Carlos III, a coroação esperada

Opinião

02-05-2023

# tags: Protocolo , Eventos

Após o falecimento da Rainha Isabel II, em setembro de 2022, o seu primogénito Carlos, até então Príncipe de Gales, assume (finalmente) o papel para o qual se preparara durante décadas, o de Rei Carlos III.

O 62º monarca ascendeu ao trono a 8 de setembro de 2022, a coroação foi proclamada a 9 de novembro de 2022 e a data da cerimónia de coroação, em Westminster Abbey, é 6 de maio de 2023 (anunciada por Buckingham Palace a 11 de outubro de 2022).

A coroação de um soberano britânico é uma cerimónia protocolar que assinala, oficialmente, a sua ascensão ao trono. Acontecimento ímpar, marcado pelo cerimonial, pela tradição, pelo simbolismo, pelo ritual, pela pompa, é uma celebração religiosa solene, conduzida pelo Arcebispo de Canterbury (o líder da Igreja Anglicana, Justin Welby), que se mantém praticamente inalterada desde 1066.

As cerimónias da coroação de monarcas no Reino Unido remontam a tempos imemoriais. Atualmente, um soberano sucede, por lei, imediatamente após a morte do anterior, embora a coroação continue a ser um marco importante no início de um novo reinado. As coroações perpetuam uma tradição europeia que surge com o propósito de consolidar o envolvimento da Igreja no Estado. O momento crucial da cerimónia de coroação é a unção com óleo sagrado, que simboliza a concessão da graça de Deus a um governante. Note-se que atualmente, na Europa, o Reino Unido é a única monarquia a manter esta tradição.

Apesar das características marcadamente religiosas desta cerimónia, nela estão igualmente presentes aspetos da Constituição (não codificada) do Reino Unido, criando um momento muitíssimo encenado por práticas de um cerimonial singular e belíssimo: cortejo, reconhecimento, unção, juramento da coroação, homenagem, novo cortejo.

No Juramento da Coroação, o monarca jura governar os povos do Reino Unido e dos reinos da Commonwealth “de acordo com suas respetivas leis e costumes”, constituindo este o único ponto realmente exigido por lei, e mutável de coroação para coroação, de modo a refletir, naturalmente, eventuais mudanças na composição territorial do Reino Unido e da Commonwealth.

Tratando-se de um evento oficial, os custos são suportados pelo governo do Reino Unido. A título de curiosidade, refira-se que a coroação da Rainha Isabel II, ocorrida em 2 de junho de 1953, tenha tido um custo de £912,000.

O novo soberano, acompanhado da Rainha consorte Camilla, é coroado apenas alguns meses após a sua ascensão porque, por tradição, se entende que a nação vive um período de luto, após o falecimento do anterior monarca.

Na prática, este tempo é totalmente necessário para concluir a complexa organização da totalidade das cerimónias.

A cerimónia de coroação insere-se num programa de comemorações que decorrerá ao longo de três dias, incluindo dois cortejos protocolares, uma celebração religiosa, um concerto em Windsor Castle, eventos públicos. Este mega-acontecimento foi designado como “Operation Golden Orb”, sendo alvo de planeamento ao longo de vários anos, por uma equipa designada “Coronation Executive Committee”, constituída por Ministros, membros da Casa Real, do Conselho Privado, da Igreja Anglicana, dos Reinos da Commonwealth. Este grupo de trabalho é presidido pelo Earl Marshal (atualmente Edward William Fitzalan Howard, 18º duque de Norfolk, que foi também responsável pelo Funeral de Estado da Rainha Isabel II). Contudo, o monarca também influencia, significativamente, escolhas relativamente à sua coroação.

O programa

A 21 de janeiro, Buckingham Palace divulgou o programa completo das comemorações, que decorrem oficialmente entre 6 e 8 de maio de 2023.

A 6 de maio

Acontece a Coroação de Carlos III e da Rainha consorte Camilla, na Westminster Abbey. A mensagem sobre a qual a celebração está estruturada reflete o papel do monarca na atualidade, olhando para o futuro, mas, simultaneamente, considerando as tradições e o esplendor da História.

Carlos III e a Rainha consorte Camilla chegarão a Westminster Abbey, provenientes de Buckingham Palace, num cortejo designado como “The King’s Procession”. Após a cerimónia, os monarcas regressam a Buckingham Palace, igualmente em cortejo protocolar, ao qual se unirão outros membros da família real, este designado “The Coronation Procession”. Os monarcas serão transportados no “Gold State Coach”.

Em Buckingham Palace, os monarcas acompanhados por membros da família real, saudarão a partir da varanda do palácio, encerrando, desta forma, os momentos cerimoniais do dia. Por estratégica decisão do rei (divulgada publicamente a um mês da coroação), apenas os designados “working members” da família estarão presentes neste momento tão significativo: os Príncipes de Gales e seus três filhos, a Princesa Real Ana e seu marido, os Duques de Edimburgo, os Duques de Gloucester, o Duque de Kent e sua irmã, a Princesa Alexandra.

A 7 de maio

Decorre o “Special Coronation Concert”, em Windsor Castle, encenado e transmitido ao vivo pela BBC, com parte dos lugares na assistência a serem disponibilizados ao público. O concerto reunirá vários artistas na comemoração desta ocasião histórica. Momento especial será o “Lighting up the Nation”, quando todo o país se unirá em projeções e iluminações.

Também o “Coronation Big Lunch”, acontecimento festivo em que vizinhos e comunidade(s) são convidados à partilha de refeição e diversão. É esperado que ocorram centenas de eventos em todo o Reino Unido, nas ruas, nos parques, nos jardins, para que as diferentes comunidades possam comemorar publicamente este acontecimento histórico (é expectável que estes eventos se prolonguem por todo o mês de maio).

A 8 de maio

“The Big Help Out” acontecerá na sequência de um convite ao incentivo para que as pessoas se voluntariem e se unam em trabalhos de apoio, nas suas áreas. Um dos principais objetivos é a sensibilização da população para o voluntariado, enfatizando os respetivos benefícios, transmitindo uma mensagem que incide na importância da partilha, do serviço ao outro e da entreajuda, sobretudo aos mais vulneráveis e solitários. Estes são valores muito importantes na sociedade britânica.

A simbologia do convite

Buckingham Palace partilhou, a 4 de abril, o convite que foi endereçado a cerca de 2.000 convidados que estarão presentes em Westminster Abbey. O convite foi desenhado por Andrew Jamieson, especialista em heráldica e iluminuras, cuja obra se caracteriza por se inspirar nos temas de cavalaria e na Lenda Arturiana. A arte original do convite foi pintada à mão em aquarela e guache, e o desenho será reproduzido e impresso em cartão reciclado (numa alusão às preocupações ambientais do monarca).

Destaque para o motivo “Green Man”, figura lendária da cultura britânica, símbolo da primavera e do renascimento, coroado com folhas de carvalho, hera e espinheiro, plantas emblemáticas no Reino Unido. Igualmente estão presentes lírios do vale, centáureas, morangos silvestres, rosas, campainhas azuis e alecrim (símbolo de lembrança) bem como uma abelha, uma borboleta, uma joaninha, uma carriça e um tordo. As flores aparecem em grupos de três, significando que o rei se tornou o terceiro monarca de seu nome.

Os convidados

Na medida em que se trata de uma cerimónia oficial, em última instância a lista de convidados é avalizada pelo Governo. Certamente, estarão presentes representantes da Igreja e do Estado, personalidades dos Estados da Commonwealth, outros dignatários nacionais e internacionais, representantes de casas reais estrangeiras, além naturalmente da família real inglesa.

Na coroação da Rainha Isabel II estiveram presentes mais de 8.000 convidados e representadas 129 nações.

A Rainha consorte

A Duquesa da Cornualha será coroada Rainha consorte, ao lado de seu marido o Rei Carlos III, com a coroa da Rainha Mary (consorte do Rei George V), constituindo um momento único na história recente, na medida em que é a primeira vez, desde o século XVIII, que uma rainha consorte é coroada com uma coroa já existente, nitidamente por motivos de sustentabilidade. Esta coroa é da autoria do joalheiro Garrard & Co (Londres, 1735) e data de 1911.

A rainha consorte apoiará o rei no desempenho das suas funções e obrigações. Imediatamente após a coroação, terá o tratamento de Rainha Camilla, caindo, portanto, o termo “consorte”.

Recorde-se que os consortes masculinos de uma rainha reinante não são coroados.

A simbologia da música

Foram encomendadas doze peças musicais para a cerimónia de coroação, revelando talentos musicais do Reino Unido e da Commonwealth, numa diversidade de estilos musicais e de artistas, conjugando tradição e modernidade, mas refletindo a proximidade e gosto do rei pela música e pela arte.

De notar que, por pedido expresso do monarca, em homenagem a seu pai o Príncipe Filipe, Duque de Edimburgo, a música ortodoxa grega também fará parte da celebração.

A simbologia do óleo

O óleo que será usado para ungir Carlos III foi consagrado em Jerusalém, durante uma cerimónia muito especial que aconteceu na Igreja do Santo Sepulcro, pelo Patriarca de Jerusalém, Sua Beatitude Patriarca Teófilo III, e pelo Arcebispo Anglicano de Jerusalém, Hosam Naoum.

O óleo provém de azeitonas prensadas nos arredores de Belém, após serem colhidas em dois olivais no Monte das Oliveiras, no Mosteiro de Maria Madalena e no Mosteiro da Ascensão. O Mosteiro de Maria Madalena é o local onde está sepultada a princesa Alice da Grécia, avó paterna de Carlos III. O óleo foi perfumado com óleos essenciais de gergelim, rosa, jasmim, canela, âmbar e flor de laranjeira.

Este óleo baseia-se no usado na coroação da Rainha Isabel II, cuja fórmula é a mesma desde há centenas de anos, sendo também usado para unção da rainha consorte.

As insígnias (“regalia”)

Dois bastões reais, três espadas (representando Misericórdia, Justiça Espiritual, Temporal e Justiça), a grande espada do Estado (simbolizando a autoridade real do soberano) e o bastão de St. Edward constituem o conjunto de insígnias usadas na cerimónia de coroação, bem como as esporas (representando temas de cavalaria), as joias, a espada de oferenda e duas pulseiras de ouro (revelando sinceridade e sabedoria). O orbe do soberano (que simboliza a soberania cristã) é pousado na mão direita do monarca e depois volta ao altar. O anel de coroação (representando a dignidade real) é colocado na mão direita do soberano. Depois disso, o cetro com a cruz simboliza o poder temporal do soberano sob a cruz, enquanto o cetro com pomba – ou bastão de equidade e misericórdia – simboliza a responsabilidade espiritual do soberano.

O auge da cerimónia acontece quando o Arcebispo de Canterbury coloca a “St. Edwards Crown” na cabeça do soberano, coroa esta que só é usada pelo monarca uma vez. À saída de Westminster Abbey, o rei recém‑coroado usará a “Imperial State Crown”. O Reino Unido é a única monarquia europeia que ainda usa as suas insígnias para a cerimónia de consagração da coroação de um soberano (a Bélgica e os Países Baixos nunca coroaram os seus monarcas, a Dinamarca, a Noruega e a Suécia descontinuaram estas práticas ao longo dos tempos, Espanha não procede a cerimónias de coroação desde a Idade Média).

© Cristina Fernandes e Susana Casanova Opinião