Feiras: uma visão global com conclusões nacionais

Opinião

26-12-2023

# tags: Eventos , Feiras , Turismo de Negócios

O ambiente económico e as feiras têm uma relação de amor/ódio.

Quando o ambiente está bom, as feiras registam indicadores positivos, mas quando está mau surge a inevitável quebra em todos os indicadores. Ou seja, até apetece dizer que quando o primeiro espirra o segundo constipa-se.

Como contrariar esta suposta inevitabilidade é o que atualmente preocupa os organizadores de feiras em Portugal. Como em qualquer indústria, uma das ferramentas a que os gestores recorrem para auxiliar na tomada de decisões são os estudos que as associações setoriais efetuam, quer sobre a evolução global do mercado, quer identificando as tendências em termos de produtos e mercados.

Também nas feiras existe uma organização, a UFI – The Global Association of The Exhibition Industry que, desde 2009, com o início dos reflexos da crise no setor, tem vindo a realizar a uma escala internacional um inquérito designado “Crises Barometer”, com o objetivo de informar os seus associados da evolução de indicadores como: volume de negócio; lucro; perceção da crise económica; e prioridades estratégicas.

Trata-se de um documento que, pela dimensão da amostra (213 recintos de 56 países), já é bastante representativo. O facto de os resultados serem apresentados de forma consolidada por continente, leva a que possam não refletir cabalmente a situação de cada país. No caso da Europa, os resultados são influenciados pelos dados registados na Alemanha, Itália, Rússia e Turquia. Mas, como vamos poder ver, as conclusões, na sua maior parte, ajustam-se à nossa realidade.

Volume de negócio - Como prevê a evolução do seu negócio em relação ao mesmo período no ano passado?

A Europa registou 53% de respostas com previsão de crescimento. África e Médio Oriente apresentam 57%, Ásia e Pacifico 60% e as Américas 76%. O resultado da Europa é muito influenciado pelas previsões da Rússia (75%) e da Turquia (81%). Por outro lado, o resultado das Américas resulta de um crescimento significativo nos Estados Unidos da América (77%) e na América do Sul.

Lucro operacional – Como evoluíram os lucros em 2022 face a 2021?

Regista-se uma tendência generalizada para uma estabilização do lucro operacional. Mas o facto mais significativo é o de a Europa ser o único continente onde existem previsões de quebras superiores a 50% (2%), onde a previsão entre 11% e 50% é a maior (17%) e apresenta 5% de respostas prevendo resultados operacionais negativos, o que neste tipo de atividade é muito preocupante.

Por outro lado é nas Américas e na Ásia que se registam as previsões mais otimistas.

Perceção da crise – Qual o impacto da crise económica no seu negócio?

Apenas nas Américas se registam respostas que apontam para o fim do impacto da crise. Em todas as outras regiões, a maioria prevê a continuação do impacto negativo da crise no negócio. Com o decorrer do tempo, verifica-se que o número de empresas que prevê o fim do impacto da crise em 2023 foi diminuindo, passando de 44% em junho de 2022, para 33% em dezembro de 2022. Mas o mais relevante é que 36% prevê para 2024 apenas o fim do impacto, 23% prevê para 2025 e 8% só mais tarde! Também aqui a Europa regista as taxas mais pessimistas.

Negócio – Quais os principais aspetos que vão influenciar o seu negócio?

Perante esta questão, 80% das empresas identificaram como mais críticos os seguintes aspetos: estado da economia nacional/regional – 25%; incerteza da economia global – 21%; concorrência interna – 17%; alterações internas da organização – 17%.

Aspetos como alterações da envolvente (regulamentação, expectativas de clientes, etc.), concorrência de outros meios de comunicação, são também referidos, mas em menos escala.

Estratégia – Quais serão as suas prioridades?

Em termos de estratégia, o inquérito pretendia obter as tendências em termos de atividade e de localização.

Em todas as regiões, as empresas revelam vontade em lançar novos produtos/feiras, seja no formato tradicional, seja em eventos ao vivo ou virtuais. Nas Américas regista-se uma forte tendência para os eventos virtuais. Na Europa, 26% das empresas vai manter o mesmo “portefólio” de feiras, sendo que 39% pretende lançar novas feiras e 23% pretende desenvolver novos conceitos de eventos, nomeadamente virtuais.

Em termos de expansão geográfica, 54% pretende organizar feiras em outros países. Só na Ásia é que não se regista esta tendência. A Europa regista 58% de intenções.

Conclusão

Em termos globais as principais conclusões que este relatório retira são as seguintes:

Após três anos de previsões de crescimento de volume de negócio, a Ásia apresenta para 2023 previsões de redução, as quais ficam ao nível das da Europa e da África/Médio Oriente;

Por outro lado, as Américas, que registaram uma quebra no volume de negócios em 2022, apresentam previsão de crescimento para 2023 e são a primeira região do globo em que perto de 70% das empresas acredita que o impacto da crise termina em 2023;

Os aspetos económicos, tais como a incerteza e o estado da economia local, a concorrência local e os temas organizacionais internos (recursos humanos, formação, financiamento), têm sido os fatores que mais preocupam as organizações nos últimos anos;

A maioria planeia o desenvolvimento de novos negócios no âmbito da sua atividade (75%) e a expansão para outros países (54%).

Como já referi neste texto, estas são conclusões extraídas de um trabalho realizado à escala mundial e que deve ser visto como tal. Todavia, convém ter presente que cerca de 50% das respostas são da Europa, onde estamos integrados, e, como tal, devem ser tomadas em consideração.

Nesse sentido, e a terminar, apresento aquelas que na minha opinião podem ser as linhas de orientação futuras:

A primeira é a da adaptação do negócio a esta nova realidade. Redução de margens, reformulação da estrutura de custos (direcionar os recursos para onde mais falta fazem) e análise da concorrência, principalmente espanhola, são aspetos a ter em conta permanente.

A segunda reside na adaptação dos serviços disponibilizados à realidade atual. Assim, numa fase em que as empresas identificam como principal objetivo da participação na feira, a procura e/ou concretização de negócio é importante ampliar o “portefólio” de serviços a prestar, introduzindo o apoio à captação de visitantes, a promoção e realização de encontros de negócio, bem como o apoio à promoção das empresas.

A terceira incide na necessidade de se reforçar as parcerias estratégicas, visando o lançamento de novos produtos, com formatos diferentes. Fóruns especializados, com feiras temáticas é uma das vias.

Por último, a “exportação” dos produtos para outros países. Preferencialmente, deve fazê-lo com um parceiro e acompanhar as tendências do mercado. A decisão deve ter em conta, não só o mercado, mas também o produto.

As feiras podem, e devem, assumir um papel crucial na recuperação económica do nosso país. Só o conseguem se se ajustarem à realidade atual, modernizando-se e internacionalizando-se. Hoje, mais do que nunca, a união de esforços é vital e aqui surge o associativismo que tanto tem sido descurado, mas isso deixamos para outra ocasião.

© José Carlos Coutinho Opinião

Consultor em feiras e eventos

Linkedin