Afinal de quanto foi a quebra no setor dos eventos?

28-12-2020

A Secretária de Estado do Turismo fala numa quebra de 50%, mas associações do setor questionam o número.

O ano de 2020, marcado pela pandemia Covid-19, teve um impacto avassalador nas empresas que operam no setor dos eventos, e quanto a isso há poucas dúvidas. Mas esse impacto é muito difícil de quantificar porque se trata de um setor hiper pulverizado, composto por vários subsetores, abrangendo um sem número de diferentes empresas. Quando a Secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, disse, durante o último APECATE Day, que o setor de eventos teve uma quebra de 50%, as campainhas soaram em jeito de preocupação. A governante reportava-se a dados do Ministério das Finanças que mostravam que relativamente ao CAE 82300 – Organização de feiras, congressos e outros eventos similares, até 30 de setembro de 2019 foram faturados 303 milhões de euros, enquanto que no mesmo período, em 2020, a faturação foi de 152 milhões, o que equivale a uma quebra de 50%. Rita Marques ressalvou que se tratava de uma média, que podia não refletir todas as realidades, mas que o impacto era “brutal”.

Para Ana Fernandes, vice-presidente da APECATE (Associação Portuguesa das Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos), “esse é um dado que embora objetivo está completamente distorcido”. O facto da análise ser feita a partir do E-fatura e considerar apenas as empresas com o CAE 82300 como principal traz vários problemas, segundo a APECATE. “Ao incluir janeiro, fevereiro e a primeira semana de março, estão a incluir meses em que as empresas estavam em pleno funcionamento. Para o nosso setor este seria um ano excelente e os dados que temos apontam que os primeiros meses do ano estavam a suplantar anos anteriores. Ao serem incluídos nesta análise estão com base em estatísticas e médias, a "amortizar" a queda abrupta que se seguiu”. Ana Fernandes continua, dizendo que “por outro lado o CAE 82300, não representa de todo a totalidade do setor. Infelizmente não podemos contabilizar qual a percentagem do setor que este CAE representa, mas apenas com a amostra dos nossos associados temos a certeza que não chega a 50%, há empresas de eventos cujos CAE principais são outros serviços, consultoria, etc.. Há anos que pedimos a resolução deste problema, quer através do registo, quer através de um estudo profundo à realidade do setor”. O terceiro problema tem a ver com o facto de existirem muitas empresas com o CAE 82300 como secundário, “e muitas vezes não faturam pelo mesmo, o que distorce o resultado final”, e finalmente, “acresce a este dilema, especialmente nos grandes eventos, a parte que é faturada pelo organizador do evento, DMC ou PCO. Muitas vezes eles apenas faturam o fee de organização, ficando o pagamento direto de outros serviços de eventos para os parceiros: audiovisuais, espaços, catering, assim só teríamos um valor verdadeiro de quebra se conseguirmos juntar todos estes valores, isto é, precisamos de juntar a cadeia de valor de um evento, para percebermos as reais quebras”.

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Ana Fernandes, vice-presidente da APECATE
 

Pedro Magalhães, presidente da APSTE, não contesta os dados, mas questiona “a relevância dos mesmos”. O presidente da associação que representa os serviços técnicos para eventos sublinha que “os números são pouco relevantes porque não refletem minimamente a realidade do setor e a tentativa de apresentá-los como ilustrativos do mesmo é, quanto a nós, altamente reprovável. O setor dos eventos não é composto apenas por empresas com CAE de animação turística ou de organização de eventos. Aliás, olhando apenas ao universo da APSTE, o CAE 82300 é indicado como principal por 9% dos nossos 143 associados”. E lança alguns números: “em termos de faturação, em 2019, este CAE foi responsável por cerca de 9 milhões e meio de euros dos 98 milhões (perto de 10%) gerados pelas 106 empresas que aceitaram partilhar os seus dados de faturação. Só para que se entenda, e ainda tendo por base o universo APSTE, as empresas com o CAE principal 90020 – atividades de apoio às artes do espetáculo (29%), 77390 – aluguer de outras máquinas e equipamentos (18%) ou 90010 – atividades das artes do espetáculo (12%) têm um peso mais significativo e, apesar da sua importância no setor dos eventos, não estão abrangidas pelos números apresentados por Rita Marques”.

Álvaro Covões, vice-presidente da APEFE (Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos), afirma que os CAE’s muitas vezes não representam um setor. “Mas dada a natureza do negócio da cultura e dos eventos a quebra maior vai ser quando compararmos volume de vendas nos balanços das empresas”. E, por isso, “temos que aguardar números oficiais de janeiro a dezembro de 2020 para chegar a uma conclusão real do impacto da pandemia”. No entanto, Álvaro Covões lembra que com a proibição dos eventos o resultado foi a tragédia nos setores da cultura e eventos.

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Pedro Magalhães, presidente da APSTE
 

Falta crónica de números

Embora, empiricamente, todas as pessoas que atuam no setor estejam conscientes do grave problema que este enfrenta, a verdade é que escasseiam números, o que torna difícil o trabalho de lobbying junto dos decisores políticos. A APSTE está neste momento a recolher dados junto dos associados e conta em janeiro poder apresentar números “mais fidedignos”. A APECATE também tem vindo a fazer um trabalho de monitorização, lançando vários inquéritos, com o objetivo de “ter dados minimamente válidos sobre quebra de atividade com que possa apresentar propostas e soluções à tutela”, refere Ana Fernandes. “Não podemos apresentar um valor concreto pois temos várias empresas com quebra quase total, enquanto outras reconverteram a sua atividade, para não estarem paradas e, apesar de manterem alguma faturação, a área dos eventos tem quebras enormes, acima dos 70%. O que temos percebido é que a capacidade de resiliência está perto do limite, e começamos a ouvir alguns associados a ameaçar que irão mesmo ‘bater com a porta’ se nada melhorar”.

Também não há números concretos sobre despedimentos no setor. A APSTE, ainda este mês de dezembro, alertava que mais de mil técnicos podiam ficar ou desemprego ou mudar de profissão. Em janeiro, a associação conta apresentar números quanto a esta matéria.

A APECATE também ainda não apurou números concretos. “Percebemos que começa a haver despedimentos e empresas a fazer planos para os fazer no início de 2021. Mas os recursos humanos são o bem mais precioso de uma empresa de eventos, o seu ativo diferenciador, por isso as empresas têm efetuado acordos, recorrido às medidas de layoff e agora de apoio à retoma, para ainda não ter de despedir. Esta não é uma realidade para quem estava com contratos a prazo ou sazonais, pois esses simplesmente não viram os contratos renovados”, partilha Ana Fernandes, vice-presidente da APECATE.

A APEFE lembra que o setor cultural é constituído essencialmente por profissionais liberais e empresários em nome individual, o que faz com que o “maior flagelo” seja a falta de trabalho. “Despedimentos não temos conhecimento, apenas a não renovação de trabalhadores com contratos a termo porque a própria natureza dessa contratação - aumento transitório de volume trabalho ou projetos especiais, não aconteceu”, refere Álvaro Covões, destacando que, apesar da incerteza nos números finais deste ano, estimam uma “quebra do volume de negócios superior a 80%”.

Como resolver então esta falta de números? Para a APECATE, e há vários anos, a solução passa pela criação de um registo para o setor dos eventos. “Se há algo que a pandemia permitiu perceber foi que a APECATE sempre esteve certa na reivindicação de um registo para o setor dos Eventos. Sem dados não é possível aferir problemas ou apontar soluções. Sem dados não nos é permitido representar na sua plenitude um setor responsável por uma importante fatia do PIB e das Exportações Nacionais, assim como um elevado número de Recursos Humanos”. Ana Fernandes lembra que durante esta crise, em determinados momentos, o setor ficou para trás, nomeadamente “no lançamento das medidas específicas de abertura, só publicadas em agosto, o Selo Clean & Safe (apenas em setembro), ou em outras condições específicas por parte da DGS; também fomos esquecidos no lançamento de algumas medidas de apoio”, lamenta a vice-presidente. “Só o trabalho persistente da APECATE nas diferentes instâncias permitiu acelerar e solucionar muitos destes problemas. Continuamos a fazer esse caminho, e a ‘apregoar’ a necessidade do registo como uma prioridade, não porque neste momento resolva os problemas momentâneos das empresas, mas porque queremos sair desta crise com uma bandeira que nos permita ser uma voz mais ouvida e competitiva com os que são habitualmente os setores tradicionais do Turismo e da Cultura”.

Para a APSTE é “crucial” agregar todas as empresas. “Não existe uma base de dados fidedigna para que se possa determinar com exatidão o estrago feito, por isso nos temos batido desde o início pela criação de um CAE único para o setor com o intuito de garantir que, no futuro, teremos outras ferramentas para averiguar o impacto e, assim, poder-se reagir de forma mais assertiva e realista”, refere Pedro Magalhães. Para Álvaro Covões, o caminho assenta no domínio dos CAE’s. “O importante é que as empresas tenham o correto CAE principal e aí as associações tem um papel importante de sensibilização juntos dos seus associados. As empresas tem de perceber a importância de terem o CAE principal correto e de acordo com a sua atividade”.

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Álvaro Covões, vice-presidente da APEFE
 

Medidas prioritárias

Para o vice-presidente da APEFE é “fundamental um apoio financeiro as empresas proveniente da bazuca [dinheiro proveniente de fundos europeus]”. Álvaro Covôes apela à necessidade de “manter as empresas vivas e com saúde financeira para poderem estar ativas na retoma”, até porque no entender do responsável a cultura e os eventos vão ser fundamentais para a retoma da economia. “Por isso um apoio correspondente a 20% da quebra de volume negócios afigura-se como essencial”.

Para a APSTE as maiores prioridades são, nesta fase, “a criação de um CAE único para o setor dos eventos; a suspensão das amortizações; e a manutenção dos apoios a retoma (sobretudo o apoio no pagamento de salários)”.

No entender da APECATE tudo se resume a “salvar as empresas e o emprego”. “Se o ano de 2020 foi péssimo, não antevemos que os primeiros meses de 2021 sejam melhores. É preciso que a vacina comece a ser administrada e se atinja alguma confiança em clientes e participantes em geral dos eventos.. Para além da confiança há uma crise financeira generalizada que afeta parte dos nossos clientes, por isso o pior ainda não passou”, avisa Ana Fernandes. Para que as empresas possam sobreviver precisam do apoio do Estado, que, no entender da vice-presidente, deve afastar-se da visão estatística e ir conhecer as realidades específicas das empresas. “A APECATE tem feito um trabalho diário nesse sentido. Pode ser pouco mediático, mas é o trabalho de formiga e que vai dando frutos. Por outro lado, estamos muito atentos para as medidas de retoma. Queremos trabalhar e para tal os apoios também têm de versar medidas de incentivo à produção e realização de eventos: apoios à captação, medidas de incentivo fiscal para clientes, formação, apoio à reconversão de atividade ou o incentivo do trabalho em rede são alguns dos princípios que temos apresentado como soluções para que os eventos possam ser uma realidade num futuro próximo”.

 

Cláudia Coutinho de Sousa