Alexandra Baltazar: “Os associados são responsáveis pelo sucesso dos eventos em Lisboa”
09-08-2019
Alexandra Baltazar coordena desde 2006 o Lisboa Convention Bureau, um desafio que a motiva todos os dias. Nesta Grande Entrevista à Event Point, realizada no início de Julho, a responsável analisa a evolução do setor MI na capital portuguesa, que a coloca na 6ª posição mundial do ranking da ICCA de cidades que acolhem mais congressos internacionais, mas já com os olhos postos no futuro.
Como se descreveria a si própria?
Lutadora, idealista.
Quais foram os momentos mais marcantes do percurso profissional até aos dias de hoje?
Candidatar‑me a um estágio na Missão de Portugal na ONU, em Nova Iorque, em 1997; trabalhar nos EUA, ser responsável pela imprensa na Delegação do ICEP também em Nova Iorque. Regressar a Lisboa e abraçar o Turismo de Lisboa em Agosto de 2004; e finalmente assumir a coordenação do LCB (Lisboa Convention Bureau) em Março de 2006, uma área completamente diferente para mim, altamente desafiadora e motivante.
Enquanto lisboeta, quais são os locais onde vive mais intensamente a cidade?
Porque trabalho no Terreiro do Paço, direi a proximidade do Tejo, o Chiado e Príncipe Real, a zona de Belém e o bairro onde vivo, Campolide.
Como tem visto a evolução da capital? O que mais a orgulha na Lisboa de hoje?
O TL (Turismo de Lisboa) existe há mais de 20 anos enquanto responsável pela promoção internacional da Região de Lisboa. Os resultados estão à vista de todos. O investimento público e privado visível na reabilitação da cidade, o empreendedorismo e criatividade das novas gerações, com novos olhares sobre o presente e futuro da cidade e da nossa indústria. Orgulha‑me que esteja latente o carácter de Lisboa e o que nos diferencia, o nosso saber receber.
O que é que mais a apaixona no seu trabalho?
Trabalhar na consolidação da marca Lisboa. O processo de trabalho da nossa equipa na captação e confirmação de eventos internacionais para Lisboa com todos os desafios inerentes ao processo. Fazer melhor. Aprender com os nossos pares.
Mercados prioritários
Quais são os mercados que mais procuram Lisboa hoje em dia? São os mesmos de há 10 anos? Como vê a evolução da procura?
Há variações, mas mantemos como prioritários o Norte‑Americano, Alemanha e UK. Outros mercados europeus são trabalhados com ações de familiarização do destino, imprensa, no que toca aos eventos corporate e incentivos. O segmento associativo é trabalhado de forma diferente e a captação é um processo contínuo, muitas vezes um longo namoro até conseguirmos confirmar o congresso.
Há Associações que muito nos honram pela confiança, traduzida no loop dos seus congressos em Lisboa. São exemplos as associações da Diabetes, Cardiologia, Alergologia, a CIRSE [Cardiovascular and Interventional Radiological Society of Europe].
De que forma estão a trabalhar, por exemplo, o mercado asiático? É uma grande oportunidade?
Poderá ser uma oportunidade ao nível de captação de eventos corporate e incentivos. Faltam as ligações e a base na oferta do destino, incluindo guias oficiais que falem mandarim, para o mercado chinês.
O LCB organizou e acompanhou em 2018 uma fam trip com workshop com 19 buyers da China. Ficámos com vontade de continuar este investimento pelo feedback extremamente positivo que tivemos do lado dos buyers e dos nossos associados presentes.
No entanto, para que faça sentido o investimento, há que ter uma base sólida. Ainda não está lá, a meu ver.
Sabemos da importância das ligações aéreas neste setor. Como avalia as rotas existentes? Que consequências existem dos problemas sentidos na operação do aeroporto Humberto Delgado?
Estamos muito satisfeitos com o aumento dos voos e gateways especialmente da América do Norte para Lisboa, o que permite consolidar a atratividade de Lisboa também para o MI e a confirmação de eventos com maior dimensão para o destino. O desafio do aeroporto está identificado há anos pela direção do Turismo de Lisboa. Estão finalmente a ser dados passos para um novo aeroporto.
Que instrumentos de promoção são mais utilizados pelo Convention Bureau e de que forma as ferramentas de comunicação foram mudando ao longo dos anos?
Privilegiamos o contacto direto, a experiência pessoal, o taylor made.
A experimentação do destino ainda é a forma mais eficaz de o ‘vender’?´
Quase sempre, direi, mas dependerá dos segmentos e dos decision makers.
Em termos de promoção, julgamos ser uma ferramenta muito eficaz a experiência pessoal e o contacto com a rede de associados.
Os nossos associados são os responsáveis finais pela concretização e sucesso dos eventos em Lisboa. A eles se devem os louros dos êxitos e recordes dos eventos em Lisboa (ainda em Junho o congresso da EAACI [European Academy of Allergy & Clinical Immunology] atingiu um novo recorde europeu, pela participação de mais de oito mil pessoas).
A popularidade do destino
A popularidade de Lisboa em termos de turismo traz um desafio acrescido, ou pelo contrário, facilita o trabalho do Convention Bureau?
Claro!, mas sim facilita. Na IMEX Frankfurt, em conversa com uma agência norte‑americana, a rep dizia‑me: ‑ Alexandra, toda a gente que conheço foi a Lisboa, está em Lisboa ou quer ir a Lisboa.
Dei‑lhe um beijo.
Acredita que pode haver, ou já há, alguma tensão entre o turismo de lazer e de negócios na cidade?
Há meses do ano com maior pressão pelo elevado número de eventos especialmente a acontecer na cidade, mas há equilíbrio, resultado da importância do MI para o destino e para a rede de associados.
De que forma os prémios, os rankings, o reconhecimento internacional, ajudam a implementar as estratégias de promoção do Convention Bureau?
Além de serem um reconhecimento do trabalho desenvolvido há anos, permitem‑nos definir e aperfeiçoar caminhos de promoção e de captação.
Uma das principais “queixas” do mercado é a falta de espaços para eventos na cidade. Como vê essa questão? Pelo que conhece do plano de expansão da FIL, essa resposta será suficiente para cobrir as necessidades de Lisboa nos próximos anos, em termos de venues?
Dada a procura, dimensão dos eventos e novas necessidades dos organizadores, o Turismo de Lisboa identificou a necessidade de um novo centro de congressos multifuncional e estrategicamente localizado há mais de 10 anos, pelo que vemos com bons olhos a expansão deste equipamento.
Que destinos são os principais competidores de Lisboa?
Depende do segmento. Em termos associativos, normalmente concorremos com Viena, Berlin, Paris, Madrid, Barcelona, Estocolmo.
Em relação a destinos nacionais, diria que existe cooperação entre todos? Sente que Lisboa é um caso à parte? Se sim, em quê e porquê?
Há respeito e apoio. Sou lisboeta, trabalho no Turismo de Lisboa e vivo em Lisboa. As sete regiões têm dimensões e um posicionamento diferente relativamente à relevância do MI no seu plano estratégico e nos seus objetivos.
Lisboa destaca‑se largamente no âmbito nacional em termos do MI, não só pela oferta, atratividade e notoriedade, mas também pelo investimento e trabalho que tem sido realizado há mais de duas décadas neste produto. Lisboa está no top 10 mundial da ICCA. É a 6ª cidade a nível mundial. Os resultados de Lisboa são fruto de muitos fatores, o sucesso não cai do céu.
Não acreditamos no sistema de tentar desviar os eventos dos destinos consolidados e de referência para os encaminhar para outros destinos emergentes. Sabemos é que quanto mais turistas e negócio consolidado Lisboa, a capital do país, tiver, mais turistas e negócio terão as outras regiões do país.
Como olha para o papel do Turismo de Portugal, que avançou para a criação de uma equipa própria dedicada à Meetings Industry?
Tem o seu papel. Como nem todas as regiões têm um Convention Bureau, pode ser uma ajuda muito útil.
No caso de Lisboa, sendo o processo de identificação e captação de eventos internacionais maioritariamente desenvolvido por nós e pelas empresas associadas, tem menos relevância.
Por curiosidade, no âmbito do nosso trabalho de captação de eventos internacionais apresentámos aos programas nacionais, chamados fundos de apoio à captação, cerca de 400 candidaturas. De notar que até 2015 Lisboa era apenas elegível para eventos com mais de 1.800 pessoas. Portanto, estamos a falar de um universo muito menos vasto do que a totalidade dos eventos que recebemos. No programa lançado de 2015 a 2018 apresentámos 275 e temos neste momento a aguardar resposta 58 candidaturas para eventos a realizar de 2020 a 2025.
Para que o fundo de apoio a eventos corporate e associativos internacionais possa ser diferenciador em fase de candidatura do destino, há que dar respostas em tempo útil. E muitas vezes isso não acontece. Há diversos exemplos de eventos candidatados em que esperámos um ou dois anos para confirmar apoios ou pagar fundos aos organizadores. Mas eles vieram na mesma e realizaram os eventos.
As noites de hotel são de facto o principal indicador de referência para a tribuição destes apoios, ou deveria haver outros?
Relativamente às dormidas/noites de hotel como fator principal, indicador de referência na confirmação dos escalões de apoio, é nosso entender ser este fator principal não só um retrocesso, mas também um olhar não atual sobre os eventos internacionais e o perfil de quem participa. Apenas por curiosidade, a redação do regulamento estabelece que podem, em teoria, ser contabilizadas noites num parque de campismo, mas não podem ser contabilizadas noites no alojamento local. Imagine‑se, por exemplo, candidaturas de eventos na área do digital, das novas tecnologias...
Também é do conhecimento da indústria que o organizador já não assume grandes roomblocks, havendo um número cada vez maior de reservas diretas, não sendo portanto possível a prova pelo organizador das dormidas totais geradas pelo evento.
Outro fator relevante e incluído no novo regulamento é a obrigatoriedade de apresentação de listas do alojamento pelos empreendimentos turísticos (hotéis e campismo). Julgo que a confidencialidade de dados não permitirá a divulgação destas listas, e sequer que os hotéis o poderão fazer. Mas é como está.
Sente falta de uma avaliação regular do negócio gerado, e dos outros impactos que a Meetings Industry tem no país, nomeadamente nos postos de trabalho criados?
Lisboa tem instrumentos para avaliar o MI, especialmente no segmento associativo, como por exemplo o inquérito anual ao congressista. Mas sabemos que atualmente o setor do Turismo representa 20% do PIB da região de Lisboa e 180.000 postos de trabalho diretos e indiretos, também na região de Lisboa.
Dez perguntas a Alexandra Baltazar
Se não vivesse em Lisboa, onde gostaria de viver?
Junto ao mar.
Destino de férias preferido?
Com a minha família.
Comida favorita?
…peixe grelhado, filetes com arroz de berbigão, pastéis de bacalhau.
Um hobbie?
Ler, andar, ver arte.
Um restaurante em Lisboa?
Gosto muita da Bica do Sapato.
Figura do turismo que mais admira?
Enca Mello.
Evento mais espetacular a que assistiu?
Expo 98, também pelo futuro que nos deu.
Livro na cabeceira?
Philip Roth, Jonathan Franzen, João Tordo, e Devoção, da Patti Smith
Uma banda ou artista?
Continuo a gostar muito de Depeche Mode. A minha filha está a abrir‑me os horizontes…
Se pudesse conhecer qualquer pessoa, quem gostaria de conhecer?
Rick Owens, Picasso, Cy Twombly, Richard Serra, Helena Almeida.
Cláudia Coutinho de Sousa
Fotos: António Camilo