Os eventos são “mais inclusivos”, mas ainda há muito a fazer

Entrevista

02-08-2023

# tags: Venues , Entretenimento , Eventos , Cultura , Acessibilidade

Tiago Fortuna, cofundador da Access Lab, considera que os eventos são, hoje, mais inclusivos, apesar de ainda haver muito por fazer.

Dois estudos da Universidade Nova (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas e Obi.Media – Observatório de Inovação dos Media), em parceria com a Access Lab, indicam que a formação em acessibilidade e a consultoria contribuem para a inclusão de pessoas com deficiência motora, visual, auditiva e surdas na área da cultura.

Os estudos analisaram as práticas de acessibilidade que existem no setor da cultura e também os constrangimentos que impedem a fruição cultural de pessoas com deficiência e surdas; a perspetiva dos participantes em atividades culturais e a dos profissionais da cultura.

“Os dados revelam que um balanço positivo de uma experiência cultural depende essencialmente de três fatores: qualidade e acessibilidade dos conteúdos, isto é, a sua adaptação às necessidades da pessoa com deficiência ou surda; a acessibilidade do local (ao nível das infraestruturas); e a qualidade da informação disponibilizada no recinto e/ou pelos elementos da equipa presentes”, escrevem os investigadores.

Por outro lado, “um balanço negativo relaciona-se com dificuldades de mobilidade no local, com os dispositivos para adaptação de conteúdos, na comunicação com elementos auxiliares e ainda no acesso à bilheteira”. Por isso, a equipa de investigadores recomenda um “maior diálogo” entre todos os envolvidos: profissionais da cultura responsáveis pela acessibilidade, equipas, investigadores e representantes de pessoas com deficiência.

“Pequenos passos que podem ser de gigante”


Tiago Fortuna, da Access Lab – empresa que opera na área da acessibilidade na cultura e entretenimento –, considera que, hoje, “os eventos são mais inclusivos” e que muito tem acontecido nos últimos tempos. Entre as ações que vão sendo feitas neste capítulo, o cofundador destaca o projeto de acessibilidade e inclusão da Altice Arena e a união do fado à Língua Gestual Portuguesa no Santa Casa Alfama; além da implementação dos coletes sensoriais no Jazz em Agosto, da Gulbenkian.

“No entanto, são gotas no oceano. Tudo continua por fazer e continua a ser um tema pouco explorado. Os promotores e as salas têm ao seu alcance pequenos passos que podem ser de gigante na transformação do seu modus operandi, como estes relatórios indicam”, sublinha.

Entre os constrangimentos em termos de acessibilidade em eventos, Tiago Fortuna realça o constrangimento económico, explicando que “muitas pessoas não conseguem ir aos eventos sem acompanhante e muitos promotores ainda cobram esse bilhete”, o que leva a dois caminhos: “comprar dois bilhetes para que tenham acesso ou, simplesmente, não vão, porque é inviável economicamente e discriminatório.”

Além disso, acrescenta, “existem constrangimentos físicos, como a qualidade da visibilidade no local onde os espaços são atribuídos, a falta de balcões rebaixados ou, noutra dimensão, a ausência de interpretação em Língua Gestual Portuguesa e audiodescrição para pessoas surdas e com deficiência visual”.

Para dar uma solução a esses problemas, Tiago Fortuna sugere a criação de “uma política de bilheteira inclusiva sem custos para um acompanhante, que inclua um método de verificação para evitar fraudes”. Indica ainda a disponibilização de “melhores condições físicas” e o recurso à língua gestual, legendagem ou audiodescrição.

“Vivemos tempos de mudança e isso é muito bom”


Os estudos apontam que a formação em acessibilidade contribui para inclusão de pessoas com deficiência e surdas na área da cultura. Para Tiago Fortuna, “existe boa formação em Portugal”, que é proporcionada por várias organizações. A academia da Access Lab “tem vindo a criar propostas formativas no âmbito dos eventos de grandes dimensões que, acreditamos, não existia em Portugal. Agora existe e estamos disponíveis para replicar tanto quanto possível os conteúdos e exercícios desenvolvidos”. O que é necessário é “mais disponibilidade de equipas nas suas agendas para acolher a temática” e, depois disso, “consequência e continuidade”.

No final de 2021, a Accessible Portugal, com o apoio do Turismo de Portugal, lançou um guia prático sobre acessibilidade em eventos. Questionado sobre se deveria haver mais orientações, campanhas ou ações de sensibilização para o tema, Tiago Fortuna responde, sem dúvidas, que sim e recorda também a existência do prémio Festival Acessível e do selo do Turismo de Portugal.

“São iniciativas muito importantes, mas precisam de mais lobby, de um interesse real, tanto da tutela como dos promotores para a mudança – isso não está ainda a acontecer. A comunidade começa a tornar-se cada vez mais visível, responsiva. Vivemos tempos de mudança e isso é muito bom”, conclui.

© Maria João Leite Redação