“Trabalhar em eventos é saber trabalhar em equipa”
11-01-2023
# tags: Desporto , Eventos , Qatar , Hospitalidade
Entrevista a Paula Oliveira, que foi FIFA Hospitality Venue Manager no estádio do Al Bayt, no decorrer do Mundial de Futebol do Qatar.
Este foi o quarto Campeonato do Mundo de Futebol onde Paula Oliveira trabalhou. Foi mais uma oportunidade no seu percurso profissional de viver momentos únicos. Fomos conhecer esta experiência no Qatar, os desafios, os ensinamentos, a forma como lidou com as diferenças culturais e os momentos especiais que vai guardar na memória.
Que tipo de trabalho realizou no Mundial de Futebol do Qatar?
Fui contratada pela FIFA para ser a FIFA Hospitality Venue Manager no estádio do Al Bayt. A hospitalidade é um programa exclusivo de compra de pacotes únicos de experiências, com diferentes serviços, que podem ir de camarotes a lounges, acesso privilegiado aos melhores lugares no estádio, acesso a uma requintada seleção de catering e bebidas, ofertas exclusivas, entretenimento, parque de estacionamento, proporcionando aos clientes um conjunto de emoções inesquecíveis. A minha função é assegurar a implementação e operacionalização das diferentes áreas e serviços, bem como a excelência dos serviços prestados àqueles que optam por este tipo de experiências.
O Al Bayt Stadium, estádio localizado em Al Khor, foi inaugurado a 30 de novembro de 2021. Tem capacidade para 70.000 espectadores e lá decorreu a Cerimónia de Abertura, uma meia final e mais sete jogos. Este estádio teve como inspiração as famosas tendas que são usadas pelos povos nómadas da região; por dentro mantém as cores dos tapetes vermelhos e pretos e elementos tradicionais, que o tornam num estádio diferente. Dentro, os luxos multiplicam-se e os seus camarotes com vista para o relvado e camas serão, no futuro, um hotel.
Pode partilhar connosco como era um dia seu no Qatar?
Na operacionalização de um torneio como um Europeu ou Mundial de Futebol, isto é, quando as equipas de trabalho vão para o terreno, temos sempre pelo menos três fases. Primeiro, a fase de recolha de uniformes e equipamentos informáticos. Após esta recolha, iniciamos uma formação na área em que vamos trabalhar em conjunto com os colegas de outros estádios. Esta formação é feita antes de irmos para o nosso estádio, por forma a podermos obter a mesma informação e atuar em conformidade com o que foi planeado.
Segundo, a fase de preparação e montagem já no estádio. Quando nos instalamos finalmente no estádio, o nosso dia começa habitualmente, logo de manhã, com a Venue Team Meeting (venue manager, match director e os responsáveis das diferentes áreas: segurança, media, sinalética, catering, IT, competição, relvado, hospitalidade...), onde partilhamos as diferentes informações operacionais de cada área, ao que se segue uma reunião com o nosso grupo de trabalho sobre o planeamento do dia, contínuas visitas às áreas e reuniões com os diferentes envolvidos. O dia acaba com um relatório diário sobre as nossas reuniões. Terceiro, a fase de início do torneio com dias NMD (Non Match Day) e MD (Match Day), onde são dadas atenções aos detalhes, ajustes diários e preparação das áreas.
Como surgiu a oportunidade de trabalhar no evento?
Este já é o meu quarto Mundial de Futebol: três no futebol masculino (Brasil2014, Rússia2018 e Qatar2022) e um Mundial feminino em França, em 2019. Além disso, já tinha trabalhado no Qatar durante o Mundial de Clubes, em 2019, e o FIFA Arab Cup, em 2021, que serviram de eventos-teste para o Mundial de 2022. Portanto, já havia uma preparação prévia e experiência de trabalhar no país, o que foi definitivamente muito útil para mim, em termos pessoais e profissionais. O facto de conhecer a cultura do país e a equipa de trabalho local foi uma das grandes vantagens.
Como foi a experiência em termos profissionais? E quais foram os maiores ensinamentos profissionais que retirou desta experiência?
Poder fazer parte da organização de um Campeonato do Mundo, um dos maiores eventos mundiais, é sempre um orgulho, uma experiência fantástica e uma ocasião especial. Mesmo para aqueles que já tem experiência em seis e sete Mundiais, cada evento é único, pois tem sempre associado a componente cultural do país onde é realizado. Perguntam-me muitas vezes qual é o evento de que mais gostei, mas é muito difícil nomear um. Cada evento tem sempre a sua particularidade e ensinamentos. É nos Mundiais que se apresentam as últimas novidades, as últimas tecnologias e as novas experiências que se querem mostrar ao mundo. Os principais ensinamentos que levamos são sempre saber adaptar a nossa experiência a uma nova realidade e trabalhar em conjunto com uma equipa multicultural na obtenção do sucesso.
E em termos pessoais? Como se adaptou às diferenças culturais?
Foi o terceiro ano em que estive no Qatar. E da primeira vez vivi em Doha três meses, por isso, para mim, não foi novidade. Não foi fácil em 2019, quando lá estive pela primeira vez. É um choque cultural grande, mas essa é a mais-valia do nosso trabalho: reset... restart... refocus. Trabalhar em eventos é saber trabalhar em equipa e, para isso, temos de nos integrar, aprender, renovar e dar um pouco da nossa experiência à organização.
Essas diferenças culturais interferiram de alguma forma com o seu trabalho?
As diferenças culturais interferem sempre no nosso trabalho quando vamos para um país diferente, tanto faz que seja no Qatar, na Rússia ou no Brasil. Daí ser tão importante conhecermos, antes de irmos, a história do país, um pouco da cultura e da forma de estar. Não devemos, de forma nenhuma, impor a nossa forma de trabalhar, mas, de maneira subtil e profissional, estarmos abertos a ensinar e aprender também.
Quais os principais desafios? E como foram contornados?
Os principais desafios no Qatar foram a diferença cultural, o clima, a forma de trabalhar e uma maneira diferente de ver a sociedade. Apesar de ser mulher e de por vezes ser difícil, não posso, de maneira alguma, dizer que não tive o apoio e a colaboração de todos para atingir os nossos objetivos, que, esses sim, eram comuns a todos – organizar um Mundial inesquecível.
O que a motiva num evento desta dimensão?
A motivação de fazer parte de um evento destes é, sem dúvida, o facto de ser sempre um novo desafio. É a oportunidade que tenho de partilhar a minha experiência, de aprender novas formas de trabalhar, de ganhar novas experiências e, o mais importante, de conhecer novas pessoas de outros países e de encontrar colegas que só vemos nestes momentos. No fundo, fazer parte de um momento único e de uma equipa fantástica.
O evento foi considerado um sucesso em termos de organização. Quais as razões desse sucesso?
O que diferenciou este Mundial dos anteriores foi o facto de ser tudo na mesma cidade, Doha, o que nunca tinha acontecido antes. Os oito estádios estavam a uma distância máxima de 55 quilómetros, o que dava a possibilidade de os adeptos assistirem a um jogo de manhã, outro à tarde e outro à noite. As 32 equipas deslocavam-se e estavam alojadas na mesma zona, os jornalistas estavam todos sediados em Doha e as conferências de imprensa de antevisão decorriam no mesmo Centro de Imprensa e não nos estádios, a deslocação entre estádios podia-se fazer facilmente de Metro, os estádios luxuosos e modernos atraíam os adeptos pelas sua facilidades e toda a organização estava centralizada no mesmo local. Mesmo o impacto do clima foi minimizado pelos sistemas de ar de condicionado disponíveis nos estádios, quer no relvado, quer por baixo de cada uma das cadeiras.
Como é que encara as críticas/polémicas que o Mundial enfrentou? Sentiu isso quando estava lá a trabalhar?
Este Mundial enfrentou algumas críticas e polémicas, é verdade, mas para nós, que trabalhamos na organização, apenas estamos concentrados em fazer o que nos compete, fazê-lo da forma profissional com que estamos habituados a trabalhar e deixar essas questões para quem tem de lidar com elas. Não somos insensíveis nem indiferentes às polémicas, mas limitamo-nos a ser profissionais na nossa área e contribuir para o sucesso do evento.
Tem algum momento que vai guardar para sempre na memória e que possa partilhar connosco?
Nestes eventos temos sempre vários momentos que nos marcam e que, por isso, são tão especiais. A Cerimónia de Abertura, o contacto com todos os nossos clientes da hospitalidade, incluindo a família real qatari, a colaboração com os voluntários, o convívio com os diferentes colegas nos mesmos apartamentos e a possibilidade de assistir aos jogos de Portugal foram vários dos momentos que ficaram na minha memória do Qatar2022!
© Maria João Leite Redação
Jornalista
© Cláudia Coutinho de Sousa Redação
Editora