Os bastidores: o outro lado dos eventos a três vozes
09-01-2025
# tags: Eventos , Eventos corporativos
O que o público não vê, o que os artistas não imaginam, o que os clientes desconhecem. Este lado escondido dos eventos é feito por centenas de pessoas que, na escuridão de um palco, em escritórios e no terreno, criam a ideia e a transformam em realidade.
Três profissionais de três empresas desvendam o que significa estar num evento, num tempo e num espaço diferentes, ainda sem luzes, mas já com muita ação.
Andreia Peres, diretora da Rock Creators Portugal, Inês Fernandes, Creative Team lead na Act.3 e Vasco Teixeira-Pinto, partner da Mossa, falaram com a Event Point sobre a importância do trabalho de bastidores, mas, sobretudo, de como é fundamental criar e agir em equipa em todas as etapas.
Falar de eventos é, inevitavelmente, falar das alterações de última hora, dos pedidos que surgem quando já está tudo praticamente pronto e que implicam, quase sempre, algum esforço.
Andreia Peres admite que, embora possam acontecer, “são bastante raras na véspera do evento”, porque os parceiros (as marcas presentes no Rock in Rio) seguem um processo muito bem estruturado, baseado num manual que funciona como o plano diretor da Cidade do Rock.
“O projeto de cada parceiro é entregue em duas fases: a primeira é o conceito e a segunda é o detalhamento arquitetónico e de infraestruturas, que são avaliados pela nossa equipa e pelos órgãos competentes. Apenas após a validação de todos os intervenientes é que se dá o sinal verde para a montagem. Este processo de prevenção minimiza as alterações de última hora”, sublinha. Os pedidos de alteração são, por isso, uma exceção à regra, que a equipa avalia para perceber se pode ajudar ou se vai comprometer a entrega da marca no festival.
Nos eventos da Act.3 as coisas passam-se de forma semelhante: “A nossa proximidade com as marcas cria uma relação de confiança, onde as expetativas são claras. Além disso, o facto de trabalharmos tão perto das equipas e de termos acesso direto a portais internos das marcas dá-nos um know-how valioso para oferecer soluções precisas, minimizando a necessidade de alterações. Essa proximidade também nos dá o conhecimento e a confiança necessários para, quando adequado, questionar determinadas decisões”, explica Inês Fernandes, lembrando que “alterações de última hora podem ter implicações orçamentais”.
Quando estas mudanças dizem respeito aos conteúdos a projetar, além da vantagem dada pelo facto de, muitas vezes, ser a empresa a fazer a criação e organização desses conteúdos, o “fator equipa” também é importante para resolver a questão: “Contamos com uma equipa especializada em design de apresentações e slides. Esta equipa dedicada permite-nos reagir rapidamente a mudanças, garantindo que as soluções sejam ajustadas de forma eficiente, sem comprometer a qualidade visual ou estrutura”.
Para Vasco Teixeira-Pinto, há um conjunto de fatores que dificultam a imposição de limites às alterações de última hora: “O português em geral é flexível, gosta de agradar. Por outro lado, os clientes portugueses por norma sentem que podem tudo. Para piorar a situação, os latinos têm uma tendência em protelar a tomada de decisão. O que quero dizer é que é muito difícil para uma agência em Portugal limitar o número de alterações. É muito difícil dizer que não. O nosso mercado é difícil e, por isso, temos medo de perder clientes ao dizer que não”.
Esta é, na sua opinião, uma situação que deveria mudar, mas que, ainda assim, a Faz Mossa consegue gerir bem: “Há clientes que são abertos o suficiente para se conseguir conversar sobre o tema. Hoje em dia, com os nossos clientes frequentes e mais antigos já conseguimos ter um processo muito mais tranquilo, onde conseguimos ter as coisas aprovadas a tempo. As exceções vão acontecer e estamos cá para resolver”.
Andreia Peres
Pain points e surpresas (quase sempre positivas)
Os pain points dos eventos são, para Andreia Peres, “desafios que devem ser encarados como oportunidades de aprendizagem, para que não se tornem desmotivadores”.
A este respeito, Inês Fernandes salienta o papel da combinação entre a experiência internacional, o conhecimento do mercado local e a rede de parceiros e escritórios em regiões estratégicas. Destaca ainda a elevada qualificação da equipa de gestão de projetos, o que permite “antecipar desafios e encontrar soluções proativas, garantindo que tudo decorre de forma fluída”.
Embora com experiências diferentes, os três profissionais já encontraram surpresas positivas e negativas quando chegaram ao terreno.
“As surpresas fazem parte de qualquer evento, pois, mesmo com todo o planeamento surgem imprevistos”, admite a diretora da Rock Creators Portugal do Rock in Rio, salientando que “é essencial manter a cabeça tranquila para resolver esses imprevistos de forma eficiente”.
“As condições climáticas são algo que não podemos controlar. Atualmente, enfrentamos uma instabilidade climática que, por vezes, resulta em chuvas ou ventos que atrasam a montagem e podem impactar as estruturas temporárias”, exemplifica.
Quanto às surpresas positivas, elege as que têm a ver com a reação do público: “Costumo dizer que o artista no palco é nosso colega de trabalho, pois o nosso foco está no público. A melhor surpresa é ver sorrisos e receber elogios pelo que criámos com tanto carinho”.
Inês Fernandes reconhece que em todos os eventos surge o momento em que se pensa: “isto teria sido melhor se tivesse corrido de outra forma.” “No entanto, olhando para trás, em muitos eventos, é reconfortante perceber que não tivemos incidentes verdadeiramente negativos com consequências graves para os nossos convidados ou para a equipa”, destaca.
Uma das maiores surpresas que teve está relacionada com o Mundial no Catar. Após alguma ponderação inicial – relacionada com as condições laborais e a questão da inclusão das mulheres no futebol – a equipa decidiu participar e aceitar um projeto na área da comunicação — um pequeno “reality show” para redes sociais, criado em parceria com a Adidas, que trazia à tona mulheres desportistas e abordava tópicos importantes sobre o futebol e a união de fãs.
“Quando cheguei ao Catar, confesso que tinha algum receio do que iria encontrar. Uma noite, durante as montagens, fui com um colega visitar uma área de produção de materiais que tinha sido alvo de comentários negativos. Havia uma certa hesitação em levar-nos até lá, o que me deixou ainda mais apreensiva. Porém, o que experienciei foi completamente diferente do esperado: acabámos por jantar com a equipa de produção, partilhando as suas tradições, rimos juntos sobre o projeto e criámos laços que ainda hoje mantenho”, recorda.
Para Vasco Teixeira-Pinto, um bom planeamento com algumas visitas técnicas ao terreno evita surpresas como: “isto não cabe aqui” ou “parecia que tinha mais luz nas fotos”. Por outro lado, considera que “a área dos eventos e ativação é provavelmente onde a aprendizagem por experiências passadas tem mais peso”, o que faz com que as surpresas menos positivas só aconteçam uma vez.
O partner da Mossa lembra dois episódios que exemplificam bem como é possível lidar e resolver imprevistos no terreno.
“Estávamos a montar uma estrutura de andaime e a equipa de produção que ia colocar o revestimento de tela tinha chegado no dia planeado. Dia esse que estava marcado porque íamos ter eletricidade fornecida pelo festival nessa manhã. Esta equipa precisava de ligar um compressor à ficha e, claro, ainda não havia eletricidade. Ao mesmo tempo que a equipa estava a refilar connosco, o nosso produtor diz: não há problema, tenho um gerador e um bidon de gasolina no carro! Ora, o planeamento saiu furado, mas o facto de já ter acontecido vezes sem conta no passado fez com que o nosso produtor tivesse saído de casa preparado naquele dia”.
A outra ocorreu em 2022, quando se preparava a festa de verão de uma empresa, que ia decorrer no jardim por baixo da ponte Vasco da Gama. “Quatro dias antes começam os alertas de incêndios por todo o país. Depois, o Super Bock Super Rock muda-se para Lisboa e o nosso espaço é utilizado para o camping. Mudámos um evento de 1.500 pessoas em dois dias para o Campo Pequeno. Podia ter sido um desastre, mas graças à ajuda de colaboradores, cliente e parceiros conseguimos.”
Inês Fernandes
A equipa, sempre
A união na equipa é essencial para que tudo corra pelo melhor num evento, mas será que há um momento que as equipas vivem de forma especial?
Andreia Peres lembra que durante os dois meses de montagem do RiR Lisboa há momentos muito intensos, pelo que é essencial “ter uma equipa feliz e mentalmente saudável”.
“Por isso, há toda uma preparação antes do início da montagem para garantir que todos estão bem leves e que entendem a responsabilidade que temos em mãos. Na edição de 2024 começámos num novo local e a equipa tornou-se muito coesa e forte. Reunimo-nos antes da montagem para discutir pontos negativos e positivos, e percebi que era importante focarmo-nos nas coisas boas e tirar partido delas”.
Para a responsável pela Rock Creators, há outro ponto fulcral: “Interiorizar que quando um falha todos falham e que na nossa equipa ninguém larga a mão de ninguém”.
Uma ideia partilhada por Inês Fernandes, que considera que o lema “a união faz a força” tem ainda mais sentido quando se fala de eventos. “Todos os momentos são importantes. Desde o início até ao fim, cada etapa de um evento depende do esforço, colaboração e, acima de tudo, confiança de todos os membros da equipa. Desde o brainstorming inicial e o planeamento detalhado até à montagem, execução e desmontagem, o trabalho em equipa é essencial para garantir que tudo decorre de forma harmoniosa e eficaz”.
Já Vasco Teixeira-Pinto considera que “o momento mais importante para a equipa é o final”: “Há um misto de cansaço extremo com um sentimento de donos do mundo. Conseguimos! É um momento de união que não vi em mais nenhum tipo de projeto”.
Mas há outros momentos que, na sua opinião, reforçam este espírito: “A comunicação eficaz entre a equipa durante o evento é fundamental. Estar atento a potenciais problemas, antecipar e comunicar. Conseguir alertar com o olhar. Esconder o stress, tanto dos clientes como dos parceiros. Ser disponível”.
E há, também, um detalhe nada irrelevante e que merece especial atenção na Mossa: “O nosso Paulo Rosa (diretor de Produção) dá muita importância ao facto de não termos fome nos eventos. Diz que quando temos a barriga vazia respondemos mal às pessoas sem saber porquê -tal como o anúncio do chocolate Snickers. Ou seja, o momento das refeições de staff é muito importante. É muito fácil esquecermo-nos de comer”.
Vasco Teixeira-Pinto
As empresas
Rock in Rio
O Rock in Rio é uma marca global, que teve o seu princípio em 1985, no Rio de Janeiro. Desde então, já se realizaram 24 edições do Rock in Rio no Brasil, Portugal, Estados Unidos e Espanha.
Em quase 40 anos de história passaram pelos diversos palcos mais de 4.600 artistas, vistos por mais de 12 milhões de pessoas. O Rock in Rio gerou mais de 250 mil empregos nas diversas localizações.
A ideia do fundador Roberto Medina, e que a sua filha Roberta prossegue, é idealizar e realizar projetos que impactam positivamente, não só as cidades que recebem o festival, como todo o mundo.
“O nosso objetivo é ajudar na construção de um mundo melhor e mais humano, conectando pessoas através da música e de experiências inesquecíveis. Esse é o nosso jeito de estar no mundo”, definem.
O lado menos visível
“O sucesso de um evento como o Rock in Rio começa com um planeamento meticuloso. São necessários muitos meses a trabalhar com ferramentas de planeamento, onde detalhamos todas as tarefas, desde a preparação do terreno para receber as estruturas e infraestruturas até à colocação dos elementos decorativos, como vasos de plantas”, exemplifica Andreia Peres, diretora da Rock Creators Portugal.
A responsável pelas áreas de masterplan, cenografia, estruturas e infraestruturas do festival em Lisboa salienta que “este processo exige um profundo conhecimento do projeto e das suas várias etapas, para que todas as tarefas possam ser identificadas e atribuídas com a duração adequada”. Segue-se a fase de implementação e monitorização semanal. “Construir este plano pode demorar cerca de dois meses, e começamos a sete meses do festival, finalizando todo o processo apenas na abertura das portas”, revela.
Act.3
A Act.3 é uma comunidade global focada em dinamizar o futuro das marcas através de pessoas, cultura e comunidade. Fundada em 2012, tem sede em Herzogenaurach, Alemanha, e 19 escritórios globais, incluindo Lisboa.
A empresa atua nas áreas de desporto, cultura e sustentabilidade e tem como missão “to make the world a happier place”. Os serviços da Act.3 focam-se em três pilares: estratégia, criatividade e experiências.
“Na estratégia, oferecemos soluções como estratégia de marca, cultural, de comunidade e sustentabilidade para experiências, assim como planeamento de campanhas. No pilar da criatividade, trabalhamos em design de marca, identidade corporativa, direção de arte, design de interiores e 3D, conceptualização de conceitos ou criação de conteúdos. Nas experiências, desenvolvemos marketing experiencial, eventos, criação de comunidades e momentos de marca, com foco em criar impacto positivo e duradouro, conectando consumidores e marcas de forma significativa”, explica Inês Fernandes, Creative Team lead.
O lado menos visível
“Como qualquer empresa, temos departamentos financeiros, PMO [Project Manager Office], RH e corporativos que suportam o nosso dia-a-dia. Contudo, um dos nossos grandes pontos fortes, que muitas vezes passa despercebido, é a nossa vasta rede de contactos globais, em especial através do nosso CEO”, considera Inês Fernandes. A Creative Team lead aponta como exemplo o UEFA EURO 2024 e o “Home of Adidas Football”, um espaço de 18.000 m² no coração de Berlim: “Este sucesso só foi possível graças às nossas sólidas conexões com o governo, organizações locais, UEFA e Adidas, que permitiram garantir o espaço em frente ao Reichstag [Parlamento] e criar uma experiência inesquecível. Além disso, o trabalho incansável dos nossos departamentos menos visíveis, como os RH, foi crucial. Eles contrataram mais de 600 pessoas para o projeto, a quem chamamos a face da marca, não apenas colaboradores”.
Mossa (Faz Mossa)
A Mossa (ou Faz Mossa) é uma agência de ativação de marca e eventos corporativos em que a ideia é o core da experiência que querem proporcionar e do próprio negócio. “Queremos surpreender, sempre. Tudo o que fazemos é em prol da ideia, da forma como comunica a marca e da sua exequibilidade. Isto faz com que toda a equipa tenha a mesma mentalidade de querer fazer diferente e relevante, desde os criativos até aos produtores”, explica Vasco Teixeira-Pinto, partner da Mossa, um spin-off da Nossa.
Os principais serviços oferecidos são ativação de marca e eventos corporativos.
O lado menos visível
Vasco Teixeira-Pinto lembra que existem muitas tarefas “escondidas” que são necessárias para que aquela ideia possa acontecer: “São horas de pesquisa, de partir pedra com parceiros para encontrar a melhor solução, design, desenhos técnicos, artes finais, captação de conteúdos, coordenação de equipas”.
Mas admite que “o mais importante de tudo” é a gestão de pessoas: “As agências de eventos têm de ser, elas próprias, um departamento de RH. É muito exigente. Temos de nos apoiar uns aos outros”.
Os desafios
As burocracias, nomeadamente as que estão relacionadas com licenciamentos são um desafio para quem planeia um evento?
Para a Act.3, o facto de ter uma atuação global significa uma adaptação constante a novas circunstâncias e condições locais. “No entanto, geralmente conseguimos contar com uma rede forte e conhecimento local através dos nossos escritórios regionais, o que simplifica bastante os processos. Naturalmente, encontramos desafios nessa área, mas estamos bem preparados para os superar”, sublinha Inês Fernandes.
Vasco Teixeira-Pinto encara a burocracia como algo que faz parte do processo. “E ainda bem. É importante que existam regras, leis e processos, de forma a garantir que tudo corre bem. A melhor forma de lidar com isto é assumir que existe, que vai dar trabalho e que temos de ter alguém só focado nisto. Não podemos “empurrar com a barriga” à espera que se resolva. Quando mais cedo começarmos, melhor”, acrescenta.
Para este profissional, “o grande desafio, de facto, é que algumas coisas necessárias para um licenciamento só estão prontas muito perto do prazo final”, algo que, na sua opinião, só deixaria de acontecer se ocorresse uma mudança de mentalidades. Enquanto isso, a solução é “antecipar, planear e não enterrar a cabeça na areia”.