< Previousque, quase todas, tiveram carreiras brilhantes na hotelaria e em diferentes setores. Mas diria que o mérito é delas, não é meu. Reencontro às vezes pessoas ao fim de anos e sinto que deixei ali uma marca que foi positiva, que lhes deixou ficar um drive, uma vontade de superação, uma vontade de fazer. Sobretudo, acho que há uma coisa muito importante que tem sido comum a quase todas elas, quando falam comigo ao longo de anos, que é a ideia de não ter medo. Talvez seja essa a principal característica da minha relação com as pessoas, a de lhes transmitir a ideia de que não há realmente muita coisa que nos faça ter medo. Não vale a pena ter medo, o medo é apenas um sentimento que nos adormece, que nos limita, e acho que parte desse sentimento tem muito a ver com algum atrevimento e essa capacidade de ser capaz de olhar para as coisas e dizer que não há, à partida, nada que me impeça de conseguir concretizar este objetivo. Acho que isso é muito importante, essa perda do medo. Sofremos mais em imaginação do que na realidade. Esta frase não é minha, mas obviamente tem muito a ver com aquilo que sinto. Nós sofremos muito mais por antecipação e na imaginação do que na realidade. E isso limita‑nos imenso. Neste período de Covid e pós‑Covid, acho que essa necessidade de ultrapassar esse medo vai ser mesmo muito importante. A pandemia veio alterar a visão que tinha para o futuro da empresa? Veio, inevitavelmente. A pandemia veio por em causa a sustentabilidade do projeto. Nós estamos a trabalhar normalmente, regressamos à atividade em julho, num esquema perfeitamente normal, concretizamos e ainda temos até ao final do ano mais alguns projetos pequenos para realizar. Mas, inevitavelmente, o que está em causa, e o que está em cima da mesa hoje, é a sustentabilidade do próprio projeto. É evidente que não prevejo que possamos ter problemas naquilo que eu chamo o curto prazo, em 2021, mas preocupa‑me o que vai acontecer depois de 2021. Preocupa‑me seriamente. És confrontado com uma situação destas, em que aparentemente não há soluções, e parece não haver soluções, o telefone não toca, não cai um pedido, não há uma consulta, mas nós estamos a trabalhar como se daqui a 15 dias o mundo inteiro acordasse, e o telefone, os e‑mails, tudo voltasse ao normal. WWW.EVENTPOINT.PT 20 GRANDE ENTREVISTA Estamos a preparar‑nos para fazer um trabalho de reaprendizagem, de regeneração, de renovação, a rever todos os processos e sistemas de negócio, a nossa forma de voltarmos a comunicar e as novas ferramentas que vamos poder ter para comunicar, e aquilo que podemos trazer de novo em termos de formatos de meetings, de novas formas de poder gerar valor acrescentado para os clientes. Parar para repensar todo o modelo de negócio. Para que isso seja verdade é preciso que o negócio volte, e essa é a principal preocupação. Mas enquanto o negócio não volta, acho que este era o momento preciso para voltarmos a reatar os programas de colaboração competitiva. É fundamental que isso aconteça. E a criação de projetos próprios pode fazer parte dessa equação? A ideia de projetos próprios é uma coisa que nós gostaríamos de desenvolver e é um risco que eu gostaria de correr num projeto que nos apaixonasse. Acho que essa pode ser uma das fórmulas. Ou seja, não esperar que o mercado nos peça para executarmos um determinado projeto, mas sermos nós próprios a criarmos esse projeto. Acho que isso podia ser uma realidade já para 2021. “Small is beautiful” Num quadro mais amplo, qual poderá ser o papel do PCO nesta nova realidade em que vivemos? É ainda possível conquistar grandes congressos internacionais? O que aconteceu no mercado dos grandes congressos e eventos é muito semelhante ao que aconteceu noutras áreas de negócio, na banca, nos seguros, na indústria farmacêutica, na indústria automóvel, ou seja, a tendência para a concentração. Essa tendência para a concentração é uma coisa contra a qual sou um verdadeiro guerrilheiro intelectual. Tudo o que eu puder fazer para combater e boicotar a concentração de negócio, de uma forma obviamente ética, farei. Porque isso é a destruição dos nossos ecossistemas. ‘Small is beautiful’ é algo que faz mais sentido do que nunca. E o conceito já vem desde 1972. Acho que esta pandemia eventualmente também vai abanar algumas dessas megaestruturas, e acho que, sinceramente, algumas delas deviam mesmo ruir. Porque elas não são boas, elas não trazem muito de novo para o ecossistema sustentável. Nós vivemos e convivemos muito melhor em ecossistemas com grande diversidade e onde apenas precisamos de ter o quanto baste para sermos felizes e nos sentirmos realmente bem com aquilo que fazemos. Cada vez mais no futuro tem que haver um sentido de propósito no nosso trabalho. Nós não podemos continuar a funcionar apenas com o objetivo do lucro, do rendimento e do acumular de riqueza. Não faz sentido. Que sentido é que faz eu andar a acumular riqueza durante 20 anos e depois ao fim de 20 ou 30 anos transformar‑me num bom samaritano ou num mecenas? Se andei a tirar durante 30 anos, porque esperei 30 anos para dar? Não, nós temos que ser capazes de o fazer no dia a dia. Agora, há aqui uma questão: para poder ter o frigorífico cheio, é preciso ir mantendo o frigorífico. Penso que a ideia de um mercado que protege as comunidades, que estimula a diversidade, que promove redes locais, que partilha boas práticas e que envolve comunidades mais próximas, é claramente cada vez mais o futuro. Se nós pudermos, obviamente, criar esforços coletivos para sermos capazes de competir com essas megaorganizações e essa enorme concentração de negócio, nós devemos fazê‑lo. Para a própria sustentabilidade do setor do turismo de negócios. Acho que isso é mesmo muito importante. E como vê neste momento o futuro dos PCOs portugueses? Sou o mais pequenino entre os meus pares. A noção que tenho é de que a maioria dos PCOs tem efetivamente sido capazes de se reinventar e de se adaptar a esta nova realidade. Quase todos aqueles que eu considero referências, pares inspiradores, têm feito um trabalho absolutamente fantástico. Nós temos uma matéria‑prima, uma quantidade de empresas nesta área que é efetivamente muito rica em termos de resiliência, de capacidade de combate à adversidade. Agora, é evidente que estamos todos muito dependentes da resposta dos mercados. Um grande problema é o receio que os clientes têm de avançar com os projetos. WWW.EVENTPOINT.PT 22 GRANDE ENTREVISTA Os clientes são os primeiros a ter o receio de avançar com os projetos. Não é fácil para o presidente de uma sociedade ou para o presidente de um congresso ou de um evento tomar a iniciativa de avançar com a sua realização mesmo em formato híbrido, sabendo o que pode estar em causa. Acho que já há, neste momento, matéria suficiente, a começar pelo nosso próprio congresso [Congresso Nacional de Medicina Interna], o primeiro congresso que realizamos desde a pandemia, que no fundo comprova que a implementação de um conjunto de boas práticas, de normas e de regras que permitem que se volte um pouco à nossa vida normal. E nós possamos optar por manter o presencial para aquilo que é importante. Há pessoas que não conseguem viver sem o presencial, para elas o digital não é uma solução, não se sentem motivadas, não são capazes de se sentirem focalizadas durante uma conferência e ter uma aprendizagem realmente importante. As três grandes características da participação em eventos são, basicamente, aprender, trabalhar em rede, criar motivação para voltar ao nosso trabalho e pôr em prática aquilo que fomos capazes de aprender. E para algumas pessoas o digital não é suficientemente enriquecedor. Se pudéssemos ter o presencial para umas coisas, digital para outras, ótimo. Para novas mentalidades e para espíritos talvez mais jovens, o 100% virtual é claramente uma opção. O mercado vai então fazer‑se dessas três componentes... E os PCOs estarão preparados para essa transição mais para o digital? Tecnologicamente, acho que estamos. Em termos de formação, acho que temos ainda um caminho longo a percorrer. Acho que há todo um conjunto de ferramentas que já estavam disponíveis e que continuam a estar disponíveis nesta área, onde nós teremos que fazer uma espécie de reaprendizagem, desde as ferramentas humanas e de interação, da nossa capacidade de criar maior interação entre todos os participantes; na utilização de ferramentas que não são apenas de natureza tecnológica, mas que são muito importantes para criar esses laços e esse relacionamento entre as pessoas para podermos criar programas de comunicação antes, durante e depois. Recordo algumas das técnicas, das ferramentas de que o Maarten Vanneste falava no livro Meeting Architecture. Ele fala dessa capacidade de envolvermos componentes de natureza artística, o envolvimento de facilitadores, e pessoas que dinamizam as conversas. Nós precisamos de mudar muitos dos formatos tradicionais nestes meetings. A ideia de um conferencista, um keynote speaker para mil pessoas, faz cada vez menos sentido, as pessoas querem trabalhar muito mais em breakouts, querem ter muito mais a capacidade de interagir e serem parte do próprio programa. Já há inclusive formatos de meetings onde não há agenda, entra‑se no espaço e a agenda é definida pelos participantes. Os formatos como o World Cafe podem ser muito interessantes. Obviamente que as ferramentas tecnológicas que existem hoje em dia só fazem sentido se elas forem integradas desde o início no desenvolvimento conceptual do próprio programa, porque não adianta apenas ter uma app disponível. É absolutamente inevitável e necessário que se envolvam os organizadores, os mentores, e os participantes em todo esse processo e se criem, efetivamente, os estímulos para que as pessoas possam interagir e dar o seu contributo e o seu melhor. Acho que aí há um espectro enorme de aprendizagem, que tem muito a ver com conteúdos que nós precisamos de trazer tanto para o presencial, como para o digital. E este é o momento para os trazer? Acho que esta é uma altura boa para nós pararmos e percebermos a importância destas ferramentas. Se tivesse uma mensagem para o mercado, para os nossos pares, é que nós precisamos de dizer aos clientes que temos um conjunto de serviços de valor acrescentado, que são feitos sempre na perspetiva já não apenas do cliente e do participante, mas de uma perspetiva até mais global. Eu diria quase que um sistema. Nós, no fundo, em termos de evolução, partimos WWW.EVENTPOINT.PT 24 GRANDE ENTREVISTA dúvida sobre isso. Sempre foi um pouco assim, mas hoje, mais do que nunca, partilho tudo aquilo que nós temos feito, as boas práticas, os documentos, os dossiês. Acho que isso é muito importante para podermos acrescentar valor ao setor. E criar esse mindset de grande tranquilidade e de capacidade de resolver. “O futuro não é aquilo que nos acontece, é a forma como respondemos àquilo que nos acontece” O que gostava que ficasse de mais relevante no mercado depois de ultrapassada esta fase tão complicada? Acho que a questão de nós idealizarmos que modelo de desenvolvimento queremos para as nossas comunidades, para as empresas, para as nossas tribos, e para cada um de nós em particular. Que modelo de desenvolvimento sustentável é que nós queremos no do patamar client‑centric, centrado no cliente, portanto, para um novo patamar que acho que é system‑centric, centrado no próprio sistema. Já não é apenas o participante, temos de ver o todo. O melhor para toda a gente, o melhor para os patrocinadores, o melhor para os participantes, o melhor para os fornecedores, o melhor para toda a gente, é isso que faz sentido. E acha que neste momento estamos mais disponíveis para partilhar informação e colaborar uns com os outros? Muito mais. Tudo o que nós pudermos fazer nesse sentido, acho que é bem‑vindo. Se isso alguma vez foi verdade, é mais verdade do que nunca. Nós somos aquilo que partilhamos. Não tenho a menor sombra de futuro, diria que é provavelmente aquilo que eu acho mais importante. Ou seja, se nós sairmos desta pandemia sem ter aprendido e apreendido algo de novo, e sem questionarmos algumas daquelas velhas falácias, então acho que não traz assim nada de novo. Acho que é sobretudo isto, este sentido de propósito no trabalho, no negócio, esta nossa capacidade de estarmos mais presentes, sermos também mais ousados, mais curiosos, mais solidários, de podermos partilhar as coisas, acho que isto é muito importante. O futuro não é aquilo que nos acontece, é a forma como respondemos àquilo que nos acontece. A indústria está a passar por um momento muito complicado. Há quem diga que é um setor esquecido ou invisível. Como podemos afirmar a importância e o valor da indústria dos eventos, sobretudo entre aqueles que têm capacidade de decisão, responsabilidades políticas e de estratégia? Essa é a ‘one million dollar question’. Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. O problema é que são muitas bocas, somos nós da indústria dos eventos, é a indústria hoteleira, é a animação, são os artistas, é toda a gente neste momento e toda a gente reclama a atenção para o seu trabalho. Acho que a única maneira de nós resolvermos isto é sermos capazes de nós próprios irmos encontrando as soluções e de ir reclamando ao nível da governance uma atenção para as soluções que estamos a desenvolver. Acho que temos de passar de um foco de atenção para um foco de intenção. A melhor maneira de resolvermos isto é pelo exemplo. O exemplo é uma resposta coletiva e que no fundo envolve chamadas de atenção para uma maior democratização dos sistemas. É evidente que temos de apontar o que não está bem e reclamar atualização e mudança naquilo que efetivamente não é correto, não é sensato ou não é aceitável. Acho que isso temos todo o direito de o fazer, exigir uma maior democratização a nível de governance. Mas para isso acontecer temos de ser muito mais participativos. Temos de ser nós próprios a sermos capazes, através das associações, de exemplos e de trabalho a demonstrar que isso é possível. E obviamente que a proximidade que temos dos centros de decisão permite‑nos ter esse nível de exigência. WWW.EVENTPOINT.PT 26 GRANDE ENTREVISTA Sente alguma falta de definição do setor? Quando falamos de eventos falamos de muita coisa. Justifica‑se um unir de forças de todo este setor? Ou as características tão diferentemente vincadas justificam essa separação? Aquilo que tenho vindo a aprender com alguns dos meus gurus nesta área da tecnologia social é que vivemos em sociedades em que alguns dos sistemas estão obsoletos ou não funcionam, mesmo em colapso. A grande questão aqui é o que nós podemos fazer para melhorar este estado de coisas. Tudo o que fizermos, quer ao nível de comunidades, de grupos que têm perspetivas comuns, quer a nível mais abrangente, tudo o que fizermos será sempre necessariamente pouco. Os efeitos do lobbying, o que é que isso poderia significar? Poderia significar que, ao nível das diferentes associações ou dos grupos que representam interesses de diferentes comunidades ou de diferentes tribos, é possível ir conseguindo recolher inputs que pudessem ser apresentados de uma forma integrada e levar até aos organismos da tutela, de governance, que são também eles próprios vários, porque isto envolve imensos ministérios e várias áreas: economia, saúde, educação. O problema do nosso lado tem espelho do lado do governance. É a mesma coisa do lado de lá. Não é só um ministério que vai resolver isto, são vários. Aqui a única coisa que podemos fazer é melhorar a comunicação e se calhar criar círculos onde isto possa ser trabalhado. Os PCOs têm de estar juntos e ser capazes de partilhar isso, as organizações e associações que envolvem o setor da organização dos eventos também, e assim sucessivamente. Uma associação representativa de todo o setor não existe. A APECATE é representativa de uma parte, mas não é representativa de todo o setor. Extrapolando para a perspetiva dos clientes, há espaço nesta altura para investirem mais nesta componente dos eventos? Acho que temos casos de excelência que são, não apenas inspiradores, mas que têm cumprido muito bem o papel de líderes e a liderança é uma coisa contagiosa, líderes formam líderes. Acho que têm evoluído bastante. Não sou eu que o digo, são comentários de clientes. Numa conversa circunstancial com o CEO da Vok Dams, ele disse “trabalhar em Portugal é fácil”, ou seja, isto vindo de um CEO de uma empresa como a Vok Dams, que ainda por cima é alemã, é um elogio notáve. É evidente que podemos fazer ainda melhor e esse é provavelmente o desafio que temos, que é dizermos aos mercados que estamos de volta e ainda melhor e ainda mais bem preparados. Acho que essa é a mensagem. Acha que as associações médicas, as ligadas à engenharia, etc., que podem evoluir, podem‑se profissionalizar e abrir novas oportunidades aos organizadores de congressos? Claro que sim. Esse é um trabalho nobre, que nos cabe a todos, que cabe também muito às associações setoriais e às associações de turismo. Já temos ótimos exemplos de pessoas que têm feito um trabalho absolutamente notável como embaixadores, capazes de trazer para Portugal um sem número de eventos. Não é sem razão que aparecemos no ranking da ICCA na posição em que estamos. Se formos analisar ao detalhe a quantidade de eventos que são fruto do trabalho da academia, da comunidade científica, é obviamente elevado. Não tenho a perceção de que tenhamos alguma razão de queixa nesse sentido. É evidente que nos cabe a nós, se calhar, PCOs, a responsabilidade de poder animar ainda mais e dar ferramentas a essas comunidades. Cláudia Coutinho de Sousa WWW.EVENTPOINT.PT 28 GRANDE ENTREVISTA Dez perguntas a Pedro Cardoso Quando era criança o que queria ser? Não sei. As pessoas que me conhecem melhor dizem que eu tenho um espírito de professor, de mentor. Se pudesse convidar qualquer pessoa para jantar, quem convidava? Sócrates, o filósofo. Evento marcante? O maior evento que nós já organizamos aqui no Porto, em 2004, que teve 3450 participantes durante uma semana: The Spine Week. Um outro evento marcante foi quando conseguimos reunir aqui no Porto, ao mesmo tempo, 150 decisores da meetings industry que vieram de nove ou dez países. Isto foi em 2001. Cidade para viver? Porto Santo Destino para férias? Todos os locais do mundo em que a natureza não tenha sido ainda destruída pelo Homem. Os que me atraem mais são os destinos sustentáveis, como os Açores, Botswana, Uruguai, Suécia, Eslovénia. Destino que falta conhecer? Costa Rica é um dos sítios pelos quais tenho fascínio há algum tempo. Livro de cabeceira? Enabling Collaboration, Martin Echavarria. Uma música? Sou um apaixonado pela guitarra clássica e contemporânea. Pat Metheny/Charlie Haden, Beyond the Missouri Sky. Hobbies? Cozinha, jardinagem, vela e tudo o que sejam desportos de água, caminhadas.Next >