Ana Teresa Mota: “Eu preciso de desafios para viver!”

Entrevista

19-05-2022

# tags: Eventos , Vida de Eventos

Olhando para trás, Ana Teresa Mota considera “inevitável” trabalhar na área dos eventos. Filha de uma fadista e de um jornalista, cresceu no mundo das artes e das letras. E antes de seguir Direito decidiu parar um ano, “que se transformaram em vários”, explica.

“Por um acaso, fui parar aos jornais – estive na Face, depois no Sete. Seguiu‑se o Instituto Português de Cinema, o gabinete do secretário de Estado da Cultura e depois o CCB. Cheguei ao CCB com os auditórios ainda em cimento...Mais tarde, saí para fazer a primeira grande exposição que se fez na Cordoaria Nacional (‘100 anos de Liberdade e Cidadania’) e daqui fui para o Pavilhão Atlântico, onde fui diretora de Operações durante quase oito anos.” E, pelo meio, foi finalmente para Direito – embora não tenha concluído o curso –, teve uma filha e tirou uma pós-graduação em Gestão, direcionada para as indústrias culturais e criativas.

Começou a trabalhar sozinha há 15 anos e fundou, entretanto, a A Caixinha das Surpresas. “Tenho uma microempresa e trabalho essencialmente na área de espetáculos, eventos e exposições, e gosto de manter o equilíbrio entre esta diversidade.” Queria trabalhar a partir de casa, pois sentia que essa era também uma forma de equilibrar a vida pessoal e profissional. “A minha filha era pequena, os anos de Pavilhão Atlântico tinham sido intensos, especialmente em horários, e sentia necessidade de ter mais tempo para ela…” Hoje não se imagina a trabalhar de outra forma, mas “‘o futuro o dirá’”, frisa.As pessoas são o grande foco de motivação. Ana Teresa Mota gosta de trabalhar com e para pessoas. “O ‘fazer acontecer’, a felicidade estampada no rosto das pessoas quando acaba...O prazer de fazer isto! Digo sempre aos meus alunos que só quem gosta muito de fazer isto se aguenta nesta área. A intensidade deste trabalho, a grande angústia que sentimos muitas vezes... Mas o prazer que se segue, o preenchimento que nos traz é o que nos faz querer fazer tudo de novo.”

E o facto de ser sempre diferente é do que mais gosta nesta atividade. Mas há mais: “O ‘fazer bem’ e estar sempre a procurar soluções para poder fazer diferente e melhor. O estar sempre a tirar-nos da nossa zona de conforto. O misturar muitas áreas e uma grande diversidade de pessoas. Em resumo: o desafio! Eu preciso de desafios para viver!”

Por outro lado, do que menos gosta é do “pouco tempo que temos muitas vezes para preparar e, sobretudo, para pensar os eventos. O stress que muitas vezes é desnecessário”, refere, acrescentando que há também, por vezes, alguma falta de espírito de equipa. “Um evento é sempre o resultado do trabalho de uma grande equipa (o cliente, a produção, os técnicos, os criativos, o catering, etc.). Quanto maior for o espírito e a unidade da equipa, melhor será o resultado final. E é fundamental que todas as pessoas olhem para os eventos desta forma e não apenas como um serviço que estão a prestar ou a comprar (porque um evento não é um serviço que se compra ou se vende...). E, nem sempre, mas às vezes, a falta de coordenação dentro da equipa implica muito mais horas de trabalho do que o necessário, numa área em que a carga horária habitual já é muito elevada. E o cansaço não é um bom aliado da perfeição.”

Ao fim de tantos anos, as histórias são muitas…”

Ao longo de 29 anos de atividade, Ana Teresa Mota viveu muitos e diversos eventos marcantes. Não tem um preferido, “todos tiveram a sua importância”, mas, na necessidade de destacar, arrisca o “‘Alice’, do Bob Wilson, e o ‘ViKtor’, da Pina Bausch, no CCB; o Plácido Domingo, no Estádio do Restelo; o Euro 2004, especialmente o Fan Park; a cerimónia dos MTV Awards, em 2005; o espetáculo de abertura do Fenacult, em Luanda; e a Eurovisão 2018, em Lisboa”.

Com tantos anos de experiência, as memórias guardadas davam um livro. Ou vários. Ana Teresa Mota relembra vários episódios, mas nem tudo pode ser contado, claro. “Ao fim de tantos anos, as histórias são muitas e, em boa verdade, muitas não podem ser contadas, ou pelo menos não devem…”

Uma das histórias que guarda recua até 2014. Ana Teresa Mota fazia direção de cena do espetáculo de abertura do Fenacult, no Estádio 11 de Novembro, em Luanda, que era encenado e coreografado por Ana Clara Guerra Marques. “Foi um espetáculo em que trabalhei vários meses, como assistente de encenação e como diretora de cena.

Tinha 900 participantes e uma área de videomapping de 60 por 40 metros. A projeção estava dividida em oito quadrados e, a meio do espetáculo, os projetores que faziam um dos quadrados tiveram uma avaria e foram abaixo, mas o facto de ter as imagens na minha cabeça permitiu-me ir dizendo com antecedência ao Carlos Silva (que era o iluminador) que cor ia entrar em cada momento, para ele compensar com luz. Resultado: quase ninguém no estádio se apercebeu de que houve uma falha técnica.” Ana Teresa Mota não tem memória de algo que verdadeiramente não tivesse corrido bem. Mas há momentos em que as coisas podiam ter sido diferentes, como o concerto do Eric Clapton, em 2003, “em que no início do concerto tivemos uma ameaça de bomba”, ou o segundo dia do Euro 2004, no Fan Park, “quando, no final do jogo Inglaterra‑França, tivemos uma situação de conflito entre adeptos que poderia ter corrido muito mal – salvou o facto de a equipa de produção, segurança e a PSP trabalharem em conjunto e terem criado para aquele evento em especial uma super equipa”.

O livro de memórias continua com inúmeros capítulos, incluindo os que somam momentos descontraídos ou hilariantes. Um desses ocorreu em 1996, num concerto do Tony Bennett, no CCB. Ana Teresa Mota estava à entrada do grande auditório a ver o público chegar – “sempre gostei de ver o público e de tentar perceber que tipo de público vai a cada concerto” –, aguardando a indicação da chegada do artista. “A certa altura (e deixando o detalhe de que sou míope e, logo, a minha visão ao longe é reduzida), enquanto olhava para a sala, vejo um senhor de smoking a dirigir-se para a entrada e pensei: ‘este senhor é tão parecido com o Tony Bennett’...O senhor foi-se aproximando e as semelhanças aumentavam. Era o senhor Bennett! Dirigi-me a ele para o tirar rapidamente do meio do público e ele desfez-se em desculpas pelo incómodo causado. No final, ofereceu-me um enorme ramo de rosas que a editora lhe tinha entregado para reforçar o seu pedido de desculpas.”

No mesmo ano, Ana Teresa Mota foi ao aeroporto buscar Mikkail Barysnicov, que vinha atuar pela primeira vez no CCB. “Na altura, com uma autorização especial era possível ir para o interior” e, enquanto estão à espera das malas, uma passageira bateu com o carrinho cheio de malas com toda a força no tornozelo do ‘Misha’, como era tratado. “Nenhum de nós [da comitiva que o esperava] conseguiu reagir, exceto o próprio, que deu um grito de dor e achou que tinha o pé partido – a única pessoa naquele aeroporto que não podia partir um pé, porque dançava no dia seguinte. Felizmente, não passou de um susto e tivemos seis maravilhosos espetáculos nos dias que se seguiram.”

Os eventos apelam muitas vezes ao improviso. Em 2001, para o espetáculo ‘Utopia’, de Luís de Matos, no então Pavilhão Atlântico, foi necessário ter um elefante. “Lá preparámos um espaço específico – ou seja, um ‘camarim’ para o elefante – e, quando ele chega finalmente, não vem só um, vêm três...A justificação? É que um elefante sozinho fica triste e um elefante soturno não se mexe...Mas, como compreendem, onde cabe um elefante, não cabem necessariamente três”, adianta.

Regressando a Angola, Ana Teresa Mota lembra que lá os espetáculos tendem a ser longos e que, por isso, está sempre a fazer pressão por causa dos tempos. “Estava num ensaio com o C4Pedro e tudo o que sabia é que ele tinha 20 minutos de atuação. Assim sendo, peço-lhe que me dê o nome das músicas que vai cantar. Ele diz o nome da primeira e depois diz: ‘Vamos ficar por aqui’. Eu respondo: ‘Não, temos 20 minutos, tens tempo. Qual é a próxima?’. ‘Vamos ficar por aqui’, responde ele. Era o nome da música…”


© Maria João Leite Redação