados à época em cada sala. Foi feito um levantamento histórico com um historiador. Este levantamento foi entregue a uma equipa de guionistas que o transformou num texto. Em cada sala, os atores faziam a explicação, recriando os ambientes. O cicerone era o elo comum, que acompanhava o grupo. Era a peça‑chave da visita. Foram dois meses de preparação e ensaios. No dia do evento, o ator ‘cicerone’ adoece! Após aqueles segundos iniciais de reação incrédula ao receber o telefonema, passámos à solução. Como acompanhei todo o processo, do levantamento histórico à produção do guião, dos ensaios ao guarda‑roupa, já estão a imaginar quem foi o cicerone…eu mesmo! O mais engraçado foi, no momento da chegada do grupo, o cliente ver‑me trajado a dar início ao evento. Ainda hoje recordo o ar de espanto e de gozo. Só lhe segredei: já lhe explico…Rimos os dois. Foi um sucesso”.
As situações boas, as menos boas, as que correm bem e as que exigem um plano B são o dia‑a‑dia desta profissão. “O mais importante em toda a nossa atividade é estarmos atentos, prevenidos, bem rodeados, sabermos liderar e especialmente sabermos atuar e responder com rapidez, bom senso e com os meios adequados às adversidades. Em todos os eventos, e porque lidamos com pessoas, materiais e equipamentos que são falíveis, temos que estar sempre dois passos à frente. Quem diz dois, diz três”.
Cláudia Coutinho de Sousa
Leia também: