Algarve: “Vamos ter todos de nos reinventar em muitos aspetos”

20-04-2020

O impacto da pandemia por Covid-19 faz-se sentir de forma intensa nos mais variados setores. Por esta altura, a região do Algarve já teria dado por terminada a sua época baixa e os negócios estariam já crescer. Mas não é isso que está a acontecer. Para tirar a pulsação a esta região do país, a Event Point ouviu João Fernandes nas Conversas de Quarenta, a 4 de abril. Apanhamos aqui algumas das declarações do presidente da Região de Turismo do Algarve e ouvimos também responsáveis do Centro de Congressos do Algarve, da Extremo Ambiente e da Eurologistix – Audiovisuais & Eventos.

“Parece que o Algarve a tudo resiste”, referiu João Fernandes. O presidente da Região de Turismo do Algarve lembrou que, desde que tomou posse no final de julho de 2018, a região passou pelo incêndio de Monchique, pelas greves dos motoristas de matérias perigosas, pela falência da Thomas Cook, pela ameaça de fecho da base da Ryanair… “Mas ninguém esperava, obviamente, uma realidade como esta” e, no momento, “todos somos aprendizes e aprendemos todos os dias uns com os outros, com o conhecimento que vamos acumulando”.

 

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João Fernandes, presidente do Turismo do Algarve

 

O impacto da pandemia na região tem sido forte. Até ao final de março, “cerca de 69% da oferta fechou, em termos de empreendimentos turísticos”. No dia 1 de abril, foram mais 10% e a restante oferta – empresas de animação turística, agências de viagens, restaurantes, entre outras – estão a fechar, seja por determinação legal ou por falta de procura. O responsável acredita que, na grande maioria dos casos, se não em todos, os trabalhadores contratados que estavam num período probatório foram os primeiros a ser dispensados pelas empresas. Até 4 de abril, 1.825 empresas no Algarve aderiram ao lay-off, um número que aumenta diariamente. “E há também muitas empresas a aderirem à linha do Turismo de Portugal direcionada para as microempresas.”

Perante esta nova crise, o Algarve terá de atuar em diferentes níveis, mesmo sabendo que muitos dos fatores estão dependentes de soluções externas. Um exemplo: “Nós temos de atuar ao nível da procura, estimulando procura, mas isso depende da situação de cada mercado emissor e depende até, por exemplo, da realidade das fronteiras num futuro próximo.” O Turismo do Algarve está a “ganhar conhecimento em mercados, em canais de distribuição, a procurar a ajudar a oferta, com as linhas de apoio que o Governo e o Turismo de Portugal têm disponibilizado”, disse João Fernandes, que apontou também a criação de um gabinete de apoio ao empresário, a realização de campanhas – porque, embora esta não seja uma boa altura para visitar a região, é preciso manter “a memória viva e a relação emocional com o destino, sem se perder essa condição de fidelização” – e o contacto com associações de estrangeiros residentes, que são “claramente os nossos melhores embaixadores para a retoma; já vimos isso noutras alturas”.

De acordo com o responsável, o Algarve vai ter três épocas baixas: a de sempre; a do período da Páscoa, a partir do qual muitos negócios começavam a faturar; e a do verão, o “oxigénio”. “Não quero aqui dizer que está tudo perdido, porque não está”, frisou, lembrando que o Algarve tem reagido bem aos vários embates dos últimos anos. “Reagiremos certamente muito bem, mas o período que se avizinha não é decididamente fácil.” E agosto e setembro não serão os mesmos de anos anteriores.

 

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Produtos como os eventos, o golfe ou o turismo de natureza, podem vir a ter depois “um peso relativo maior” já a partir de outubro. “E aí reside obviamente uma das oportunidades.” A área dos eventos pode ajudar a ultrapassar esta fase. João Fernandes contou que, embora sem a lógica dos eventos corporativos, o programa 365Algarve – que se realizaria somente na época baixa – vai decorrer até 31 de dezembro, mediante as possibilidades. O combate à sazonalidade estava a ter bons resultados, sublinhou. “A taxa de sazonalidade nos últimos anos tem vindo a regredir”, quer por diversificação da oferta, “de gerarmos novas motivações de visita à região fora da época alta”, quer por um reforço substancial da promoção e das ligações aéreas. “Eram apostas ganhas e eu devo dizer que não são apostas perdidas”, afirmou. Há muito a fazer. A aposta poderá passar ainda mais pela sustentabilidade e o Algarve tem muitos argumentos. “Obviamente, vamos ter todos de nos reinventar em muitos aspetos.”

Sobre o setor MICE, os planos de promoção já delineados e as apostas segmentadas por produtos estão naturalmente a ser revistos. “Mas continua disponível, por exemplo, a linha de estímulo à captação de eventos do Turismo de Portugal, e que tem uma declinação para o Algarve específica”, além da linha de apoio do Turismo de Portugal “que se direciona especificamente para empresas de eventos e que tem um crédito interessante para empresas de maior dimensão” que não possam ir à linha de apoio às microempresas. Tudo isto pode ajudar a passar este período menos bom.

É preciso voltar a conquistar e a reforçar a relação de confiança com os turistas. “E, nesse aspeto, Portugal tem saído bem em termos de imagem internacional”, com as notícias que dão Portugal como um exemplo no combate à pandemia e de atuação da população. “E isso é um fator vantajoso para esse efeito.”

 

Centro de Congressos do Algarve mantém trabalho de promoção

À semelhança de outros venues, e na sequência do Estado de Emergência, o Centro de Congressos do Algarve suspendeu “temporariamente” a organização de eventos. “Continuamos, no entanto, o nosso trabalho de divulgação daquele que é atualmente o Melhor Espaço para Congressos em Portugal, um reconhecimento dos Portugal Trade Awards, organizados pela revista Publituris. Neste momento, estamos também a concorrer para melhor Espaço de Congressos e Eventos da Europa nos World Travel Awards, o que é também um motivo de orgulho”, contou Hugo Gonçalves, diretor-geral do Tivoli Marina Vilamoura, no qual está integrado o centro de congressos.

 

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Centro de Congressos do Algarve

 

Grande parte dos clientes do venue “está a optar por adiar os seus eventos para depois do verão, o que é um excelente sinal de que, após esta fase, virá um período de recuperação com um calendário já bastante dinâmico”, adiantou Hugo Gonçalves, que considera ainda que “as medidas apresentadas pelo Governo são muito importantes para apoiar as empresas neste momento mais difícil para a economia nacional e internacional”.

 

“Vamos ter de navegar à vista, de nos reinventar”

A Extremo Ambiente é uma empresa de animação turística, que, entre outras, atua na região do Algarve. Esta fábrica de “aventuras” está no momento sem trabalho, “em lay-off, com suspensão dos contratos de trabalho e com todo o pessoal parado em casa”, como contou Pedro Oliveira, CEO da empresa. “O ano até estava a ficar composto” e imaginava-se “um ano fora de série, repleto de eventos corporativos e excursões, tanto no Algarve como em Lisboa”. Tudo indicava que a empresa iria conseguir “combater a sazonalidade do Algarve e trabalhar praticamente os 12 meses”. Mas a pandemia instalou-se e começaram os cancelamentos, adiamentos e devoluções. “Foi tudo ao ar e Portugal tinha a obrigação de ter aberto os olhos mais cedo”, frisou Pedro Oliveira, para quem “o risco foi mal gerido”.

O CEO da Extremo Ambiente considera que o esforço e o empenho no combate a esta guerra têm de partir de todos e que é “imperativo que o Governo compense financeiramente as empresas, para que não se afundem de repente”. Sendo o turismo um “motor da Economia”, Pedro Oliveira defende que “urge que se tomem medidas com efeitos imediatos na tentativa de salvar o que ainda pode ser salvo em Portugal”. Apoio à tesouraria com taxas iguais para toda a banca (máximo 1%) e períodos de carência mínimos de pelo menos 18 meses; capital a fundo perdido de imediato para inovação tecnológica/Ecommerce/higiene/segurança/formação; moratórias válidas para todos os compromissos bancários com prazos mais alargados; isenção do PEC e SS no período de lay-off; isenção de IVA até à retoma da economia, passando depois para 6% em todas as atividades turísticas; carga fiscal reduzida ou nula para empresas em lay-off ou paradas por falta de negócio; lay-off com prazos mais alargados; lay-off simplificado para sócios-gerentes; prorrogação das apólices de seguro enquanto as frotas estiverem paradas; suspensão do IUC para os meios que estão parados, estão entre as muitas medidas que Pedro Oliveira sugere.

 

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Pedro Oliveira, CEO da Extremo Ambiente

 

Sobre o Algarve, o CEO da Extremo Ambiente considera que a região precisa “agarrar” alguns representantes dos setores turísticos, para que estes mostrem, “com factos documentados”, o que está a ser feito pelas empresas do setor para acrescentar qualidade, higiene e segurança nos seus negócios. Um trabalho que deveria ser diariamente divulgado pelo Turismo de Portugal, comunicação social e todos os meios dos respetivos setores, para “mostrar que somos diferentes, que queremos avançar e que, acima de tudo, ‘damos segurança’ a quem quiser confiar nos nossos serviços”.

Pedro Oliveira acredita que o Algarve “vai ser o destino de eleição de todos os viajantes”, por ser a região que reúne todos os fatores que turistas e organizadores de eventos procuram. “O Algarve é ‘Safe & Clean’ e essa é a imagem de destino diferenciador, moderno e na vanguarda da inovação que temos de passar obrigatoriamente para o resto do mundo”, frisou o responsável, que defende a reconquista dos mercados turísticos “mostrando o que é que o país e os seus empresários já fizeram para voltar a merecer a confiança dos clientes”.

O Algarve tem sol e águas quentes, população “afável e prestável”, hotelaria e restauração “de renome”, praias limpas e gastronomia rica, características que são mais-valias. “Considero o futuro muito bom para quem conseguir diferenciar o seu produto de todos os outros que já existem à venda em todas as esquinas do Algarve. É preciso fazer a diferença oferecendo exclusividade, higiene, qualidade e segurança aos clientes”, referiu, acrescentando: “Quem investir em Turismo de Excelência vai ter um futuro sorridente.”

 

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Extremo Ambiente

 

A Extremo Ambiente vai dar formação em Higiene e Segurança aos seus profissionais e vai equipar os seus meios com gel, máscaras e luvas, bem como com sinalética de informação relativa à Covid-19 e ao comportamento social a adotar. Entre outras medidas, a empresa vai também afixar os horários de higienização nas viaturas e produzir um habitáculo para proteger os motoristas da equipa de operações. Está prevista também a oferta do máximo possível de tours privados e exclusivos a clientes e revendedores, de forma a evitar misturar turistas oriundos de diferentes partes do mundo dentro da mesma viatura, e a oferta de saídas por nacionalidade aos operadores. “A nosso ver é uma maneira expedita de minorar os riscos de contágio.”

Daqui para a frente “vai ser tudo diferente, vamos ter de navegar à vista, de nos reinventar”. E isso vai levar a um aumento dos custos. Assim, este é o momento de fazer um “’reset’ a todo o mercado turístico”. Pedro Oliveira alerta que “o inevitável aumento dos custos não deve penalizar o valor que o consumidor final paga por determinado serviço”. Lembra que o medo “vai dominar todas as relações” e que, por isso, “a distância social vai ter de continuar a existir. Para o CEO da Extremo Ambiente, os eventos outdoor vão crescer – “estou certo de que iremos receber muitas solicitações para programas mais ecológicos, de wellness e apelativos à sustentabilidade do planeta” – e as atividades de team building e os eventos corporativos vão ser adaptados à nova realidade.

 

“Temos de continuar a utilizar os nossos trunfos”

A pandemia causou um “estrondoso prejuízo” na atividade da Eurologistix – Audiovisuais & Eventos, por causa dos “sucessivos” cancelamentos e adiamentos. A empresa teve de adotar algumas medidas para ajudar a proteger os trabalhadores, “que, na sua grande maioria, se encontram em lay-off”, estando parte do núcleo comercial, gestão de projetos, recursos humanos e financeiros em regime de teletrabalho, “de forma a garantir os recursos mínimos para a empresa continuar a dar uma resposta rápida e eficaz junto do cliente”, como contou Nuno Ferreira, CEO da Eurologistix, que lembrou que o segmento MICE é “um dos mais importantes para a vitalidade da economia do nosso país e preponderante para o desenvolvimento do nosso negócio, que depende na sua maioria de aglomeração de pessoas para poder ser realizado”.

Há medidas que a empresa gostaria que fossem implementadas pelo Governo em relação ao setor. Entre elas, a suspensão temporária do pagamento de todas as obrigações fiscais e contributivas e a suspensão, também temporária, do pagamento de todas as prestações à banca. “Tais medidas, se implementadasaté ao final do ano, altura em que esperamos a lenta reanimação do setor, permitiriam a consolidação de uma almofada orçamental capaz de fazer face e minimizar as inevitáveis derrapagens financeiras que já estamos a sofrer.” Nuno Ferreira acrescentou que, por outro lado, “seria muito bem recebida uma garantia por parte do Ministério da Cultura numa aposta forte em medidas de apoio ao mercado audiovisual”, o que, mesmo não sendo impactante para a Eurologistix, teria “grande impacto em muitas pequenas e médias empresas do setor”, que estão a sofrer as “graves consequências” desta pandemia.

 

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Nuno Ferreira, CEO da Logistix - Audiovisuais & Eventos

 

Os próximos tempos vão ser certamente diferentes. “Os eventos corporativos irão necessariamente recorrer cada vez mais à videoconferência e ao live streaming. A saúde e a segurança das pessoas nos eventos estarão em primeiro plano e nós teremos de dar o exemplo perante o cliente.” Nuno Ferreira quer acreditar que a médio e longo prazo vão estar mais fortes. “Temos de ser inteligentes na adaptação às novas mudanças e redefinir as estratégias da nossa organização”. A maior aposta da Eurologistix vai continuar a passar pela criatividade, mas o foco vai manter-se também na redução de custos, “não perdendo a ambição em apresentar mais-valias aos nossos clientes”.

No que toca ao segmento MICE, o responsável considera que o Algarve vai continuar a viver da sazonalidade. “Basicamente, trabalhamos a bom ritmo nos meses de abril, maio, junho, setembro, outubro e novembro. Ainda que com pouca relevância para o nosso setor, a área do golfe tem vindo a ganhar espaço nos últimos anos, sendo a região do Algarve um destino de topo para esta prática desportiva. Da mesma forma, acredito que o Algarve continuará a ser um destino privilegiado no que respeita ao turismo e que a tendência é, gradualmente, conseguirmos reativar o panorama social, cultural e económico anterior à crise.”

A comunicação deve ser feita através da Região de Turismo do Algarve e da Associação de Turismo do Algarve e é “fundamental” a conquista do turismo de negócios, considerou. “Creio que temos melhores infraestruturas hoteleiras, melhores centros de congressos, mas ainda continuamos deficitários no que diz respeito às ligações aéreas ao Algarve. Temos de continuar a utilizar os nossos trunfos, que são o profissionalismo, o clima ‘sol e mar’, a segurança e a relação preço-qualidade. Quem vem visitar-nos, por norma, deseja voltar. Somos bons anfitriões”, sublinhou.

 

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Logistix - Audiovisuais & Eventos

 

E quanto ao futuro dos eventos na região, o impacto da pandemia deve acompanhar a realidade de Lisboa e do Porto. “Temos esperança de que o setor audiovisual consiga voltar ao ativo no final deste ano, mas os próximos meses serão de grande incerteza e dificuldades económicas e este setor, pelas suas características, continuará a ser um dos mais afetados até que se alcance a tão desejada cura para a Covid-19, e com ela se devolva a segurança às pessoas”, concluiu Nuno Ferreira. “Tudo levará o seu tempo, mas acredito num futuro melhor.”

 

Maria João Leite

 

Fotografia de abertura:
©Associação de Turismo do Algarve

 

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