Jorge Matias: Uma vida “que se adora ou odeia… Eu fiquei apaixonado”

Entrevista

03-10-2022

# tags: Palcos , Eventos , Vida de Eventos

Jorge Matias é técnico responsável na Upalco, empresa que aluga e monta palcos e estruturas, e soma anos de experiência na área dos eventos. Uma vida pela qual se apaixonou há cerca de 30 anos.

Chegou a esta área “de uma forma muito simples”. E explica: “Em 1992, estava na Força Aérea como militar em regime de contrato e tinha necessidade de ter um trabalho extra. Chegou ao meu conhecimento que um companheiro de armas estava a tentar criar uma equipa de stage hands para trabalhar em eventos. E assim, com essa primeira experiência, começou a paixão por esta vida que se adora ou odeia...Eu fiquei apaixonado.”Passados tantos anos, há vários fatores que ainda o motivam. “O facto de todos os dias serem diferentes, o que faz com que não sinta a monotonia de um trabalho comum; também o superar os desafios que, por vezes, alguns trabalhos apresentam; e a qualidade que exigimos de nós enquanto empresa, que, por sua vez, aplicamos em todos os nossos trabalhos”, sustenta.

Essa diversidade do dia a dia é, efetivamente, uma das coisas de que mais gosta nesta atividade. Disso e da “sensação de gratificação ao começar um projeto de raiz e ver, após um período de tempo, todo o trabalho investido ser compensado ao testemunhar o resultado final”. No sentido contrário, do que menos gosta é da “desonestidade e falta de respeito de algumas empresas e pessoas”. E remata: “Infelizmente, somos a parte não visível do glamour que muitas vezes fica esquecida, mas sem as nossas e outras equipas nada se conseguia.”

“The show must go on”

São vários os eventos marcantes, pois, “felizmente, tive a sorte de participar e ajudar a realizar eventos de grande complexidade”. Mas na necessidade de destacar algum, Jorge Matias lembra o Festival da Eurovisão, que decorreu na Altice Arena, e ainda o evento mais recente que realizou, a Conferência dos Oceanos da ONU, também no mesmo espaço.

Tantos anos a trabalhar em eventos acumulam-se em memórias e histórias atrás de histórias. “Memórias tenho de todos aqueles que já colaboraram connosco, que ajudaram e que ajudam a percorrer este caminho que, muitas vezes, pode ser penoso e difícil. Tenho histórias suficientes para um livro”, refere, partilhando algumas com a Event Point.

Um momento “breve e engraçado” aconteceu durante um concerto dos AC/ DC no Estádio do Restelo, há alguns anos. “Ao entrarmos em palco para executar a mudança da banda de apoio, começou a chover torrencialmente. De repente, começamos a ouvir um burburinho diferente, que nos fez a todos olhar para trás. E, para nossa surpresa, o público aparentava ter desaparecido. No entanto, ao examinarmos com mais atenção, percebemos que, na verdade, eles tinham era levantado as alcatifas que cobriam o relvado para usá-las como abrigo -daí a ilusão de desaparecimento”, conta.

Um outro momento hilariante teve lugar no Campo Pequeno, durante um espetáculo de um cantor, há uns anos. No alinhamento, havia um momento especial planeado, em que entraria em palco uma convidada, para se juntar e cantar também uma música. “Esta aparição seria executada através de um alçapão, numa passerelle que saía do palco. Tudo elaborado e sincronizado”, frisa.

“Ao chegar a altura, é-nos dada ordem para abrir a passagem e, nesse preciso momento, a bailarina que executava uma coreografia graciosa em volta do cantor (que, por sinal, não era a mesma que estaria prevista para aquele momento), não sabendo da abertura, foi apanhada de surpresa, caindo direitinha no colo de um dos nossos colaboradores. Este, chocado com o imprevisto, só conseguia repetir: ‘Eu fiz o que me mandaram! Eu fiz o que me mandaram!’ O público solta um ‘UAU’, pois no momento em que a bela rapariga desaparece surge então a convidada, que começa a cantar.”E é nessa altura que, ao ver o que aconteceu, a emergência médica avança para o local. Mas é barrada à chegada pelo segurança, que lhes diz: ‘É mesmo assim! Eles andaram a ensaiar nos últimos dias’. “Claro que o mesmo disse isto sem nunca ter percebido o que realmente aconteceu. E é assim, ‘the show must go on’.”

Uma das coisas pelas quais Jorge Matias sente muito orgulho neste trabalho é o facto de nunca terem sido os responsáveis pelo atraso de um evento. No entanto, recorda um momento em que as coisas podiam não ter corrido como planeado. A situação aconteceu na montagem de um palco orbital de 21 metros, em Portimão, para uma festa de Fim de Ano.

“Nessa altura, segundo o Comandante dos Bombeiros de Portimão, fez o maior temporal desde os últimos 20 anos, o que nos causou bastantes dificuldades. A grua que nos dava apoio na montagem foi embora mal começou a trovejar; montamos a restante cobertura com uma plataforma elevatória -isto sempre com chuva torrencial; as micas da cobertura encolheram com o frio e não conseguíamos aplicá-las… No meio de todo este caos, o produtor do evento estava apenas preocupado com o detalhe do palco ainda não ter saia, o que não ajudou a levantar o espírito da equipa. Quando chegou a empresa de som e luz, eles começaram logo a montar e nós ainda estávamos a tentar colocar as micas…”, enumera.

“Mas, mesmo com todos estes contratempos, mesmo quando tudo parecia perdido, no final, o espetáculo começou a horas, sem mais percalços. E, no dia da desmontagem, para contrariar, estava um sol esplendoroso e o céu completamente limpo”, conclui.

© Maria João Leite Redação