< Previousalgumas soluções do baú, que eram muito estratégicas em 2019, mas que depois ficaram completamente abandonadas em 2020: as ativações para expositores, por exemplo. Agora, como é que eu me sinto pessoalmente? Lá está, eu gosto muito mais da lógica do balanço, e não estou a falar de eventos híbridos, estou a falar de eventos virtuais, aqueles que têm que ser virtuais, aqueles que fazem sentido que sejam virtuais, ou porque têm muita gente, ou porque têm pouca gente, ou porque têm pouca duração, acho que eles têm o seu lugar, mas acho que os eventos não são iguais ao resto do marketing, chamemos‑lhe assim, por causa da componente presencial ‑ e não é por causa da componente ao vivo, que os virtuais também têm. Sempre insisti muito na diferença entre virtual e digital, porque me parece que os presenciais também são digitais, e aquilo que é importante é que o presencial tenha cada vez mais a componente digital, ao ponto de, se as pessoas ao fim do primeiro dia tiverem que ir para casa, sabem que amanhã vão conseguir ver a gravação das sessões que não viram. Aquilo que sinto que está a acontecer, mas acho que ainda vai acontecer mais, é a poeira assentar nos sítios certos, ou seja, o mercado finalmente a aprender, ou a adaptar‑se, quais tecnologias é que encaixam onde, e não tudo virtual ou tudo presencial. Acho que é o que temos pela frente. E como é que vê agora o mercado? Há tendências que encontra muito claramente, como o last minute, por exemplo? Nós só vemos uma pequena parte daquilo que uma agência organizadora de eventos vê, e já ouvi de várias agências que as coisas estão a ser decididas mais em cima. Os clientes estão mais exigentes no que toca ao timing. Na parte tecnológica, isso não é tão importante. Claro que preferimos trabalhar com mais tempo, mas ao mesmo tempo também preferimos trabalhar num momento em que o processo está mais definido. É um bocadinho confuso para nós quando nos pedem para construir uma app quase um ano antes do evento acontecer e não está nada definido. A app é suposto encaixar em processos existentes, a plataforma virtual é suposto encaixar em processos existentes. Se nós entramos demasiado cedo, também acho que confunde. Mas não é raro dizerem‑nos na mesma semana, ou dizerem‑nos numa quarta‑feira que precisam para segunda‑feira. Não é raro, e não é bem um ponto de desconforto para nós. WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 30 GRANDE ENTREVISTA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E VELOCIDADE DA INTERNET Que tecnologias é que vão revolucionara indústria nos próximos tempos? Pareço um bocadinho um disco arriscado, mas tem a ver com a formação que tive e já há alguns anos que ando a dizer isto: A inteligência artificial vai ter um impacto que não é nos eventos, é na sociedade em geral. E acho que o salto, do ponto de vista da organização de eventos, vai, em primeiro lugar, estar na parte de conteúdos. Já vemos demonstrações, em muito pouco tempo, desde que chegaram os GPTs desta vida, de criação de imagens, criação de scripts, criação de vídeos, edição de vídeos. Desde a logística à tecnologia, aos audiovisuais, acho que nenhum destes está isento daquilo que é o impacto da inteligência artificial. Acho que outra das coisas, não tanto na minha área, mas que provavelmente vai impactar bastante, são as diferenças de velocidade. Tivemos aqui um salto exponencial na velocidade de internet e, se isto for traduzido para o dispositivo que cada um tem na mão ‑ e se calhar daqui a uns anos pode nem ser o smartphone, pode ser outra coisa qualquer, um smartwatch, uns Apple Vision Pro, seja o que for ‑, acho que nos eventos pode ter um impacto como teve por exemplo a Netflix. Nós nem pensávamos há uns anos que conseguíamos abrir o nosso smartphone e lá dentro tivéssemos a Netflix e conseguíamos ver, sem delay nenhum, um vídeo em streaming. O exemplo maior que dão são hologramas, mas acho que o que está por trás, não é o facto de serem hologramas ou não, é o facto de quase instantaneamente conseguires transmitir tanta informação para um pequeno dispositivo. Há de facto um grande potencial de criar experiências muito diferentes nos eventos. Mas também é um bocadinho cedo para dizer exatamente quais é que serão essas experiências. Acho que estas são duas das tendências que me passam pela cabeça. Na área da tecnologia, que é mais a minha área, temos recomendações, métricas que não são recolhidas explicitamente, mas sim implicitamente, e temos um enorme potencial para tirar novas informações de dados. Daqui a dez anos o que andará a fazer o Miguel Carneiro? Não tenho a certeza. O que eu gostava era de continuar a estabilizar a nossa presença neste mercado. O que é que nós vamos estar a fazer daqui a 10 anos, tenho quase a certeza de que não é aquilo que estamos a fazer agora. Por isso é que é uma pergunta difícil de responder, porque sem saber como é que vai mudar efetivamente, coloca‑nos aqui, ou coloca‑me a mim, que acredito nisto, num ponto em que aquilo em que me tenho que focar, e pedir às pessoas na ShakeIt para se focarem, é na atitude, na maneira como encaramos os problemas, como o fizemos durante a pandemia, como o fizemos em momentos difíceis, é flexibilizar um bocadinho a nossa resposta. Aquilo que eu tenho a certeza de que vai acontecer nos próximos 10 anos é que nós vamos ser confrontados com este tipo de ameaças. E, portanto, acho que o que eu gostava mesmo é que nós continuássemos ligados, se não aos eventos, à forma de ligar pessoas. É uma das coisas que me apaixonam nos eventos e naquilo que nós fazemos. Acho que um evento é muito diferente tendo ou não a nossa tecnologia, ou uma tecnologia semelhante à nossa. Liga mais as pessoas, dá‑lhes mais voz dentro de um evento, e gostava que a ShakeIt estivesse na mesma envolvida em fazer esta ligação de pessoas através da tecnologia. Para mim, pessoalmente, não sei. Nos últimos 10 anos o meu caminho foi muito de estar cada vez mais confortável em deixar que os problemas que eu queria resolver fossem resolvidos em equipa e acho que a tendência é cada vez mais essa. WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 32 GRANDE ENTREVISTA O que é que o motiva, no trabalho? Sou uma pessoa muito motivada pela tela em branco, de começar qualquer coisa de novo. E apesar de nós estarmos a fazer eventos há 10 anos, acho que conseguiria olhar para cada um dos anos e dizer isto foi aquilo que tivemos que aprender de novo. Aquilo que me dá um balão de motivação, é quando temos um projeto que é realmente um outlier em relação ao impacto que teve naquilo que foi o evento. “TEMOS AGÊNCIAS COM MUITA CORAGEM” E como é que avalia a indústria dos eventos em Portugal? Não quero entrar aqui numa lógica de há Portugal e há o internacional, cada país é um país e tem as suas coisas. Efetivamente nós temos muitíssima mais experiência no mercado nacional, mas notam‑se uma série de coisas. Uma delas é a antecedência com que se trabalha nos eventos. As agências com que trabalhamos são principalmente do Reino Unido, uma israelita, e temos algumas agências e alguns clientes finais que estão na Escandinávia. Há uma grande diferença na antecedência com que se trabalha para um projeto e também na importância que se dá à pré‑definição do projeto. O público também é diferente nos eventos. Noto que temos um público em Portugal que, olhando para as métricas, usa muito, mas contribui pouco. Basta nós termos um evento que não é em Portugal para vermos um live chat cheio, o mural cheio de fotografias, para vermos imensas questões colocadas através da app. Nota‑se que é uma questão de visibilidade, uma questão de quero estar visível ou não quero estar visível, porque nas funcionalidades que são invisíveis, como por exemplo o televoto, aí já não se nota tanta diferença. Também sinto que nós temos agências com muita coragem para fazer coisas diferentes e temos grande qualidade e capacidade de resolver problemas das nossas equipas de audiovisuais, em Portugal. Vejo também muito o conforto de imaginar coisas novas e de fazer eventos que não sejam só um ecrã num palco com uma pessoa a falar, mas fazer coisas que sejam realmente diferentes. Então durante a pandemia viu‑ se muito isso. Vi eventos virtuais claramente ambiciosos e acho que isso se passou mais em Portugal do que fora. Quando falo da antecedência com que se trabalha as coisas, para nós não é necessariamente bom trabalhar com tanta antecedência e com tanto formalismo. Beneficia‑nos não que seja em cima da hora, mas que seja ali num balanço com alguma antecedência, sem ser demasiado cedo. Por outro lado, demasiado formalismo, ou demasiada pré‑definição, não fala à nossa flexibilidade. Se tem demasiada pré‑definição e demasiado formalismo bloqueia a resolução mais espontânea de problemas. Quais são os vossos planos em termos de internacionalização? A minha crença, e a minha esperança, é que da mesma maneira que o Congresso de Cardiologia teve um efeito de cascata, que a nossa conquista do Kenes Group, que nos contratou 30 apps só num ano, tenha o mesmo efeito no que toca à validação da ShakeIt como um player para, pelo menos, congressos médicos, que é a área de atuação do Kenes Group. No imediato acho que vamos continuar a internacionalizar da mesma maneira que crescemos em Portugal, que é organicamente, numa lógica de passa a palavra e fazendo às vezes umas abordagens naquilo que faz sentido. Agora é muito mais difícil conquistar o mercado, porque da primeira vez o mercado português era um blue ocean, ninguém tinha apps, os eventos não tinham apps. Agora não há ninguém que abordes no mundo dos eventos em que não estejas a pedir‑lhe para abandonar o fornecedor atual dele. Portanto, é‑me difícil acreditar que consigo competir a nível de marketing com empresas que recebem investimentos de, estamos mesmo a falar de dezenas de milhões de euros, porque sim, porque acreditamos que vamos crescer 20%. Acredito que o espaço que para nós há no mercado é um espaço de ser diferente disto. É uma lógica de referência. Costumo dizer imenso à equipa que o nosso maior comercial, que dá 20 a 0 a qualquer outra coisa, são as apps que fazemos. Vejo as métricas disso, vejo as visitas ao site e que as visitas ao site são a partir do link que estava na app que nós desenvolvemos. Temos sempre crescido de forma sustentada e, voltando aos próximos 10 anos, eu não via a coisa a acontecer de outra forma. Acho que o crescimento tem que ser fiel àquilo que foi a ShakeIt nos últimos 10 anos, enquanto o mercado achar que faz sentido nós fazermos as coisas como fazemos hoje. Cláudia Coutinho de Sousa WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 34 GRANDE ENTREVISTA DEZ PERGUNTAS A MIGUEL CARNEIRO Viagem de sonho? América do Sul, de moto. Cidade para viver? Nova Iorque. Um restaurante onde gostas sempre de voltar? O Piolho. Tens algum hobby? Tenho o voleibol. Quem mais te influenciou neste teu percurso profissional? Steve Jobs. Dos muitos eventos em que estiveste envolvido, há algum que seja absolutamente inesquecível? Pensar Maior. Um ensinamento da pandemia? Há sempre uma solução. Que personalidade convidavas para jantar? Jim Morrison. Qual é a tecnologia que não dispensas? Smartphone. Rede social favorita? Neste momento, diria que é capaz de ser o LinkedIn.FORÇA E COMPETÊNCIA NO FEMININO Há uma forte representação feminina na indústria dos eventos, mas há segmentos dominados pelos homens – estruturas, som e luz são exemplos disso. O cenário está a mudar aos poucos, mas há ainda desafios para quem, em minoria, opera nessas profissões. irregulares e, muitas vezes, em período noturno” – tal pode ter “implicações familiares e sociais” que, especialmente para as mulheres, podem ser “difíceis de gerir”. A profissional do segmento de estruturas realça também o trabalho físico pesado. “É importante para uma mulher, tal como qualquer pessoa de estatura menor, ser perspicaz em identificar como pode ajudar de forma segura e adaptada às suas capacidades, quando se praticam tarefas que exigem mais força, mais altura, mais alcance. É importante cada um conhecer os seus limites e pedir ajuda; por isso, trabalhamos em equipas”, sublinha Inês Argêncio, que reconhece que a desenvoltura física é “um requerimento em determinadas tarefas” e que, no Alexandra Prezado, Inês Argêncio e Vanessa Carvalho são três mulheres que trabalham nos segmentos mais associados aos homens, talvez pelo esforço físico ou pelos hábitos já estabelecidos. Mas não estarão as mulheres à altura dessas funções mais técnicas? E que toque podem deixar as mulheres nesses universos masculinos? Foi o que a Event Point tentou perceber. “Acho que os principais desafios são também as razões que explicam não existirem mais mulheres a integrar as equipas técnicas no terreno”, afirma Inês Argêncio, que destaca três fatores. Um deles é a carga e a irregularidade de horários, “um desafio para qualquer trabalhador, pois exige a ausência em trabalho por muitas horas e até dias, assim como horários WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 36 DOSSIÊ TEMÁTICO capítulo da robustez, a maioria dos homens “tem biologicamente um avanço em relação à maioria das mulheres”. No seu caso, como apreciadora e praticante de desporto, gosta que o seu trabalho envolva tarefas físicas. Mais, “o desafio de arranjar estratégias para executar as mesmas, com menos esforço, torna‑se um exercício mental diário interessante.” Inês Argêncio enumera ainda o ambiente de trabalho essencialmente masculino, que poderá ser interpretado “como desajustado para a presença de uma mulher: do que se fala, em que tom se fala e com que linguagem”. E o desafio está, explica, em, “como mulher, marcar o suficiente a sua presença de forma a ‘suavizar’ o ambiente e se sentir sempre respeitada; mas, ao mesmo tempo, estar suficientemente integrada no companheirismo entre colegas para que toda a equipa se sinta à vontade”. No entender de Vanessa Carvalho, a área da iluminação está a ficar mais “equilibrada”. “Mas, mesmo assim, os homens ainda veem as mulheres desta área como frágeis”, comenta, esclarecendo que “a pior parte é quando estamos a dar um conselho e eles não dão ouvidos, porque ainda é difícil ouvir a nossa opinião”. Também Alexandra Prezado indica que “a maior dificuldade é a de duvidarem inicialmente das nossas capacidades e, não raras as vezes, não nos darem funções de maior responsabilidade”. De acordo com a técnica de som, “existe ainda uma certa reticência geral em Portugal sobre mulheres nesta área. E existe até pelo menos uma empresa que só contrata mulheres se não houver mesmo outra alternativa”.“AOS POUCOS, VÃO APARECENDO MAIS MULHERES” Alexandra Prezado e Vanessa Carvalho atuam nas áreas de som e luz, respetivamente, como freelancers. Será que, nesta condição, as oportunidades de trabalho são iguais? Vanessa Carvalho responde que sim. “Não sinto que tenho menos trabalho por ser mulher”, diz, adiantando que isso até pode ser uma vantagem, já que há muitos homens na corrida e as mulheres podem sempre destacar‑se. Por seu lado, Alexandra Prezado considera que as oportunidades acabam por ser iguais “quando já se é conhecido no meio”. Para as mulheres, “pode ser um processo talvez mais demorado, mas acredito que também parte de cada um fazer o seu caminho”. Assim, “aos poucos, vão aparecendo mais mulheres na área. Talvez no som ao vivo ainda seja a área com menos mulheres, mas acredito que, em poucos anos, já não se note tanto essa diferença”, sustenta Alexandra Prezado. No seu percurso profissional, e porque é freelancer, a situação de ser a única mulher em funções técnicas pode variar. “Em festivais já se encontram bastantes mulheres nas diferentes funções e existem algumas até como stagehands”, reconhece. Também na área da iluminação, já há algumas mulheres a desempenhar funções. “O que é ótimo. Espero que continue”, avança Vanessa Carvalho. Nos locais onde trabalha, já se vai cruzando com cada vez mais mulheres nas equipas, apesar de não ser algo habitual. No que toca às estruturas, e embora esteja há pouco tempo neste segmento, Inês Argêncio já se apercebeu de que, a nível nacional, não são muitas as mulheres envolvidas no trabalho técnico. “Somos ainda poucas, principalmente comparado com o panorama internacional, em que o envolvimento das mulheres nesta área é muito mais relevante”, aponta. WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 38 DOSSIÊ TEMÁTICO Inês Argêncio é a única mulher operacional a integrar a sua equipa na Europalco. Frisa a simpatia e a disponibilidade com que os seus colegas a tratam, mas a profissional quer acreditar “que todas estas ‘vantagens’ acontecem por ser simpática e boa colega, não por ser mulher”. As duas únicas vantagens efetivas são o facto de se conseguir distinguir entre os seus colegas e todos saberem quem é; e também de toda a equipa saber de quem são “as ferramentas marcadas com fita cor‑de‑rosa”. Como desvantagem aponta a falta de cumplicidade feminina que faz falta em certas situações. “ATÉ PODEMOS SER FLORES, MAS SOMOS FLORES DE LUTA” Apesar de ainda haver muito preconceito, Alexandra Prezado não considera que “as mulheres e os homens sejam diferentes ou que possam acrescentar algo de novo ou de melhor à profissão. Somos, sim, todos diferentes enquanto pessoas e, como tal, individualmente é que temos algo a acrescentar, dependendo das características de cada um de nós”, sustenta. Para Vanessa Carvalho, nestas profissões mais masculinas, as mulheres podem reforçar pela positiva os aspetos de “organização, respeito e cuidado”, mesmo que estes já existam no meio. Por seu lado, Inês Argêncio crê que “as mulheres podem trazer aquilo em que são diferentes”. E explica: “A sua sensibilidade traz uma perspetiva completamente diferente, por isso, é muito importante e extremamente útil a perspetiva feminina; torna mais completo qualquer processo de trabalho”. Além disso, as mulheres cuidam dos outros e preocupam‑se com o bem‑estar. Mas, acima de tudo, as mulheres conseguem “dissolver um pouco o ambiente carregado de testosterona que se vive no terreno, bastando para isso apenas estar presente”. De acordo com Inês Argêncio, “trabalhar na produção de eventos é uma vida desafiante” – não uma profissão, mas uma vida. Mas é, sem dúvida, atrativa.Next >