De Istambul ao Porto: O protocolo e as instituições europeias

02-09-2021

# tags: Protocolo , Eventos

A 6 de abril de 2021, a imprensa mundial descobriu e analisou até à exaustão três conceitos: protocolo, precedências e assentamento protocolar. Foi criada uma palavra nova: “SofaGate”.

Na Turquia, o presidente turco, Recep Erdogan, recebeu em audiência a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. Quando entraram na sala da reunião, havia duas cadeiras centrais e dois sofás laterais. Charles Michel foi convidado para se sentar ao lado do Presidente da Turquia, e Ursula Von der Leyen no sofá. O problema estava criado e a discussão iniciada.

Um mês depois, os olhares da imprensa internacional viraram‑se para a Cimeira Social da União Europeia e para o Encontro informal de Chefes de Estado e de Ministros, que decorreu no Porto, a 7 e 8 de maio. Como seria o protocolo, como seriam geridas as precedências e feito o assentamento protocolar, pela Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, nos diferentes momentos do programa de dois dias? Em primeiro lugar, importa referir que a nível das instituições europeias existe um protocolo definido a nível interno, e um outro a nível externo, nas representações internacionais da U.E.

Assim, o presidente do Parlamento Europeu tem prevalência sobre o presidente do Conselho Europeu, e este sobre o da Comissão Europeia, segundo o Tratado de Lisboa.

Durante a Cimeira Social e o Encontro Informal de Chefes de Estado e de Governo, a questão das precedências foi tratada de forma correta, dando uma importância de forma equilibrada aos representantes das três instituições, sabendo claramente que a posição da presidente da Comissão Europeia estava a ser observada atentamente pela imprensa mundial.

Em certos momentos, como na cerimónia de abertura da Cimeira Social, foi a presidente da Comissão Europeia que ficou sentada à direita do primeiro‑ministro de Portugal, como se houvesse uma dupla presidência para a abertura dessa conferência, ficando o presidente do Conselho Europeu à direita de Ursula Von der Leyen e o presidente do Parlamento Europeu à esquerda de António Costa. O que podia parecer uma total inversão do que se referiu acima sobre as precedências internas dos órgãos da União Europeia.

Já no Encontro Informal de Líderes, a situação voltou a inverter‑se, aplicando‑se as precedências internas, criando assim um equilíbrio entre as figuras representativas das diferentes instituições, e revelando um excelente cuidado na forma de tratamento deste assunto por parte de Portugal.

Por isso, é fundamental que os responsáveis de protocolo das diferentes instituições europeias colaborem na preparação de visitas internacionais conjuntas e que, em função disso, fortaleçam a imagem da União Europeia e não contribuam para que eventuais falhas de comunicação, que permitam que outros possam usar essas falhas como ferramenta “apetecível” para diminuir as próprias instituições europeias.

Concluindo, podemos dizer que há uma espécie de lista de prós e contras interessantes e que devemos ter em conta nesta história.

Por um lado, os “contras“: Não há dúvidas de que o que se passou na Turquia é uma história cheia de erros e confusões, da qual nenhum dos intervenientes saiu ileso. O presidente do Conselho Europeu, porque poderia ter sugerido outra solução protocolar, mostrando a força conjunta das instituições da União Europeia. A presidente da Comissão Europeia, que não terá enviado a sua equipa de apoio protocolar às reuniões de preparação da visita. Quanto aos serviços protocolares turcos que, em situações anteriores, tinham criado outras soluções de equilíbrio protocolar entre as duas instituições europeias, desta vez não o fizeram.

Quanto aos “prós”: esta situação serviu para colocar na agenda mediática mundial a importância do protocolo nas relações internacionais e a influência do correto assentamento e aplicação das precedências protocolares para o êxito das reuniões internacionais. O protocolo português soube ser criativo, evitando conflitos e transmitindo para o exterior uma imagem de harmonia e legitimidade.

Uma consequência positiva do Sofagate é que os responsáveis das instituições europeias concordaram em elaborar e uniformizar guias de conduta a nível protocolar durante as representações externas da União Europeia. Um procedimento que existia antes da entrada em funções deste novo trio comunitário, graças à excelente colaboração entre os responsáveis de protocolo das três instituições.

O protocolo tem esta capacidade de evoluir, de melhorar e de continuar a ser sempre um instrumento de defesa da imagem e do prestígio das próprias instituições.


© Miguel Macedo Opinião

Especialista em Protocolo

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