Estudo dá uma visão global (e nada animadora) do setor dos eventos

14-07-2020

O impacto da Covid-19 no setor dos eventos está a ser massivo. Conheça os dados do estudo global da Universidade de Westminster.

Do jantar de aniversário de uma empresa até acontecimentos de dimensão mundial, como os Jogos Olímpicos. Em todo o mundo foram cancelados ou adiados milhões de eventos. Qual o impacto da Covid-19 nas empresas do setor? Quais as perspetivas a curto e médio prazo? Um estudo global da Universidade de Westminster, no Reino Unido, mostra que as previsões não são animadoras.

Os dados revelados pelo estudo “Covid 19 Business Impact Study – A global events industry perspective”, realizado pela Universidade de Westminster e coordenado pelo professor James Morgan, deixam antever tempos difíceis para o setor dos eventos.

Contando com a participação de 675 empresas de 59 países (incluindo Portugal), este trabalho procurou perceber o impacto da pandemia nesta área num período de seis a 12 meses. O confinamento e a recessão económica prevista por entidades como a OCDE e o FMI – e que é já sentida no setor – já indiciavam que a Covid-19 iria deixar marcas profundas para esta atividade.

As respostas obtidas, e que abordam áreas como os recursos humanos, instalações e tesouraria, permitem perceber que, independentemente das repercussões da pandemia em cada país e dos apoios concedidos pelas entidades públicas, algumas empresas podem não sobreviver. “Quase metade dos inquiridos crê que a sua empresa poderá já não existir na sua forma atual no espaço de seis a 12 meses”, conclui este inquérito.

As dificuldades vividas pelos profissionais dos eventos e a perceção de que o caminho para a retoma será longo são agora comprovados por este estudo, realizado pelo The Tourism and Research Group da universidade britânica, e que procura ser um contributo para o setor nesta fase particularmente inquietante.

O contexto económico que serve de cenário a este inquérito não é animador. O FMI prevê que nas economias mais desenvolvidas o PIB caia 6,1%, um impacto que será menor (1%) nas economias emergentes, que não dependem tanto dos serviços.

Por cá, o Boletim Económico do Banco de Portugal (BdP) antevê uma contração no PIB de 9,5 pontos, sendo a descida do emprego na ordem dos 4,5% (2,8% na zona Euro). Ou seja, e como resumem os autores do estudo, são “tempos desafiantes para o setor dos eventos”. A boa notícia é que as previsões económicas para o próximo ano são já mais otimistas. A dificuldade, mostram os dados deste inquérito, pode ser chegar até lá.

Perfil das empresas

Embora as conclusões deste estudo revelem uma certa transversalidade nos problemas que o setor atravessa, o universo de empresas representadas acaba por ser heterogéneo, o que demonstra o impacto global desta crise e a forma como as dificuldades acabam por ser partilhadas por todos.

Foram inquiridos representantes da Europa e América do Norte, mas também de economias emergentes (BRICS) e de países com um nível de rendimentos mais baixo, como Camboja, Honduras, Quénia, Nepal, Sri Lanka, Vietname e Zâmbia.

Quase um terço dos inquiridos trabalha para empresas que operam em mais do que um país. Neste estudo foram ouvidos representantes de empresas de média dimensão (até 75 colaboradores), que representam 62.1% do total, mas também freelancers (14.8%) ou empresas de maior dimensão (76-299 funcionários ou mais de 300).

Em relação aos setores, a distribuição é igualmente heterogénea, incluindo venues e hotéis, mas também empresas de produção audiovisual, de organização de eventos, freelancers, formadores e consultores ou caterers.

Comum a praticamente todos os inquiridos é a perceção de que, a curto prazo (seis a 12 meses), devem preparar-se para a recessão: 77.3% responderam afirmativamente a essa questão.

“Na maior parte das economias com um setor de serviços forte e, especialmente, nas áreas da cultura, turismo e viagens, o impacto será maior”, explicam os autores do estudo.

Quais as soluções?

Perante este cenário, o que farão as empresas? Definir alterar estratégias relacionadas com os preços, diminuir custos com instalações e recursos humanos e outras questões orçamentais surgem como eventuais soluções para minorar o problema.

A redução dos preços neste setor é, reconhecem os autores do estudo, uma questão sensível, já que as receitas terão de ser suficientes para cobrir as despesas fixas. Ainda assim, dois terços dos inquiridos admitem que é necessário dar este passo:

  • 8.9% vão fazê-lo porque a concorrência o está a fazer;

  • 25.6% vão baixar preços porque preveem que os clientes tenham problemas de liquidez;

  • 32.4% acreditam que a procura vai diminuir nos próximos seis meses.

Este último ponto é particularmente relevante já que a questão seguinte colocou “o dedo na ferida” em relação à capacidade que estas empresas têm para fazer face a esta diminuição da procura.

Quando questionados sobre se a sua empresa teria meios para sobreviver seis meses no atual contexto, mais de metade (54.7%) respondeu que sim e cerca de um quarto (26.4%) admitiu que não.

No entanto, e apesar desta aparente capacidade de, com maior ou menor dificuldade, atravessar este período recessivo, cerca de 40% dos inquiridos não sabem se a empresa vai resistir: 19% respondem perentoriamente que não e 20.1% não sabe.

Ainda assim, a grande maioria 60.9% acredita que o seu negócio, nos moldes em que existe atualmente, vai manter-se em funcionamento dentro de meio ano.

“É óbvio que a incerteza é, atualmente um grande problema neste setor”, concluem os autores do estudo, acrescentando: “Muitos dos inquiridos entendem que, atualmente, os eventos virtuais e híbridos serão uma estratégia necessária quando a atividade for retomada”.

A incerteza sobre os preços está relacionada com a procura. Os representantes de alguns locais de eventos, de empresas de produção e audiovisual, que não estão atualmente a usar todos os seus recursos e que preveem que estes não serão totalmente utilizados nos próximos seis a 12 meses, têm um maior grau de incerteza em relação à sua sobrevivência.

No entanto, algumas medidas como a reconfiguração das equipas, instalações e gestão de capital podem ajudar a aliviar alguns impactos financeiros negativos ou a falência da empresa, concluem os autores.

Outra conclusão é que as margens do setor vão diminuir, prevendo-se também, até meados de 2021, fusões (horizontais e verticais) e aquisições no setor.

Recursos humanos: é possível manter o emprego?

Para fazer face à paragem ou diminuição de atividade, várias empresas em todo o mundo foram forçadas a fazer reajustamentos nos seus recursos humanos, incluindo cortes e estratégias de redução temporária, como licenças e lay-offs. Um cenário que, de acordo com este estudo, vai manter-se nos próximos seis a 12 meses.

Das empresas representadas neste estudo, cerca de 26% deram licenças temporárias aos seus funcionários, enquanto 13% tiveram mesmo de dispensar colaboradores que estavam na empresa a tempo inteiro.

Ainda assim, e na data em que o inquérito foi feito (17 de maio) 42.5% não tinham efetuado qualquer alteração em termos de staff e uma pequena parte (0.6%) tinha feito contratações para responder à procura. Um cenário que, advertem os autores do estudo, pode entretanto ter sido alterado, uma vez que toda esta situação é dinâmica.

O teletrabalho foi outro desafio colocado às empresas pela pandemia e, segundo este estudo, a grande maioria (82.4%) considera que trabalhar a partir de casa é eficaz, salientando também que a localização geográfica não teve impacto na produtividade ou qualidade do trabalho.

Sendo que a maioria dos profissionais de eventos está habituada a deslocar-se para trabalhar, este resultado acaba por ser relevante. 68% dos inquiridos dizem mesmo que consideram “aceitável” adotar este modelo de trabalho no futuro; algo que, diz o estudo, terá impacto na forma como são geridas as despesas.

Ainda no que diz respeito a recursos humanos, é notória a preocupação com o peso desta componente no orçamento da empresa. À questão “Nos próximos seis meses a empresa terá de reorganizar a forma como são geridas as despesas com recursos humanos?”, 62.7% responderam que sim, 17.9% não sabem e 19.4% disseram que não.

“Será necessária agilidade em termos de estratégias de recursos humanos para que as empresas possam sobreviver”, sublinha-se.

A flexibilidade das equipas - em termos numéricos, ou seja, saber quantas pessoas são necessárias para desempenhar uma determinada tarefa e em termos funcionais (percebendo quantas funções pode uma só pessoa desempenhar) – é uma prática cada vez mais comum, concluem. Uma opção que, explica o estudo, está também relacionada com a flexibilidade financeira e como a remuneração é ajustada de acordo com oferta e procura de recursos humanos, quer na empresa, quer em termos mais gerais.

A flexibilidade funcional foi incentivada pelas empresas através de formação e a sua eficácia terá ficado demonstrada durante os períodos de teletrabalho.

Já no que respeita à flexibilidade numérica, esta pode ser importante para controlar os custos do trabalho, mas, reconhecem os autores do estudo, é mais fácil de implementar em países onde a legislação laboral é menos rigorosa. Nestes casos, é mais fácil recorrer a freelancers, contratos de curta duração e calcular os custos do trabalho com base na procura.

Empresas com espaços físicos: até quando?

A pandemia trouxe igualmente uma nova forma de olhar para os espaços físicos onde se desenvolve o trabalho, levando mesmo muitos a questionar a necessidade de ter um local – e os custos associados – para trabalhar.

Este é um aspeto que parece dividir os inquiridos. 65.9% diz que, antes da Covid-19, as suas instalações eram utilizadas de forma eficaz. Ainda assim, e quando confrontados com a possibilidade de reduzir os seus espaços físicos, 42.4% dos inquiridos admitiram que considerariam essa hipótese.

Uma resposta que pode estar relacionada com a necessidade de reduzir as despesas associadas, como rendas ou custos com empréstimos. Mais de metade dos inquiridos referiu a necessidade de poupar dinheiro neste tipo de gastos.

Os autores do estudo concluem que, se analisarmos esta resposta em conjunto com a aceitação quase generalizada do teletrabalho, este pode ser um claro indicador de que, num futuro próximo, serão tomadas decisões que impliquem mudanças na estrutura física das empresas: “Os contratos de aluguer que terminem até ao fim do ano não devem ser renovados. Quem tiver empréstimos pode passar a dividir os escritórios com outras empresas ou freelancers. Poderá ser necessário recorrer à venda de imóveis. No entanto, esta redução não é aplicável a todas as áreas do setor. Os espaços para receber eventos não podem ser reduzidos. As empresas de produção e audiovisual que precisam de espaços para armazenamento podem mudar-se para locais mais baratos”.

Empréstimos e ajudas do Estado: sim ou não?

Dado que muitas empresas tinham admitido não ter liquidez suficiente para os próximos seis meses, será que ponderam recorrer aos apoios concedidos pelos governos dos respetivos países, incluindo linhas de crédito?

Cerca de metade admitiu recorrer a este tipo de ajuda: 36.6% já se tinham candidatado e iriam receber ajuda e 11.6% admitiram fazê-lo no futuro.

Entre os que responderam negativamente, 31.1% garantiram que não o fariam. Segundo os autores do estudo, são empresas com maior liquidez, mas que terão já feito cortes na despesa, incluindo em recursos humanos. 14.4% (sobretudo nos países emergentes e economias mais débeis) não pedem apoio ao Estado porque essa opção não está disponível e 6.4 pediram ajuda, mas esta foi recusada.

Já o recurso aos empréstimos bancários tradicionais será opção para 12.6%, embora cerca de 30% não saibam ainda se terão de o fazer. Ainda assim, a maioria (57,8%) garante que não vai recorrer ao crédito bancário.

Mesmo assim, 23.6% não sabem se um empréstimo será suficiente para que a empresa possa manter-se nos próximos seis meses e 35.9% duvidam que a recessão dure apenas meio ano.

“Com os fundos de reserva a serem usados para estabilizar as empresas, a maioria dos planos para investir estão suspensos a curto prazo. Devido à incerteza em termos económicos, as empresas terão de esperar para ver qual será o desenvolvimento da procura em termos nacionais e globais. Uma retração contínua da procura terá impacto na política de preços e na tesouraria. No entanto, algumas empresas com maior poder financeiro poderão adquirir concorrentes que desvalorizaram. Em alguns casos, as reservas financeiras serão guardadas até que seja restaurada a confiança a nível global”, revela o estudo.

Outro dado importante é que cerca de dois terços dos inquiridos preveem que a recessão dure mais do que seis a 12 meses. Os autores acreditam também que os clientes questionem os preços para eventos – presenciais, virtuais ou híbridos – o que terá impacto nas finanças das empresas.

Quase metade dos inquiridos (49%) admite uma reorganização da empresa em termos de gestão financeira nos próximos seis meses.

Conclusões e previsões para seis a 12 meses

Assim, e acordo com este estudo, quais serão as principais questões com que as empresas deste setor terão de lidar?

No que respeita aos recursos humanos:

  • Criar uma estratégia que tenha como base uma previsão da procura até meados de 2021, adaptando a estrutura a essas necessidades;

  • Flexibilidade em termos do tamanho das equipas, adaptabilidade para desempenhar várias funções e redução de custos, contratando pessoas com menos experiência ou qualificações.

Em termos de instalações:

       •   Equilíbrio entre o teletrabalho e o trabalho nas instalações da empresa;

       •   Partilha de espaços (alternativa e / ou temporária), diminuição do tamanho das instalações ou mudança para outro local;

       •   Venda de imóveis para gerar receitas.

No que respeita à situação financeira:

  • Equilibrar o reembolso de empréstimos com as previsões em termos de negócios;

  • Equilibrar potenciais fusões e aquisições com avaliações realistas sobre o valor das empresas;

  • Gerir a procura através do reajustamento de preços;

  • Criar estratégias de redução de custos a curto e médio prazo que permitam oferecer preços competitivos.

 

Olga Teixeira