“Navegar às escuras”

27-03-2020

Impacto máximo, negócio parado, incerteza total. As agências de eventos vivem tempos conturbados, e por isso apelam a medidas rápidas que não impliquem apenas endividamento e que permitam manter as portas abertas. Em teletrabalho, as agências continuam a manter ligação próxima com os clientes e a imaginar o futuro. Aqui fica o testemunho de cinco agências de eventos.

Negócio afetado

Nenhuma agência de eventos está a passar incólume a esta crise provocada pela Covid-19. Pedro Santos Costa, da Prestígio, confirma que a situação afetou “radicalmente” o negócio. “Passámos de uma semana para a outra a ver cancelados e/ou adiados todos os eventos que tínhamos em carteira”, refere. Mas o que o mais o perturba neste momento é não se conseguir prever quando é que poderão voltar a organizar eventos. “A devastadora crise económica mundial não nos permite saber neste momento se os nossos clientes vão ou não conseguir ultrapassar todas as dificuldades que vão passar e consequentemente quais os investimentos que vão ter disponíveis para a comunicação e, em particular, para os eventos corporativos e ativações de marca”, diz Pedro Santos Costa, sublinhando que “pior do que a tempestade, é conseguir navegar às escuras”.

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Pedro Santos Costa, Prestígio
 

Gilda Mendes, CEO da No More, confirma os adiamentos e cancelamentos, bem como a paragem no fluxo diário de pedido de propostas, “o que torna mais claro que estes reflexos vão estar mais evidentes nos próximos meses”. A responsável destaca o espírito da equipa No More, nesta altura difícil, de distanciamento social. “Do ponto de vista da equipa interna, empenhada no negócio, afastou-nos fisicamente (e a proximidade física humana é valiosa), mas reforçou um sentido de missão e esforço para ajudar a ultrapassar o impacto previsto para a empresa”, destaca.

Para Rui Batista, da UPPartner, a Covid-19 representa para o setor dos eventos “uma bomba nuclear”. “ Estamos a falar de uma indústria que vinha de um plano de crescimento sustentável, fortemente apoiado na recuperação da confiança do investimento por parte das empresas, e alicerçada também em parte no turismo, e em Portugal enquanto destino de eleição para férias e turismo de negócios”, refere o diretor de Eventos da UPPartner. O responsável lembra que 2020 seria um ano de muitas oportunidades de negócio e de amplificação da comunicação das marcas pelo que a Covid-19 provocou uma “cratera” no setor. “Aniquila a praticamente 100% o nosso setor, e por arrasto as ondas de choque vão-se fazendo sentir,  abalando um conjunto de empresas e parceiros (caterings, restauração, audiovisuais, empresas de animação, transportadoras, hospedeiras, entre muitos outros). Toda uma cadeia de valor que repentinamente, e de forma violenta, se encontra numa situação de incerteza e sem canal de oferta ou de procura”, lamenta Rui Batista.

Os problemas também bateram à porta da Kria Eventos. “Os eventos que tínhamos para três meses foram todos cancelados”, regista Bárbara Sobral. A diretora destaca ainda que todas as restantes propostas ficaram em modo ‘stand by’.

João Morais, da Bridge, afirma que todo o primeiro semestre está comprometido. Depois, “mantemos a maior parte das iniciativas previstas – todos acreditamos que a pandemia possa ser mitigada e que seja possível voltarmos a celebrar o quanto antes”. O responsável lembra que “quando trabalhamos numa área que reúne pessoas para que tenham boas experiências em conjunto, estamos na linha da frente das atividades que mais sofreram com este período”. O diretor da Bridge avisa que só resta esperar e estar atento à evolução da situação.

Medidas para o setor

Os nossos entrevistados acreditam que o endividamento não é uma solução e que o apoio do Governo tem que passar por outras ferramentas que ajudem estas empresas a sobreviverem e a prepararem-se para o pós-crise. Ajuda na manutenção de emprego é essencial, segundo Gilda Mendes, da No More. E lembra que “o modelo inglês de dar dinheiro para salvar o emprego e as empresas é bem diferente, para melhor, do que emprestar uma parte do dinheiro com juros que as empresas não vão poder suportar”. Bárbara Sobral, da Kria Eventos, lamenta que a perspetiva atual das medidas seja no sentido do endividamento, “estão a condenar empresas e a empurrá-las para a falência, e isso leva ao desemprego na mesma...”. A responsável diz que tem que se encontrar soluções para os recursos humanos, sem perder apoios e sem criar dívida. São necessárias, nesta fase, “medidas que assegurem a liquidez das empresas (flexibilização no pagamento de impostos, moratória de pagamentos à banca, adiamento dos pagamentos a SS e linhas de crédito garantidas pelo estado com taxas muito baixas ou nulas)”, destaca João Morais, da Bridge. O responsável acredita que só assim é possível manter as portas abertas e os postos de trabalho. “Elevar os níveis de endividamento é do que menos precisamos”, alerta.

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Bárbara Sobral, Kria Eventos
 

“Na minha opinião a injeção de capital de forma simples e célere nas empresas seria a medida mais urgente”, refere Rui Batista da UPPartner, lembrando que outros países estão a adotar medidas semelhantes. “Em Portugal reservo algumas dúvidas no que concerne à forma como as medidas apresentadas estão a ser implementadas, e ao montante de verbas reservado para o efeito. Penso que existe vontade política para ajudar e fazer algo, mas, como em muitas outras situações, mantemos o excesso de burocracia e demora na implementação das ações a tomar”.

Pedro Santos Costa, da Prestígio, lamenta que até agora “o que o Governo propôs é de facto ‘uma mão cheia de nada’, é um empurrar com a barriga para a frente, sem qualquer sensibilidade para a devastadora crise com que este setor se depara, desde o pagamento de salários , às rendas, aos leasings, etc.”. Sendo que o que se impõe, na opinião do diretor da Prestígio, é “um apoio real à massa salarial, pois sem ele muitas das empresas deste setor vão ser obrigadas a despedir colaboradores ou mesmo a fechar portas, um adiamento aos créditos à banca, tal como está a ser feito com o crédito à habitação, acessos a linhas de crédito a custo zero, e uma isenção de pagamento das rendas dos nossos escritórios que neste momento estão devolutos, pois todos nós estamos em teletrabalho”.

Trabalho junto dos clientes

Estando o setor em teletrabalho, as videoconferências são nesta altura um grande aliado para manter a relação e o envolvimento com os clientes. As empresas de eventos continuam focadas e a preparar o pós-crise. “Estamos a comunicar, estamos a reinventar-nos... fazer eventos ‘ao contrário’... a mostrar a nossa solidariedade com os nossos clientes e a tentar ajudar na ‘educação’ dos nossos seguidores”, revela Bárbara Sobral, da Kria Eventos.

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João Morais, Bridge


O diretor da Bridge, João Morais, lembra que “neste período é dar o máximo de apoio e facilitar as suas tomadas de decisões. Procurar afastar o pânico e a angústia e pôr a funcionar as verdadeiras parcerias que criamos com eles e que são uma das razões do nosso sucesso. Temos que manter sempre um enorme sinal positivo”.

Pedro Santos Costa, da Prestígio, confirma que têm feito muitas conference calls e regista que “é muito importante que a comunicação com os nossos clientes flua de uma forma muito positiva e construtiva, e que se tente prever as necessidades nos eventos e ativações de marca para um futuro próximo”. O responsável refere, no entanto, que são poucos os clientes que estão a olhar para a retoma. Pedro Santos Costa refere ainda que estão a intensificar o trabalho de comunicação digital e de redes sociais, de forma a “mostrar que estamos cá, cheios de motivação e criatividade para ajudar as marcas e clientes a superar toda esta crise numa verdadeira parceria”.

Gilda Mendes afina pelo mesmo diapasão. Na No More estão a fazer “um trabalho de testemunho de serenidade e de confiança. Fazemos muita comunicação. E por isso, nesta fase, achamos crucial orientar as empresas para uma comunicação positiva que ‘Portugal segue dentro de momentos’ e segue em força, claro”. Este é também um tempo de análise, de revisão de processos na agência e de criação de coisas novas.

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Gilda Mendes, No More


A UPPartner está concentrada em oferecer aos clientes novas ferramentas de comunicação. “Iremos lançar muito em breve a nossa plataforma meetUP. Uma plataforma de serviços de eventos virtuais, com a possibilidade de se poder realizar webinars, conferências, live streaming e muito mais”, refere Rui Batista, lembrando, no entanto, que nada substituirá as experiências ao vivo. “Nesta fase é importante que as empresas tenham alternativas para falarem com os seus colaboradores e consumidores”. A agência está ainda a apostar nos conteúdos digitais e ainda tem tempo para se associar a diferentes instituições e profissionais que combatem a pandemia. “Queria deixar a seguinte mensagem para o nosso setor: não vamos parar, não vamos desistir, vamos reinventar-nos e ser criativos, olhar à vossa volta, pensar em conjunto. As oportunidades só acontecem se nos mexermos, por muito loucas que as ideias possam por vezes parecer”, partilha Rui Batista.

E o futuro?

É impossível neste momento prever o que vai acontecer nos próximos meses. Pedro Santos Costa, da Prestígio, não acredita que a retoma venha antes de Setembro e quando ela surgir “é necessário pensar que também a maioria dos nossos clientes sofreram os efeitos da Covid-19, e estarão quase com certeza com bastantes dificuldades financeiras, por isso não acredito que a nossa retoma seja em força, acho mesmo que será muito a meio gás”.

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Rui Batista, UPPartner


Rui Batista também não antevê que o segundo semestre seja “milagroso”, “Vai ser sim um caminho penoso e de fortes dificuldades económicas e sociais. Toda a nossa indústria vai ter de se reinventar, pois haverá sempre um momento antes e pós ‘bomba nuclear’ Covid-19”, afirma o diretor de eventos da UPPartner, reconhecendo também que é “urgente pensar num plano de retoma” e que depois entidades como o Turismo de Portugal “vão ter de assumir um papel essencial e será importante mostrarmos Portugal de novo ao mundo”.

“Para nós, empresas de eventos, não vai ser abrir a porta e começar a faturar... vai ser um processo moroso, em que as empresas certamente quererão dar passos certos, com orçamentos que irão estar bastante fragilizados”, refere Bárbara Sobral. Apesar da contenção, a diretora da Kria Eventos acredita que “ao nível de equipas, vão precisar de reforçar os laços, animar colaboradores, e é aí que reside a nossa esperança”.

João Morais quer acreditar que depois desta privação as pessoas vão querer sair e ir a eventos. Mas “os promotores e atores económicos do setor poderão estar de tal forma fragilizados que muitos poderão não ter a energia necessária para ‘fazer acontecer’. Não sabemos ainda. O diretor da Bridge lembra ainda que é importante saber se haverá medidas de saúde pública para o pós-pandemia. E importa que estas não coloquem em causa a génese do setor, que é juntar pessoas. “Mais uma vez, temos que ser otimistas”, remata.

Gilda Mendes tem as mesmas preocupações e o mesmo espírito optimista. “Vai claro haver um ‘mix feeling’, que é o somatório do medo que ainda pode existir e da vontade enorme de fazer a festa. Com o tempo, os dias de festa superarão o medo e voltaremos a ser o país alegre e acolhedor que sempre fomos”. A responsável da No More antecipa a multiplicação de eventos solidários e de reconhecimento, e lembra, “nunca como hoje os diferentes artistas do mundo tiveram tanto tempo de recolhimento para trabalharem a sério no processo criativo. Vamos ter coisas novas e lindas, seguramente!”

Cláudia Coutinho de Sousa
 

Foto de abertura: Bea World