Pedro Santos Costa: “É altura de começar a recusar determinado tipo de coisas”

Entrevista

09-06-2023

# tags: Eventos , Meetings Industry , Eventos corporativos , Prestígio for Brands

No ano em que a Prestígio comemora 30 anos de atividade, entrevistámos o CEO Pedro Santos Costa.

Da conversa transparece um nítido ‘amor’ pela área dos eventos, o que não o impede de identificar os principais problemas que a indústria enfrenta: o comportamento dos clientes, as dificuldades de contratação, a falta de mão de obra, entre outros.

Como é que o formado em gestão agrícola chega à área dos eventos?

É de facto engraçado e cria perplexidade em muitas pessoas. Sempre tive muita curiosidade pela área da publicidade e da comunicação, mas por uma questão familiar, também, enveredei por este curso, um bocadinho no sentido de ajudar a família na altura. Depois cheguei a um ponto em que percebo que não é de facto o meu caminho, não era isso de que realmente gostava.

Nunca fui empurrado pela minha família para fazer aquilo que fosse, foi uma opção minha, os meus pais sempre me deram essa liberdade. Sempre fui empreendedor desde miúdo. Aos 17 anos vendi enciclopédias porta a porta, enquanto estudava, depois fui para a agricultura, mas de facto a minha tendência na altura era a publicidade, ainda não se usava este termo de comunicação 360. De uma forma natural criei a minha empresa e fui devagarinho.

Comecei do zero, praticamente sem dinheiro, foi com a ajuda de muitos amigos, e abri o nosso primeiro escritório na rua do Arsenal, portas meias com uma frutaria. Começámos como uma agência de hospedeiras e motoristas.

O que é que trouxe desse curso de gestão agrícola que pôde aplicar na área dos eventos?

A gestão. Claramente a gestão ajuda‑me muito neste negócio. Em 1993, aquilo que existia no mercado, em termos de agências de eventos, era muito pouco e, na grande maioria das vezes, faziam contas de merceeiro e algumas vezes chegavam ao final dos eventos a perder dinheiro. Eu vi isso em alguns dos meus concorrentes, com quem tive algumas parcerias. Isso não pode ser. Do ponto de vista da gestão, temos que perceber muito bem o nosso caminho, temos de ser muito rigorosos com as nossas equipas. Há uma coisa que todas as equipas aqui dentro sabem: não estamos aqui para perder dinheiro, não vamos a nenhum concurso a perder dinheiro. Esta empresa é uma empresa que se faz para ganhar dinheiro. Se chegarmos ao final do ano e não tivermos logrado isso, alguma coisa está a correr mal. Portanto, esse rigor da gestão trouxe-me skills muito importantes para começar a traçar todo este caminho. E é isso que eu todos os dias tento incutir nas minhas equipas: rigor, profissionalismo e amor. Porque nada disto se faz sem amor e sem gosto por esta área.

Fundou a Prestigio há 30 anos…

27 de abril de 1993. E, no dia 3 de setembro, desse mesmo ano, abro uma discoteca, que durou oito anos. Ela ainda existe, hoje em dia está alugada. Fui experimentando várias áreas.

E destes 30 anos, quais são os momentos mais marcantes do percurso?

Começámos como uma agência de hospedeiras e motoristas e foi esse percurso que nos trouxe muitos ensinamentos e muita experiência do que era fazer eventos. Chegou a uma determinada altura em que percebemos que tínhamos de dar um salto. Estamos a falar de 1996 para 1997. Começámos a perceber que os clientes nos pediam consultoria. E, nessa altura, dissemos, espera aí, estamos aqui a dar consultoria de borla, nós sabemos fazer isto. Por que é que não vamos começar a fazer? Portanto, 1996-97 é, de facto, um marco.

Depois, de 2008 para 2010, há uma transformação grande na agência do ponto de vista criativo, ou seja, dotámos a agência com criatividade, que normalmente íamos buscar lá fora. E fizemos isso porque o mercado mudou completamente. Não era só juntar um catering, um espaço, algumas hospedeiras, fazer o evento. Tínhamos que ir muito mais além disso. Começáva‑se a falar em storytelling. Houve um rebranding muito importante na empresa. Até à altura, a imagem era muito institucional, muito cinzentona. Em 2010, começámos a introduzir cor, não só na imagem da empresa, mas também em tudo aquilo que fazíamos. Acho que aí é, claramente, um outro marco.

E depois, talvez há seis anos, agora não posso precisar exatamente a data, iniciámos o nosso trajeto nos grandes eventos. Até aí tínhamos estado muito centrados nos eventos médios, pequenos e médios. Íamos até às 700, 800 pessoas, mais coisa ou menos coisa. E, nessa altura, entrámos no segmento dos eventos maiores. Começámos com um evento de 4.500 pessoas, de que obviamente não me vou esquecer, porque é sempre o primeiro. Depois percebe‑se que é tudo um bocadinho igual, mais ou menos. Ou seja, o trabalho não se multiplica pelo número de pessoas. Longe disso. E acho que são as três grandes datas da empresa.


Do ponto de vista psicológico foi muito exigente”

É inevitável falar no assunto, porque nestes 30 anos de atividade da Prestígio, conta-se também uma pandemia. Como é que a Prestigio geriu esse período complicado? E já foi possível recuperar as perdas?

Claro que tivemos perdas, porque houve aqui uma quantidade de anos que não se faturou aquilo que estávamos a faturar em 2019. Do ponto de vista de equipas, consegui manter as equipas todas, mesmo sem ter muito para fazer. Tinha um dever de as manter o mais saudavelmente possível, também do ponto de vista mental. Porque mais do que as perdas de dinheiro, as perdas de trabalho, as perdas de faturação, a ausência do contacto com as pessoas, do ponto de vista psicológico foi muito, muito exigente. E eu não poderia deixar que esta minha equipa, que tanto me ajudou nos anos anteriores, se fosse abaixo de maneira nenhuma. As pessoas foram, claramente, a minha primeira preocupação. Acho que todos eles, hoje em dia, têm esse reconhecimento para comigo. Mas eu também tenho que lhes agradecer muito, porque eles também tiveram uma grande preocupação para comigo. Acho que foi aqui uma equipa, uma task force importante do ponto de vista humano. E acho que esse deve ter sido, claramente, para mim, o que mais ressalta da pandemia.

O trabalho foi-se fazendo, porque nós somos gestores de eventos. E o gestor de eventos, uma das coisas que tem que ter claramente é jogo de cintura. E isto era uma situação que exigia jogo de cintura. E exigia reinventar, exigia uma solução diferente daquilo a que nós estávamos habituados.

E exigia que o evento continuasse. Porque, no fim de contas, isto é um evento. E este evento teve um contratempo. Tivemos que passar por cima desse contratempo e arranjar soluções para ele. As soluções todos nós sabemos: foram os eventos híbridos, o redimensionar dos eventos em determinadas alturas, reagir com clientes em 24 horas, os eventos digitais, as infindáveis reuniões em Teams que se tinham na altura. Estávamos das oito da manhã até às oito da noite de reunião em reunião em Teams, o que é muito exigente do ponto de vista psicológico. Acho que foi uma pressão muito, muito grande.

O que é que o ainda motiva no seu trabalho?

Tanta coisa... É tão bom todos os dias estar a fazer coisas diferentes, pensar diferente, arranjar soluções diferentes. Ter uma equipa fantástica que me apoia incondicionalmente em todos os momentos. Arranjar motivação para eles todos os dias, arranjar coisas novas, manter a alegria no trabalho, que é tão importante. É um trabalho muito exigente. As pessoas que trabalham em eventos trabalham muitas horas, muitos dias, muitas noites. E as famílias destas pessoas acabam por sofrer de alguma forma. Temos que arranjar motivação e alegria. E é isso que nós temos aqui dentro da empresa. Acho que é uma equipa motivada, com muita alegria. E é isso que me leva a continuar a subir degrau a degrau. Nunca tive a ambição de ter uma agência grande, porque quero continuar a fazer fé de tudo aquilo que se passa aqui dentro. Não fazer tudo. Houve uma altura em que sim, em que eu fazia tudo. Acho que, hoje em dia, como líder, já consigo delegar praticamente tudo. Apesar de estar em todos os eventos, pelo menos na grande maioria consigo estar, ou faço por estar, já sei que esta equipa maravilhosa que tenho faz tudo sozinha. Já não precisa muito de mim.

E, por contraponto, o que é que o cansa neste setor, neste trabalho?

Acho que estamos a entrar aqui numa espiral esquizofrénica. Ainda no outro dia conversava com um concorrente meu -gosto muito de falar com os meus concorrentes, acho que tenho muito a aprender com eles –, que não sei onde isto vai parar, sinceramente. Quando recebemos um briefing hoje, às cinco da tarde, para entregar uma proposta para um evento amanhã, às 10 da manhã, o que é que os clientes querem com isto? Julgam que temos propostas na gaveta? Que é tirar uma proposta, mudar o logotipo e entregar-lhes? Sinceramente, não sei. E isto são aqueles briefings impossíveis que não se mandam a uma agência. Mandam-se a oito agências. O que é que respondemos a uma pessoa destas? Isto é um total desrespeito pelas pessoas, pelos parceiros de trabalho e, sobretudo, por uma profissão. É um desrespeito. E, quando isto acontece da parte do cliente, deixa-me muito triste. Cada vez menos o cliente valoriza o nosso trabalho. O preço está cada vez mais em cima da mesa. Um outro concorrente meu, no outro dia, disse uma frase que eu não vou esquecer e que é muito verdade. Vamos a um mecânico pôr o nosso carro a fazer a revisão, pagamos 60 euros por hora de mão de obra. E, quando nós pomos nos nossos orçamentos a mão de obra de um produtor executivo, dizem que é caro? Normalmente, e segundo aquilo que eu sei, não chega nem a metade daquilo que um mecânico de um automóvel cobra! Que valorização é que os clientes estão a fazer das agências de eventos hoje em dia? Acho que é um ponto em que nós devemos refletir muito. É um trabalho criativo. Por que é que só as agências de publicidade cobram a sua criatividade? Uma criatividade numa agência de publicidade é diferente da nossa? Eu não vejo onde é que existe essa diferença. De facto, o nosso setor, a nossa profissão nunca foi muito valorizada. Acho que temos que ser nós, agências, a pôr um travão nisto. Agora, há sempre alguém que vai fazer. Só que o problema é que esse alguém, normalmente, não paga seguros de responsabilidade civil adequados, não tem um espaço para juntar pessoas, um escritório com condições, não paga licenciamentos de softwares, etc. Enfim, podia estar aqui a dizer um rol de coisas, mas o problema é esse, é que vai sempre haver alguém que vai fazer. E vai haver um momento em que vai correr mal. Cabe ao cliente avaliar se, de facto, está a ir pelo caminho certo ou não. Esta é uma fase ótima para os organizadores profissionais de eventos conseguirem separar o trigo do joio. Julgo que o mercado está a funcionar bastante bem, estamos todos, de uma forma geral, felizes com o trabalho que estamos a desenvolver e com aquilo que estamos a fazer. E é uma altura de começar a recusar determinado tipo de coisas.

Como é que o Pedro é, enquanto líder?

Hoje em dia acho que aprendi a delegar, a responsabilizar e a exigir aquilo que as pessoas devem fazer no dia a dia. Mas vamos lá ver, eu ainda não consigo fazer isto a 100%. Estou quase lá. Criei esta agência há 30 anos, costumo dizer que é a menina dos meus olhos. E é difícil largar as coisas assim de repente. Quer dizer, não é de repente (risos), tudo isto foi um processo. Este processo começa talvez há 10 anos. Acho que saber orientar as pessoas, dar-lhes conselhos, saber ouvir -que era uma coisa que eu raramente fazia-, porque nem sempre nós temos razão e temos que saber ouvi-las, seguir as intuições dessas pessoas, que também não é um processo muito fácil para um senhor já com alguma idade nesta área (risos). Mas é um processo de aprendizagem. E claro, depois saber responsabilizá-las e saber exigir. O líder tem que ser uma pessoa capaz de dar e de receber. Hoje em dia sou CEO -eu não sou CEO nenhum, eu sou como eles. Estou no mesmo campo de batalha que eles. Se for preciso varrer, eu varro. Se for preciso apanhar os papéis do chão, eu apanho. Exatamente da mesma forma que eles o farão. Temos que ser todos uns para os outros. Eles podem estar todos a remar, mas se eu como timoneiro não souber dar a melhor direção ao barco, não vamos chegar a lado nenhum. Podemos entrar ali numa tempestade e afogarmo-nos. Da mesma forma que se eles não remarem, também não vamos a lado nenhum. Portanto, nós dependemos uns dos outros. E temos que estar sincronizados. E temos que nos ajudar e motivar uns aos outros.

É fácil conciliar a vida pessoal e a vida profissional? Que estratégias é que usa?

Só com uma mulher extraordinária como eu tenho. Sem uma mulher extraordinária, não dava. São muitas horas, são muitas privações. Mas lá está. Não gosto de usar a palavra compensar, porque acho que não temos que compensar absolutamente nada. Nós escolhemos uma vida, escolhemos um rumo e temos que assumir esse rumo. Não tive tanto tempo com os meus filhos, não os acompanhei tanto no seu trajeto? Não. Tens pena? Tenho. Estou arrependido? Não. O tempo em que eu estava com eles, estava a 100%. Portanto, é aproveitar os momentos. Isso não é só com os filhos, não é só com a família. É em tudo, não é? Tive, na pandemia, um aneurisma, e safei-me. A partir desses momentos, começamos a olhar para as coisas de uma forma... muito diferente. A aproveitar a vida de uma forma mais intensa. Se calhar mais real. Com mais força, com mais genica. Eu acho que os meus filhos não me criticam por isto, porque, no fim de contas, creio que eles têm orgulho no pai que têm. Eles já me disseram isto. E isto vale tudo. Estão a tirar o seu curso, têm 21 anos... tenho trigémeos…

...trigémeos????

Sim. É verdade. Tenho dois rapazes e uma rapariga. A rapariga tira fotografias e anda no mundo das artes. Mas aqui, a Sara ou a Ana contratam-nos a eles para os eventos, mas não é para hospedeiros. Vão carregar caixas, acartar ferro e essas coisas todas. Que é para perceberem o que é que custa. Um deles está em Gestão de Marketing, o outro está em Economia. O de Gestão de Marketing pode ser que passe por cá.


O problema da contratação

Hoje em dia quando contrata, que tipo de perfil procura? Recentemente estiveram em processo de recrutamento…

Esse acho que pode ser um dos grandes problemas que hoje temos no nosso setor: contratar. A formação que existe na nossa área, continuo a achar que é pouca. Sei que há três ou quatro coisas que estão a ser bem feitas. Mas a grande maioria não. Ok, são umas bases, mas isto é outra coisa. É como um cirurgião, um médico leva cinco anos a formar-se, mas quando agarra no bisturi ao sexto ano e começa a abrir uma barriga e olhar para dentro, é todo um mundo novo. Aqui é mais ou menos a mesma coisa.

Procurávamos pessoas que tivessem experiência com eventos de média, grande dimensão. Não foi fácil encontrar, mas já encontrámos. E agora vamos continuar a contratar, mas já mais juniores. De várias áreas. Porque aquilo que temos visto no mercado é que existe o arquiteto que não gosta da arquitetura e quer vir para os eventos. Existe o tipo que esteve a tirar gestão hoteleira que, afinal, quer vir para os eventos. Ou seja, há aqui uma quantidade de pessoas de várias áreas no mercado dispostas e com vontade de vir para os eventos. E isso acho que é muito bom para nós, porque nos traz conhecimentos de várias áreas, diferenciadores, e que vão agregar conteúdo às nossas equipas.

Agora a próxima fase vão ser trainees para nos ajudarem e para irem aprendendo. Agora há um problema. A miudagem de hoje em dia é muito volátil. Aquilo que nós investimos aqui dentro das agências a ensinar e a formar, e toda a experiência, todo o know‑how passado, três ou quatro meses aparece-lhes um outro trabalho em que lhes dão mais 50 euros, eles gostam mais, e vão-se embora. Não é exclusivo da nossa indústria, é um problema que é completamente transversal em todas as áreas. E há outro problema: querem trabalhar de forma remota. As minhas equipas não têm horário. Não lhes exijo qualquer tipo de horário. Entram aqui no escritório à hora que querem e saem à hora que querem, ou à hora que podem. Têm a liberdade para ficar em casa quando quiserem. Agora, todos eles sabem a minha opinião: é que em casa, um dia de vez em quando, sim, porque preciso de estar concentrado, preciso fazer uma reunião qualquer, ou preciso de estar todo o dia falar com fornecedores.

Agora, todos nós perdemos muito em estar em casa, porque o processo criativo faz-se em conjunto. O processo criativo carece de trabalho em equipa. E esse trabalho em equipa, em Zoom não dá.

Mas vê como importante contratar pessoas mais jovens para, por exemplo, fazer face aos novos desafios em termos de comunicação?

Claramente. É fundamental termos sangue novo e gente jovem nas equipas. Nós precisamos deles, porque o nosso cliente também é um cliente mais jovem. As coisas evoluem. Ou seja, não evoluem só na nossa casa, mas também evoluem na casa dos outros. Os nossos clientes também têm colaboradores e clientes mais novos. E isso é a parte importante. Não tanto a estrutura e a logística, mas o output do evento. Acho que esse output vai ter que nos ser dado por esta gente mais nova.

Como é que olha para o resto de 2023 em termos de eventos? O ano está preenchido?

É claramente o ano com o maior número de propostas, não só em número, como em valor. Muitas cairão, naturalmente, há outras que vão ficar. Temos claramente o primeiro semestre com os objetivos todos cumpridos e ultrapassados, em 30% se não estou em erro, o que é bastante bom, e uma perspetiva para 2023 boa. Agora, com uma quantidade de pedras no caminho, pedras do ponto de vista de produção, pedras do ponto de vista de preços, estamos a assistir a uma escalada de preços que é inacreditável, muito por culpa da falta de mão de obra. Vou dar-vos um exemplo, um autocarro que nos custava entre os 400 e os 600 euros, hoje em dia pedem-nos 900 a 1300 euros.

E é possível refletir isso no preço que cobram ao cliente?

É a única forma. Se o cliente não quiser pagar, tem bom remédio, vai ele à procura das camionetes, que não as há. A realidade é que não há. Nós temos uma coisa aí para junho, precisávamos de transportar à volta de 1.900 pessoas, e não há camionetes no mercado. Ou melhor, camionetes há, não há motoristas para as conduzir. Eu já disse ao cliente, não sei como é que vamos lá pôr as pessoas. Virei o mercado todo de uma ponta à outra. Neste momento, das 1.900 pessoas, tenho 1.000 pessoas com transporte assegurado. Este vai ser, de facto, o nosso grande desafio.

Teme que isso ponha em causa a qualidade dos eventos de uma forma geral?

Claro que sim. Veja-se a falta de meios técnicos, por exemplo, na área de audiovisuais. Veja-se a falta de empregados de mesa. Porque cada vez que vejo agora empregados de mesa, assusto‑me, porque não têm a noção do que é que andam a fazer. Nós trabalhamos com quatro ou cinco empresas de catering de uma forma regular, umas para umas coisas, outras para outras. E, de uma forma geral, temos confiança e sabemos o output do trabalho deles. E confiamos neles. Aquilo que vemos agora, são profissionais que não são profissionais, estão ali de paraquedas.

Mas eu percebo os fornecedores de catering porque também não têm disponibilidade. Da mesma forma que percebo que não tenho camionetes porque não tenho motoristas, eles também não têm pessoas melhores porque não as há. Portanto, estamos a perder qualidade. No setor dos audiovisuais, idem. Estão permanentemente a recrutar pessoas. Não é só culpa da pandemia.

Era um fenómeno que já vinha de trás…

Era um fenómeno que já vinha de trás e agravou-se de uma forma drástica com a pandemia.

A forma como este setor gere os recursos humanos, não acho que seja a mais correta. E viu-se na pandemia, viu-se que houve muitas pessoas a sofrer com isso. Ou seja, contratam na necessidade. Não contratam de uma forma correta, do meu ponto de vista. E depois, quando deixam de ser necessários, desaparecem. Acho que essas pessoas se fartaram um bocadinho. Porque têm mulher, filhos, sobrinhos, têm uma vida própria. E têm que saber com o que é que contam no dia a dia. Esta indústria não pode ser só trabalho. Nós não passamos neste mundo para passar 24 horas a trabalhar. Nós temos os nossos amigos, as nossas mães, os nossos pais, os nossos irmãos, a quem cuidar. Esta vida não pode ser só trabalho. Tudo aquilo que vemos em termos de festivais, de concertos. É tudo a recibo verde. E depois, como é que essas pessoas vivem? Numa falha, como aconteceu na pandemia, muitas delas mudaram de vida, como nós sabemos. Não estão para isso. Também não sou apologista da estabilidade a 100%, porque quem está estável normalmente acomoda-se. Gosto muito pouco das pessoas acomodadas. Nesta empresa, todas as pessoas são comissionadas. Não só pelo trabalho que desenvolvem, como o trabalho que a empresa no seu total desenvolve. Todas têm comissões de produtividade.

Acho que o nosso grande problema vai ser a mão de obra. E há alguma falta de qualidade.

Também na origem desse problema com os fornecedores está o facto das confirmações estarem a ser em cima da hora. Não só os briefings são para amanhã, mas também depois o tempo de execução é cada vez mais curto…

Mas acho que isso é um outro problema. Um é a falta de mão de obra, do ponto de vista de produção, etc. Outro problema é a nossa relação com os clientes. Volto a dizer, a culpa é nossa, não é?

Um cliente que nos dá um briefing para fazer um evento daqui por um mês para mil pessoas, nos dá uma semana e dois dias para apresentarmos uma proposta. Diz que responde uma semana depois. E passou um mês e ainda não respondeu. Há qualquer coisa que não está bem aqui. E quando responde, passado um mês, já só faltam 15 dias para implementar o evento. Ou uma agência lhe diz na cara que não faz o evento, ou então ele vai continuar a fazer isso e muito pior. Estamos na altura certa para tentar de alguma forma regular um bocadinho. Não é no sentido de regulamentação, mas de educar um bocadinho os nossos clientes. Mas como é que você vai dizer uma coisa dessas a um cliente que é seu cliente há 10 anos? É muito difícil.

Porque depois também se arrisca a não ter fornecedores que façam o seu evento…

Não ter fornecedores e capacidade interna de os produzir. As equipas não são elásticas e não se multiplicam de um dia para o outro. É um mercado difícil, uma indústria muito difícil. Mas nós estamos cá. Se nós não tivéssemos o jogo de cintura não estaríamos nesta indústria. Só cá está quem gosta muito disto.

Essa transformação, “educação” do cliente, é um trabalho isolado de cada agência ou devia ser uma atitude mais concertada?

Há muitos anos, a Prestígio e mais três ou quatro agências de eventos criámos uma associação dos organizadores profissionais de eventos. Chamava-se na altura AOPE. O facto é que nunca tivemos muito apoio das agências. Acredito no associativismo quando é um associativismo profissional. Ou seja, as pessoas que estão lá a trabalhar têm que ser bem remuneradas, têm que tentar saber o que fazer. Uma associação não vive por si só com os sócios a darem uma perninha ao final do dia. E basicamente foi isso que aconteceu. Nunca se fez nada. Falava-se de um certificado de qualidade para as agências de eventos. É uma coisa que é relativamente simples de se fazer, mas nunca ninguém o fez. Culpa minha também, porque também estava lá e não me lembro de fazer. É necessário que as pessoas conversem umas com as outras? É. É necessário. E quando estou a dizer umas com as outras não é só do ponto de vista das agências, é do ponto de vista de toda a cadeia de produção. Todos os nossos parceiros de negócio -não gosto de chamar muito fornecedores, porque eu sem eles também não era nada -, as agências que estão no mercado, se quiserem juntar os freelancers, juntamos os freelancers, mas o cliente tem que estar metido nisto. A desvalorização que está a ser feita à nossa profissão, hoje em dia, é gigante. E sobretudo agora com esta escalada de preços. O facto é que os nossos parceiros também subiram os seus preços. A mão de obra teve uma escalada brutal. O nosso cliente não entende isso. O que quer é que se desenrasque o problema, mas depois quando chega lá o valor, nem pensar nisso.

Eu continuo com as minhas margens. Não aumentei. Com a inflação não estou a ganhar mais. Aquilo que me põem no orçamento é aquilo que eu passo para o cliente. Se o cliente pode pagar ou não, não sei. Mas que da parte do cliente existem também problemas em termos orçamentais, existem. E depois há a pressão connosco. Não podemos ser um saco de pancada para tudo. Temos que pagar os ordenados às equipas, para elas poderem estar com as famílias e alimentar as famílias e viver a vida.


Mudanças em curso

Onde é que vê os eventos a mudarem daqui para a frente? Mais em termos de tecnologia, nos formatos?

Acho que eles têm que mudar em vários níveis e em várias áreas. Sim, vão mudar em tecnologia, isso parece-me mais do que óbvio. Aliás, eles têm estado a mudar durante todos estes anos em tecnologia. E vimos alguns parceiros a investir agora há relativamente pouco tempo, investimentos importantes do ponto de vista tecnológico para os nossos eventos. Mas vejo-nos a evoluir em termos conceptuais, a evoluir em termos de envolvimento das pessoas. Aqueles eventos a que nós íamos, em que tínhamos sessões de trabalho durante um dia inteiro e depois ao final do dia tínhamos um cocktail, acho que isso está ultrapassado. Ou seja, nós não podemos maçar tanto as pessoas num evento. Acho que o evento tem que ter uma parte de trabalho, mas tem que ter uma forte componente lúdica. As pessoas levaram muita pancada nesta pandemia, e nesta fase. Já passou a pandemia? Não, não passou. Ela está cá. Ela continua a viver connosco. Muitas vezes nem damos por ela, mas ela continua a viver connosco.

Antes da pandemia, estávamos até à uma ou duas da manhã à conversa e a beber copos com os nossos amigos. Quantos amigos é que hoje em dia ficam em casa porque dizem que não lhes apetece sair? Habituaram‑se a estar em casa, habituaram-se a estar em família. E estamos a perder momentos de comunicação entre pessoas importantíssimos. Portanto, de alguma forma temos que agarrar nesses momentos que perdemos e imprimir uma velocidade e uma energia diferente nos nossos eventos. A parte fun tem que aumentar significativamente, em relação àquilo que era. Claro que temos que ter a parte técnica e a parte séria do evento, a parte comunicacional da empresa, aquilo que a empresa tem que passar aos seus colaboradores ou aos seus clientes, mas hoje em dia as pessoas estão ávidas da parte mais fun.

Até porque estiveram muito tempo afastadas do escritório…

Exatamente. Acho que isto não é uma tendência futura, é uma tendência que já chegou. Já temos muitos clientes a abandonar determinado tipo de formatos, uns por nosso conselho, outros porque já estudaram e já perceberam, sobretudo as grandes multinacionais, que têm todos esses dados muito mais apurados e muito mais estudados e que já vêm com um alinhamento completamente diferente. As festas de verão estão a proliferar por este país. Toda a gente quer fazer festas de verão.

Queria falar de um último tema que é o da sustentabilidade. Como é que os clientes o encaram?

Todos os clientes, mais as grandes multinacionais, as grandes empresas, estão cada vez mais preocupados e têm inclusivamente nos seus objetivos contribuir para essa sustentabilidade. Mas o problema é sempre o mesmo: não temos orçamento para isto. Na grande maioria das vezes, sim, existe essa preocupação, nós próprios também temos essa preocupação, cada vez mais. Temos em todos os eventos essa preocupação. Hoje em dia, somos nós próprios que aconselhamos o cliente a não fazer determinado tipo de coisas ou, eventualmente, investir um bocadinho mais em produzir coisas com um bocadinho mais de qualidade para que esses mesmos suportes possam ser reutilizados em mais eventos e durante mais tempo. E, quando tem esta lógica de vamos gastar um bocadinho mais e vamos reutilizar, é muito mais bem aceite. Quando é uma coisa de utilização única, o orçamento não dá para isso.

Oito perguntas a Pedro Santos Costa

Viagem de sonho?

Costa Rica e Japão.

Cidade para viver?

Lisboa, adoro Lisboa.

Um restaurante onde gosta sempre de voltar?

50 Maravilhas.

Tem algum hobby?

Vários. Motas e barcos.

Quem mais o influenciou no seu percurso profissional?

Claramente a minha mãe. Foi sempre uma pessoa que me apoiou e me incentivou em todos os momentos.

Dos muitos eventos que organizou, houve algum que tenha sido inesquecível?

Há muitos! Mas talvez esse primeiro evento da Caixa com 4.500 pessoas, pelo marco, pelo salto que a agência deu.

Um ensinamento da pandemia?

São tantos. Adaptação!

Que personalidade gostava de convidar para jantar?

Philip Kotler.

© Cláudia Coutinho de Sousa Redação

© António Camilo Fotografia

Fotógrafo
Diretor da Minifoto