Pandemia deixa impressões… digitais nos eventos associativos
08-10-2020
Numa das Conversas da Event Point – série Quarentena, a 20 de abril, estiveram à conversa Sandra Fazenda de Almeida, diretora executiva da APDC – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações, e Daniel Ferreira, diretor clínico do Hospital da Luz e presidente da Comissão Organizadora e da Comissão Científica do Congresso Português de Cardiologia (CPC) em 2019.
Voltamos a ouvi‑los para conhecer as suas visões para o futuro dos eventos associativos: Sandra Fazenda de Almeida na perspetiva de uma associação que também organiza diferentes eventos; Daniel Ferreira na ótica de quem teve em mãos a organização de um dos maiores congressos médicos em Portugal e de quem participa, como delegado e orador, noutros encontros científicos no país e além‑fronteiras.
Seis perguntas a Sandra Fazenda de Almeida
Nestes meses de quarentena, como resolveram a questão da comunicação com os públicos, interno e externo?
A APDC assume‑se como plataforma de debate e reflexão de todos os temas decisivos e mobilizadores da transformação para o digital e, por isso, a nossa comunicação com os nossos públicos é eminentemente digital. Criámos uma nova newsletter e área específica no nosso website dedicado a dar visibilidade à resposta tecnológica, dos nossos associados e parceiros, aos problemas que emergiram com a pandemia. Os únicos impactos que a pandemia teve na atividade da associação foi efetivamente na edição da nossa revista trimestral ‘Comunicações’ [que viu condicionada a sua produção e que, pela primeira vez desde 1985, foi distribuída exclusivamente por meios digitais] e na área dos eventos.
A associação organiza várias iniciativas ao longo do ano, desde pequenos‑almoços executivos, jantares reservados até conferências. Sobre o nosso grande evento anual – o Digital Business Congress –, que junta cerca de 2.000 profissionais, já tínhamos acordado adiar a sua realização, pois decidimos reposicionar o congresso numa nova data mais próxima do início do ano. Assim, a pandemia não teve impacto nesta decisão, mas reforçou ainda mais a determinação de realização apenas em abril de 2021. Transformámos os nossos ‘Digital Business Breakfasts’ em ‘Webmornings’, os nossos ‘Digital Business Dinners’ em ‘Point of Preview’ e organizamos vários outros webinares. Fizemos a transição para os eventos digitais com naturalidade, recorrendo às soluções e apoio dos nossos parceiros e associados – Cisco Webex Events, Microsoft Teams live events e Google Meet.
No desenvolvimento de soluções virtuais contaram com apoio das agências de eventos ou necessitaram de outro tipo de fornecedores?
Não recorremos a agências de eventos para estes eventos mais simples, que ocupam no máximo 1h30, mas estamos agora a realizar uma consulta a três agências para apoio na realização do nosso congresso anual. Contámos com o apoio das próprias empresas promotoras das soluções – Cisco, Microsoft e Google. É a vantagem de sermos a associação do digital e de podermos contar com o apoio das grandes tecnológicas presentes no nosso país.
Qual o feedback dos públicos a este tipo de eventos?
O feedback inicial foi tremendo e inesperado. Agora, acho que o mercado já normalizou, há mais oferta de eventos digitais, as próprias marcas estão a realizar as suas iniciativas e a retoma da nova normalidade veio trazer os números das audiências para perto (ainda que ligeiramente superior) dos públicos físicos.
Que vantagens e desvantagens encontraram na realização dos eventos virtuais?
Diria que a maior vantagem da organização de eventos virtuais é a possibilidade de atrair um público mais vasto. Desde que partilhemos o idioma (e, eventualmente, o fuso horário), podemos ter uma plateia com participantes oriundos de vários países. Os eventos limitados a um espaço físico restringem o público ao local onde acontecem e o digital veio quebrar essa barreira. Os nossos eventos são sempre gravados e disponibilizados para posterior visualização, mas faltava‑lhes a componente de interação que os eventos digitais possibilitam. Outra vantagem diria que é o custo menor, mas isso também depende de evento para evento e das funcionalidades que ativámos para cada evento digital. Podemos reduzir os custos para a organização e para os participantes, que evitam deslocações e otimizam o seu tempo. A maior desvantagem diria que é a falta de contacto físico nos momentos de networking.
Com as regras existentes até ao dia de hoje, ponderam regressar aos eventos presenciais? Que requisitos precisam de ver assegurados para voltar a esse formato?
Sim, ponderamos realizar eventos em formato híbrido: com uma menor participação de pessoas presencialmente, em combinação com o evento em formato digital, para uma plateia mais alargada. Só estamos a pensar retomar o formato presencial quando os números da pandemia estiverem mais controlados e em eventos onde claramente faça sentido, pelos oradores envolvidos e pelo tema abordado. Achamos que há outras oportunidades para os eventos físicos, totalmente novas, desde as soluções de catering (com boxes individualizadas) até kits de proteção individual personalizados.
Os eventos totalmente virtuais ou os eventos híbridos são uma solução para o futuro? Na APDC acreditamos que esta jornada vai deixar marcas sólidas que vão mudar para sempre os nossos eventos e forma de trabalhar. Por isso, estamos a analisar quais as melhores opções para o futuro dos nossos eventos. Gostamos de estar na dianteira do que melhor se faz em Portugal na área do digital. Por esse motivo, fomos também das primeiras associações a realizar a Assembleia‑Geral [AG] por meios telemáticos, recorrendo a uma plataforma especializada, desenvolvida pelo nosso associado Indra | Minsait. Este modelo virtual de realização da AG foi um sucesso, abrindo espaço para outras iniciativas semelhantes de outras organizações.
Seis perguntas a Daniel Ferreira
Nestes meses de quarentena, assistiu ou participou em eventos virtuais?
Nos primeiros meses da quarentena, o que assistimos foi ao cancelamento/ adiamento dos eventos médicos previstos, especialmente os que estavam programados para março/abril, uma vez que não houve tempo para os converter em formatos mais digitais. Rapidamente os vários promotores dos eventos médicos se adaptaram à nova realidade e converteram muitos dos eventos em formatos online síncronos ou assíncronos. O que assistimos também foi a uma verdadeira explosão de webinars sobre as mais variadas temáticas de Saúde, mas, na sua esmagadora maioria, contendo a temática da pandemia Covid‑19. Entramos agora numa fase de verdadeira “exaustão” provocada por tantos webinars com este tema, o que tem levado a um decréscimo no número de participantes, seja por haver vários webinars em simultâneo nos mesmos dias e horas para a mesma população‑alvo, seja porque os profissionais sentem necessidade de limitar o número de sessões a que assistem.
Que vantagens e desvantagens vê na realização desse tipo de eventos?
Os formatos mais digitais têm obviamente algumas vantagens: permitirem a participação evitando deslocações (nacionais ou internacionais); terem menor custo (frequentemente têm inscrições gratuitas); evitam concentrações de grandes números de participantes em espaços limitados; usufruírem da comodidade de poderem ser selecionadas as sessões que mais nos interessam; permitirem interação com os moderadores e palestrantes através das ferramentas de chat frequentemente disponibilizadas (são colocadas mais perguntas nestes formatos dos que nos presenciais); têm menores custos de implementação para os patrocinadores dos eventos, poupando despesas em deslocações de convidados/palestrantes, em instalações para acolher os eventos, em staff de suporte local, em refeições ou em alojamentos, por exemplo. Já em relação às desvantagens, podemos também apontar algumas: menor envolvimento dos participantes com o evento (por exemplo, é mais difícil justificar ausências dos serviços hospitalares ou cancelar atividade em consultórios/clínicas para poder assistir a eventos online); menor ‘income’ financeiro para os patrocinadores dos eventos que, em muitos casos como o das Sociedades Científicas, dependem em grande parte dos lucros dos eventos para a sua subsistência; a participação num evento digital como “assistente” poderá ser vista como não tendo o mesmo peso curricular que assistir a um evento presencial, o que pode ser importante especialmente para os médicos mais jovens ainda em formação.
Num evento virtual considera que o conteúdo tem de “compensar” o formato?
Penso que o conteúdo terá sempre de ter a qualidade suficiente para justificar o investimento (de tempo ou económico) da participação em qualquer evento, seja ele presencial ou virtual. Não me parece que o facto de um evento se desenrolar numa plataforma virtual deva ser encarado como de menor qualidade. Vai depender sempre da qualidade dos palestrantes e do conteúdo das suas apresentações. Penso até que, o facto de o evento ser virtual, poderá permitir que sejam convidadas para palestrantes personalidades de grande mérito que, face às suas agendas muito preenchidas, poderiam recusar convites que implicassem grandes deslocações geográficas e que, num ambiente virtual, poderão estar mais disponíveis para participar e dar o seu contributo para a qualidade do programa científico dos eventos.
Considera que o CPC, cuja edição deste ano foi adiada para o final do ano, poderia ser realizado online?
Não faço parte da Comissão Organizadora do CPC2020, pelo que não posso responder em nome dessa comissão e desconheço qual será a decisão final sobre a manutenção do evento presencial em novembro, a sua conversão para um modelo online ou o cancelamento definitivo do evento este ano. Seguramente que os colegas que integram a comissão deste ano estarão a ponderar todas as hipóteses que melhor sirvam os interesses da Sociedade Portuguesa de Cardiologia [SPC], dos seus sócios e dos habituais congressistas. Um congresso com a dimensão do CPC – no ano de 2019 tivemos mais de 2.800 congressistas presentes, mais de 1.500 em modo remoto e mais de 100 sessões científicas em três dias de congresso – não pode ser transposto diretamente para um formato online. Isso implicaria seguramente muito significativas alterações no modelo do congresso. Dito isto, é hoje uma realidade que outras grandes sociedades internacionais na área da Cardiologia converteram os seus grandes eventos anuais em modelos online, pelo que não seria impossível que a SPC pudesse fazer o mesmo com o CPC2020. Existe ainda um outro fator a considerar nesta equação que é o fator tempo. A transformação do CPC2020 para um outro formato tem o desafio do tempo necessário para a sua preparação em tempo útil, para que seja efetuada esta opção para as datas previstas para novembro. Teremos de aguardar a ponderação, que estará seguramente a ser feita pela Comissão Organizadora do CPC2020, dos prós e contras das várias opções, sabendo de antemão que nenhuma delas será uma opção fácil de tomar.Que requisitos precisa de ver assegurados para voltar a participar, como delegado ou orador, nos eventos presenciais? Não sendo infeciologista de formação, penso que teremos de confiar nos especialistas que aconselham a Direção Geral da Saúde para a elaboração das suas recomendações em tempos de pandemia e para a fase pós‑pandémica. Enquanto tivermos restrições à realização de eventos com mais de 5, 10, 20 pessoas, dificilmente poderemos regressar à realização de eventos presenciais nos moldes tradicionais. Sendo profissionais de Saúde, compreendemos talvez ainda melhor o dever de distanciamento físico numa situação de crise pandémica. Por outro lado, a sobrecarga de trabalho imposta aos profissionais de Saúde torna ainda mais difícil que possam ser dispensados dos seus locais habituais de trabalho, para participarem em eventos de formação que não sejam absolutamente essenciais. Dito isto, só antevejo que se possa regressar a uma “normalidade” em termos de eventos médicos depois de passada a crise pandémica e de estarem reunidas condições de segurança adequadas.
Como vê o futuro dos eventos médicos? O formato híbrido é uma solução para o futuro?
A crise pandémica trouxe‑nos novas maneiras de encarar o mundo em geral e a saúde, o trabalho, a escola e outros setores da nossa sociedade em particular. É hoje unânime a constatação de que a crise trouxe uma brutal aceleração da adoção do digital nas nossas vidas. E no futuro próximo, com a introdução das redes 5G, essa aceleração do digital poderá ter um igualmente significativo impulso. Assim, os eventos médicos serão igualmente afetados por estes avanços tecnológicos. Serão seguramente menos frequentes as onerosas deslocações nacionais e internacionais para frequentar os eventos, podendo fazê‑lo de modo remoto em modalidades síncronas ou assíncronas. Haverá seguramente lugar para uma componente presencial dos eventos, mas a componente digital passará a ter maior peso relativo. De modo que sim, acredito que formatos híbridos poderão vir a tornar‑se naquilo que hoje é vulgar chamar‑se de “o novo normal”.
Maria João Leite