< PreviousINTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E O IMPACTO NOS EVENTOS WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 20 GRANDE ENTREVISTA MIGUEL CARNEIRO “SOU UMA PESSOA MUITO MOTIVADA PELA TELA EM BRANCO” Apaixonado por ligar pessoas e resolver problemas, Miguel Carneiro, aka “mágico do software”, criou a ShakeIt com o propósito de desenvolver mobile apps e cedo percebeu que os eventos seriam um mercado interessante. Nesta conversa, que decorreu nos estúdios da ShakeIt, no Porto, falou-se de pandemia, do estado dos eventos e das tecnologias que os vão revolucionar. O que é que faz um “mágico de software”? [risos] Acho que comecei a colocar isso no subtítulo das minhas redes sociais e na assinatura do meu e‑mail por representar aquele sentimento dos clientes que não estão tão confortáveis com a tecnologia quando, depois de uma conversa de levantamento de requisitos, a programação os faz dizer “era mesmo isto!”. É das coisas que mais me atraem na programação, é o impacto que isto tem em quem depois utiliza o software. Acho que me identifiquei bastante com esta magia, até quando trabalhei na Porto Editora. Tínhamos uma piada interna, de que os bocadinhos de software que eu fazia eram as ferramentas mágicas, e acho que foi isso que depois inspirou o “mágico de software”. Resolver um problema é uma paixão minha, profissional, e é daquelas coisas que me motivam.Como é que começou o teu percurso e como é que chegaste à área dos eventos? Na faculdade estudei Inteligência Artificial e Ciência dos Computadores na Universidade de Edimburgo, na Escócia. Na altura, obviamente, os eventos não estavam na minha cabeça, mas na verdade não tinha muito bem definido um percurso para mim mesmo. Na altura, a inteligência artificial era uma coisa que me atraía muito, principalmente pela ligação ao modo como o cérebro funciona. Mas também percebi que gostava de voltar a Portugal depois do curso e, portanto, quando chegou ali um momento de especialização, entre este dual degree, escolhi Computer Science, a parte de programação. Quando voltei, trabalhei dois anos na Wipro, como analista de sistemas. Era um trabalho que me obrigava a viajar muito. Nesses dois anos, estive seis meses em Scunthorpe, que é nos arredores de Leeds, no Reino Unido, e também estive um ano entre Boston e Harrisburg, que é a capital da Pensilvânia, a fazer o software que permitiu depois dois grandes supermercados juntarem‑se. Talvez este percurso, ou esta experiência na Wipro, não tenha a ver com o mundo dos eventos, mas tem claramente com a compreensão do que são sistemas de informação e há uma parte dos eventos que assenta nos sistemas de informação. Ao fim de dois anos, decidi fazer um mestrado de Engenharia de Serviços e Gestão, na FEUP ‑ Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, que, olhando agora para trás, acrescentou muito valor para aquilo que foi depois a história da ShakeIt. O curso estuda genericamente os serviços e os processos de serviços e como eles assentam em tecnologia, e aqui sim já consegues ver um paralelo muito claro com aquilo que são os eventos. Depois deste mestrado, trabalhei como Gestor de Projeto na Porto Editora para conteúdos multimédia, e acho que também contribuiu para a caminhada, porque foi a primeira oportunidade que tive de participar o mais próximo possível daquilo que é a organização de trabalho, gestão de equipas. Estas pecinhas todas juntas foram aquilo que me colocou na posição de criar a ShakeIt. WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 22 GRANDE ENTREVISTA E inicialmente qual foi o propósito da ShakeIt? O objetivo era apenas fazer apps. Apaixonei‑me pelo momento iPhone do Steve Jobs, aquele ‘slide to unlock’, e pensei: isto sim, é uma coisa tão intuitiva que pode ter um impacto muito grande no mundo. Ter computadores na mão de toda a gente é uma coisa que de facto mudou o mundo. A primeira app que nós fizemos foi, por acaso, na área da medicina, que acabou por ser a nossa primeira área nos eventos. Antes de programar qualquer código fazia uma proposta, mas ainda por cima, na altura, as apps eram praticamente inexistentes, portanto era mais a questão de conseguir convencer as pessoas de que aquilo era realmente necessário. Por outro lado, não era um dado garantido que toda a gente tinha smartphone, e também naquela altura normalmente escolhia‑se: ou se desenvolve para iPhone ou se desenvolve para Android ‑ as apps que funcionavam nos dois funcionavam muito mal ou exigiam muito esforço de quem programava. No início da ShakeIt andámos a procurar clientes, mas não é um momento que deixe muitas saudades, porque cada projeto que fazíamos demorava muitíssimo tempo e acabávamos e encostávamos para o lado. Não fazíamos nada com aquele projeto em específico, estava entregue ao cliente e ficava naquela lógica de manutenção ‑ se tiverem algum problema nós ajudamos de futuro.Tropecei na parte dos eventos porque costumava fazer uma prospeção de apps, e vi uma aplicação em específico, creio que era uma versão antiga do Congresso de Pneumologia, se não me engano, e pensei: isto se calhar podia ser um bocadinho mais. O Congresso de Pneumologia foi um congresso que só vários anos depois acabou por ser nosso cliente, mas esta foi a app que me disse: isto podia ser mais. E então tomei ali a decisão de transformar este esforço cliente a cliente numa lógica mais de produto, ou seja, ia fazer um protótipo ‑ não havia cliente nesta fase ‑, que tinha aquilo que eu achava que faltava na app que tinha visto e fui tentar apresentá‑lo As primeiras vendas que nós fizemos na área dos eventos, que foram apps mobile, foram feitas com um powerpoint e uma demonstração com cinco ou seis funcionalidades, mas que causavam algum impacto a quem via. Em vez de fazermos uma app com informação genérica fizemos uma app – o Human Body Congress ‑ de demonstração com informação fake, mas que era informação que poderia ser real. Ainda me lembro que estávamos em dezembro de 2013 e foi a Dr. a Luísa Teixeira, da Mundiconvenius, quem nos adjudicou quatro apps em dezembro de 2013 ‑ e elas viram a luz do dia no segundo semestre de 2014. Essa foi, efetivamente, a primeira adjudicação, mas acabou por não ser a primeira app que fizemos. A primeira foi no Congresso de Nutrição e Alimentação, em maio de 2014. E depois a bola de neve começou aí. Fizemos a primeira em maio, a segunda em junho, que foi a Semana Digestiva e, depois disso, caiu‑me um bocadinho aquela ficha de que uma das coisas atrativas da parte dos eventos é de que quando nós conquistamos um cliente, se fizermos um bom trabalho, conquistamos todos os anos. Esse foi claramente um marco na história da ShakeIt, que outros consegue identificar? Um dos maiores marcos foi a contratação de outro programador. Nesta altura que estou a descrever era só eu, e a contratação de mais um programador, WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 24 GRANDE ENTREVISTA o Ricardo [Tavares], ajudou‑me a estar mais liberto para falar com clientes e para pensar na coisa um bocadinho mais estrategicamente. Outro dos grandes marcos da ShakeIt foi a conquista do Congresso de Cardiologia, porque tem uma relevância diferente, aconteceu logo em 2015 e foi importante por várias razões. Em primeiro lugar, porque a maior parte dos congressos que nós fazíamos não tinham apps e nós estávamos a vender uma coisa que eles não tinham. O Congresso de Cardiologia tinha uma app internacional, a mais bem estabelecida da altura, e portanto foi uma substituição de uma app internacional já estabelecida pela da ShakeIt. Claro que pesou, obviamente, o facto de sermos portugueses e de estarmos ali ao lado, de nos poderem telefonar quando quisessem e reunir presencialmente. Esse foi um dos grandes momentos de conquista, porque depois de fazermos o Congresso de Cardiologia, em 2015, houve um efeito de cascata para outros congressos na área da cardiologia, mas não só. Nessa altura havia muita concorrência? Não. Todas as que existiam na lógica de produto eram soluções internacionais. Com os primeiros congressos que conquistámos, apercebi‑me de que a oportunidade de mercado não era tanto fazer melhor do que as [apps] internacionais, mas fazer com o mesmo princípio, ter uma base e acompanhar as pessoas de uma maneira diferente. Ou seja, estas soluções internacionais eram o tipo de soluções em que se ia ao site, colocava‑se o cartão de crédito e a compra daquele software significava o acesso a configurares a informação toda do evento. Nós nunca tivemos como estratégia principal fazer as coisas desta forma. Na maior parte dos nossos eventos, temos a base pronta e somos nós que configuramos e decidimos a estrutura, em conjunto com o cliente, embora o cliente também consiga fazer a estruturação. Portanto, nós nunca estivemos a tentar ser estas soluções internacionais. Em Portugal havia empresas que faziam apps à medida, de vez em quando faziam também para um congresso, mas se não pensares numa lógica de produto também ficas estagnado no tempo, sem acrescentar novas coisas. Mais ou menos a partir do terceiro ou quarto ano, era engraçado, porque eu entrava numa reunião e as pessoas diziam‑me: “tenho aqui uma ideia, as pessoas podiam utilizar a app para colocar questões e o orador que está em palco recebê‑las”. Eu dizia, “sim, sim, nós já fazemos em outras apps”. Ou seja, neste ecossistema de clientes estão todos a contribuir uns para os outros e cada vez que alguém pede uma funcionalidade nova, todos os outros congressos beneficiam. Houve um cliente que chegou à vossa beira e disse que queria a app com um fundo preto... Sim, foi na verdade o Congresso de Cardiologia, mas dois anos depois do primeiro que fizémos. E isso obrigou-vos a uma maior flexibilidade... Nós sempre pensamos nesta lógica de acrescentar funcionalidades. Uma das coisas que é perfeitamente normal quando se começa um produto, principalmente software, é chegar, dares o primeiro passo e a meio perceber que há alguma coisa em que não pensamos. E não é que não tivesse havido pistas antes, mas nós sempre pensámos em flexibilizar em termos de funcionalidades e até em termos de menus, ou seja, sempre acreditamos que nem todos os congressos precisam das mesmas funcionalidades. Não tínhamos bem a noção do quão personalizável graficamente é que precisavam de ser as apps. No Congresso de Cardiologia de 2016, a key visual do evento era preto com coração vermelho em chamas, quando nos disseram isso [fundo preto] nós não entramos em pânico, mas pensamos que a rentabilidade desse projeto iria ser nula. Nem me passava pela cabeça, dois anos depois, fazer alguma coisa que fizesse com que WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 26 GRANDE ENTREVISTA o Congresso de Cardiologia pensasse em adotar outra solução que não a nossa e, portanto, o nosso instinto foi resolver o problema. A consequência foi tornarmos tudo mais configurável. À medida que começaram a aparecer mais soluções, essa é aquela que, ao longo do tempo, me parece a nossa maior vantagem competitiva, no sentido de ser a mais difícil de replicar. Além de flexibilizarmos, aquilo que aprendemos ali foi: temos que nos preparar para não ser o fim do mundo alguém querer mudar aqui alguma coisa. Hoje em dia, os nossos gestores de projetos têm o objetivo de perceber o que o cliente quer e ver além daquilo que o cliente quer e como é que nós conseguimos que a app seja ainda melhor. Começou em 2016 com o Congresso de Cardiologia esta flexibilidade. UM WHITE BOARD QUE MUDOU O CURSO DOS ACONTECIMENTOS Esta flexibilidade de que fala foi importante durante a pandemia? Talvez um marco ainda maior, até de estabilidade financeira da empresa e de crescimento, foi a pandemia. Em março de 2020, nós tínhamos 20 apps mobile, que era a única coisa que fazíamos na altura, de eventos que aconteciam naquele mês. Foram cancelados e fomos de 20 para zero. Na altura, não éramos quantos somos agora, mas já não éramos poucos e foi extremamente preocupante, até porque tínhamos uma decisão a tomar: as apps de março de 2020 já estavam feitas, como é que lidamos com os clientes? E ainda mais pressão financeira se colocou na altura quando tomamos a decisão de que não íamos sequer insistir, não íamos fazer parte do problema: vamos dizer que elas estão em stand‑by e, se organizarem o evento outra vez, nós adaptamos o que for preciso na nova fase. Tivemos um momento em que dissemos: não sabemos se as apps voltam, o que é que vamos fazer? O maior ponto de sorte foi que, um ano e meio antes, tínhamos feito um trabalho, por causa de um projeto, de passagem da maior parte das coisas da nossa mobile app para uma versão web, ou seja, a nossa app podia ser utilizada num browser. E esse trabalho, agora olhando para trás, foi o que nos salvou, porque era colocar a app ao lado do streaming. Os eventos virtuais eram transmitidos, nós tínhamos 70% do ecrã atribuído ao streaming e era como se as pessoas estivessem a ver o streaming com a app ao lado. Isto era uma ideia que parecia incrivelmente básica na altura, mas a verdade é que com algumas das funcionalidades que nós tínhamos desenvolvido até ali percebemos: isto é capaz de fazer sentido num evento que seja online. E as primeiras vendas que fizemos foi de uma versão muito básica. Qual foi o primeiro evento que fizeram? Foi um evento corporativo, em maio [de 2020]. Eu estava numa situação muito diferente daquela de 2013, quando ligava: “olá, o meu nome é Miguel Carneiro, queria fazer uma app”. Em 2020, a ShakeIt já tinha muita gente com quem falar e toda a gente precisava daquilo que nós estávamos a resolver. Aquilo que nós fizemos, à semelhança do Human Body Congress, foi um Time to Grow is Now, que era uma app de demonstração. Foi muito fácil também fazer o paralelo para os congressos médicos, que quase que tinham que acontecer. Os congressos médicos têm uma grande importância na estabilidade financeira das associações e, portanto, têm que acontecer ou não há patrocínios. Muito rapidamente, e acho que isso também é importante dizer, porque justifica o crescimento da ShakeIt, tínhamos uma solução que fazia exatamente o que as pessoas precisavam. Entre setembro e dezembro de 2020, fizemos mais projetos do que aquilo que a nossa equipa conseguia suportar. WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 28 GRANDE ENTREVISTA Toda a gente que trabalhava na empresa estava ou fins de semanas ou largas horas a trabalhar e, quando estamos tão debaixo de água, não há sequer tempo para contratar. A contratação é um processo moroso, principalmente a contratação com pés e cabeça. Mal acabou o ano, fizemos contratações rápidas, com um bom critério. Depois de contratar as pessoas ainda tens de as formar para uma coisa que não é uma profissão que existe em todo lado: é mexer no nosso backoffice, num cargo em que é suposto perceber o que é que está por trás e o que é o evento, o que é que o cliente realmente quer. Foi um desafio, mas aquele ciclo natural para os eventos, ao longo do ano, também nos ajudou e depois, quando voltou a loucura outra vez, já éramos mais três pessoas, e depois no outro ciclo de eventos já éramos mais duas pessoas. Conseguimos respirar, conseguimos levantar a cabeça, costumo até usar muito esta expressão com a equipa, tivemos um ano em que fizemos muita coisa, mas nem conseguimos levantar a cabeça. E até tivemos um momento, quando ainda não conseguíamos contratar, em que aquilo que é a regra da ouro da ShakeIt, o cliente não pode ficar na mão, se podia ter comprometido. Estávamos tão sobrecarregados, para a equipa que tínhamos, que sou capaz de admitir que tivemos ali um período de três meses em que estávamos a fazer a coisa demasiado em cima da hora. Foi a primeira vez que me passou pela cabeça de que a coisa podia não funcionar, não por trabalho a menos, mas por trabalho a mais. E depois desse período complicado, mas ao mesmo tempo de crescimento, como é que foi regressar aos eventos presenciais? Prefiro, e sempre preferi, os eventos presenciais por causa daquilo que falta aos eventos virtuais, no ponto de vista da satisfação de quem os organiza. Eu não organizo eventos, mas sinto‑me envolvido com aquilo que é a base da organização dos eventos, a base tecnológica, e é muito diferente ver as pessoas a usar a nossa tecnologia. Voltar aos eventos presenciais significou também uma quebra no que estávamos a faturar nos últimos dois anos. Foi uma transição que, não vou dizer que foi muito difícil, mas foi uma transição à qual nos precisámos de adaptar. As pessoas que trabalhavam há um ano, um ano e meio na ShakeIt nunca tinham feito a gestão de projeto daquilo que é uma mobile app. Foi um novo processo de formação, tivemos de tirar Next >