Darwin e Einstein foram os dois a um evento…
09-05-2017
A habilidade de fabricar ferramentas, de usar o fogo, de produzir roupas ou abrigos foram alguns dos ponto‑chave da nossa ascendência como espécie, mas terá sido o papel da comunicação verbal que permitiu o desenvolvimento exponencial destas e de outras capacidades. O aperfeiçoamento de muitas operações que nos fizeram atravessar as “Idades” só foi possível através desse “superpoder” chamado palavra. A passagem de conhecimento, a sua discussão e desenvolvimento, tornou‑nos seres superiores ao tempo da nossa evolução natural. Deixámos de depender de mutações e criámos a nossa própria selecção, criando o nosso próprio tempo.
Hoje, a complexidade do que somos e fazemos acelera drasticamente e a comunicação mantém‑se no centro, sendo que os “eventos”, como espaços de comunicação, evoluem tal qual todas as outras centenas de suportes ou protocolos verbais com que interagimos. Desde o briefing até à materialização, desde a criatividade ao ROI, um evento é um veículo de ideias, mensagens e coordenação de objectivos. Ganhou densidade, tornando‑se cada vez mais multidisciplinar, multiplataforma, agregador de suportes, ponto de partida e de chegada de várias aspirações. Estes fluxos de necessidades comunicacionais têm a particularidade de confluir num momento preciso e, embora mais efémeros do ponto de vista formal, requerem uma sincronização invulgar de emoções e logística, o que nem sempre é fácil de antecipar a partir de cronogramas e guiões, que tentam acima de tudo ajustar os recursos à maquiavélica arte de gerir expectativas. O “tempo” dos eventos é cada vez mais um mapa de várias partituras, vários instrumentos, que num cenário ideal funcionará como uma orquestra, de múltiplas “comunicações” que operam “no seu tempo” e obedecendo a uma coordenação completamente transversal.
Paradoxalmente, a nossa aptidão de acelerar o tempo faz com que o tenhamos cada vez menos como aliado e retiramos continuamente importância a espaços fundamentais para dialogar, reflectir, experimentar e inovar. Este apetite devorador pelo imediato encaixa milimetricamente no modelo pré‑preparado do império do know‑how, em flash‑thinking. Existe, de facto, uma assunção pré‑concebida de que determinada pessoa ou empresa reúne, à partida e de forma hiperconsciente, tudo o que precisa para que em poucas horas consiga construir um projecto que cumpre fielmente na resposta a necessidades cada vez menos diagnosticadas ou menos imersas em verdadeiras culturas de identidade. A formatação, o modelo, o “preparado” é uma forma de responder a prazos mais exigentes, mas também é a solução menos criativa e menos eficaz. Dificilmente um cliente idealizará esta opção, dificilmente muitos dos timings disponíveis permitirão qualquer outra. Ganha‑se tempo? Sim. Mas de que serviu a "poupança"?
Parece contraproducente (e é), mas queremos comunicar cada vez mais e melhor, encontrando cada vez menos espaço para arquitectar ou planear esse acréscimo. A verdade é que desafiamos deficientemente o status quo do tempo que nos governa. Assinalamos o problema. Registamos a falha. Constatamos o resultado. E arquivamos.
“Se não há solução, não há problema” é o chavão do pós‑pós‑pós‑modernismo.
Mas enquanto revisitamos a nossa própria versão colectiva de Chaplin a apertar porcas e parafusos, escapa‑nos enquanto espécie, que se temos engenho para acelerar, haverá certamente por aí escondida, num recanto qualquer da nossa espectacular inventividade, um botão que desacelere o nosso amigo Chronos, quiçá até de forma “inteligente”, mais eficiente, mais rentável, para que ganhemos o nosso tempo. O tempo necessário para que consigamos partilhar de forma mais organizada o imenso talento que temos em criar algo que nos marque, que nos estimule, motive e faça sentir vivos.
Neno Dutra e Pedro Eusébio
São dois "evolucionistas" a realizar funções de Direcção Criativa na empresa Desafio Global.