Espaço AporEP: As precedências em eventos especiais

28-03-2019

Precedência, dizem os dicionários, é o substantivo feminino que significa “qualidade do que é precedente; preferência; primazia”.

A palavra designa ainda o "direito de preceder outrem ou de ocupar um lugar superior ao dele em cerimónias oficiais”.

Preceder, por seu turno, significa “anteceder, adiantar, antepor‑se; vir antes de; estar colocado imediatamente antes de; ir adiante de”. Isto basta para se entender porque é que as precedências constituem a questão essencial do protocolo e por que são sempre uma dor de cabeça para quem organiza eventos.

Este tema foi, desde sempre, nos mais diversos lugares, uma fonte de dificuldades. Basta ter presente as demoras, as discussões e as dificuldades provocadas pela elaboração da Lei das Precedências do Protocolo de Estado Português, que foi publicada em 2006, para se perceber a delicadeza – e a importância – desta questão.

Desde a publicação desta lei, não há evento com presença de altas entidades em Portugal, que se possa organizar sem conhecimento das normas consagradas naquele diploma. A lista de precedências de altas entidades, diz o diploma, “prevalece sempre, mesmo em cerimónias não oficiais”.

As precedências, sejam oficiais ou empresariais, definem critérios de ordenação de autoridades e/ou personalidades. Servem para definir a composição e plano da mesa de presidência; a ordem de discursos; a ordem na fila de cumprimentos e nas primeiras filas da assistência; os lugares numa mesa para assinatura de um contrato; os planos de sala e de mesas num banquete ou num jantar da empresa; as mesas de abertura e de encerramento de congressos ou seminários, etc.

As dúvidas surgem, por exemplo, quando temos de aplicar as precedências e está presente alguém que provoca anticorpos nos outros participantes. Os organizadores de eventos têm de recorrer ao bom senso para resolver estas situações. Podem servir‑se de casos que ocorreram na esfera pública. Por exemplo, na cimeira de Lisboa, em 2000, muitos dos Estados membros fizeram saber que os seus representantes não queriam ficar próximos do chanceler austríaco, nem estavam dispostos a ser fotografados na sua companhia. Para contornar esta situação, o tradicional «retrato de família» foi substituído por um mero “retrato de grupo”, onde o chefe do governo da Áustria não apareceu, ainda que tivesse tomado parte em todos os trabalhos.

Outro episódio, de que me recordo e que pode servir de referência, ocorreu durante a organização da Cimeira UE – África. Esta reunião era uma das prioridades da Presidência portuguesa de 2007, mas o Primeiro Ministro britânico, Gordon Brown, ameaçou boicotar a reunião, quando se confirmou a presença do Presidente Mugabe do Zimbabué. Para sanar esta situação delicada, foi inventado um esquema engenhoso de plano de sala em que a ordem alfabética era em português, em vez de inglês, alternando os delegados entre os dois lados do lugar central da presidência. O representante do Reino Unido aceitou participar na cimeira, porque ficou sentado do outro lado da sala, bem longe do Presidente Mugabe. Os organizadores de eventos podem com imaginação e criatividade escolher desenhos de sala originais de modo a não ter de sentar lado a lado dois conhecidos “inimigos de estimação”.

O protocolo conseguiu, ao longo dos séculos, sanar atritos e conflitos. Mas foi e é muitas vezes invocado para fazer afirmações de superioridade entre os participantes num evento. Ainda recentemente, nas cerimónias do centenário do armistício em Paris, o Presidente da Russia ficou à espera que chegasse o Presidente norte americano, que por sua vez, chegou depois de todos os outros líderes que vieram de autocarro. Só depois do carro ter deixado o Presidente Trump junto do Arco do Triunfo, é que apareceu o carro do Presidente Putin que assim conseguiu ser o último a chegar: em protocolo os últimos são os primeiros!

Conscientes de que as precedências são um tema delicado, os organizadores de eventos em Portugal devem estabelecer um critério de ordenamento de participantes “à prova de bala” e, no caso de estarem presentes altas entidades, devem ter sempre no bolso uma cópia da Lei 40/2006 de 25 de Agosto, para poderem justificar com autoridade e assertividade, o critério que escolheram para o assentamento de convidados.

 

© Isabel Amaral Opinião

Presidente da APorEP - Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo

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