< Previous(Como a Covid‑19 está a levar os videojogos e os esports para o próximo nível), em que, além de dados que ilustram bem o peso deste setor na economia, revela que o recolhimento domiciliário parece ter beneficiado esta área de negócio. Num contexto de confinamento e distanciamento social, parece óbvio que o gaming e os esports teriam todas as condições para um enorme crescimento, não só nos mercados tradicionais – como a zona da Ásia‑Pacífico, que vale metade da quota a nível mundial ‑, mas também noutros pontos do planeta. Entre 16 e 22 de março, altura em que o confinamento se ia disseminando em todo o mundo, foram vendidos 4.3 milhões de jogos só nos países analisados para a GSD (Games Sales Data, uma tabela que reúne dados de vendas de videojogos em 42 territórios, incluindo Portugal). O mercado global dos videojogos deveria valer este ano cerca de 159 mil milhões de euros e, deste valor, cerca de mil milhões dizem respeito aos esports, sendo que grande parte da receita advém da publicidade e transmissão. A fatia dos esports pode, no entanto, vir a crescer bastante. A pandemia levou ao cancelamento ou adiamento de grandes eventos desportivos e isso fez com que as plataformas de esports tivessem percebido a grande oportunidade criada. “Temos realizadores, produtores, engenheiros e jogadores profissionais a trabalharem remotamente para recriar o entusiasmo e a qualidade de um evento em direto”, contou Mike Sepso, cofundador e CEO da Vindex, uma plataforma de infraestruturas de esports. O impacto económico poderia ter sido maior, mas os contratos publicitários e os direitos de transmissão foram negociados antes da pandemia, pelo que os montantes até foram mais baixos do que deveriam, alerta Hall. Ainda assim, a Covid‑19 serviu para que os mais distraídos pudessem olhar para este setor e perceber que, não só permitiria manter o engagement com o público habitual, como cativaria novas audiências e novos fãs. WWW.EVENTPOINT.PT 40 DOSSIÊ TEMÁTICO Nos Estados Unidos, as provas virtuais de NASCAR, transmitidas na NBC, ultrapassaram um milhão de espetadores. Ainda nos EUA, a ESPN chegou a ter 14 horas da sua grelha de programação preenchidas com esports. Com o cancelamento dos GP de Fórmula 1, o “grande circo” passou para o mundo virtual. Além da transmissão de provas online através do youTube e Twitch, qualquer pessoa poderia competir com os pilotos em corridas de exibição. Tudo, claro, longe do asfalto, mas na segurança do lar. Em vários eventos de esports, a participação de desportistas famosos atraiu um público que poderia estar relutante em aderir, ampliando assim a base de espectadores e de seguidores. Pode ser um fenómeno passageiro, mas pode também ser o início de um novo envolvimento dos fãs – e das marcas – com os seus desportos favoritos. A REALIDADE PORTUGUESA Transpor estes dados para a realidade portuguesa pode ser difícil, “pois o mercado é muito pouco regulado e existe pouca informação disponível de todos os stakeholders”, admite Marco Janeiro. Ainda assim, e tendo como ponto de partida os números da Newzoo, “em que o gaming vale 150 mil milhões e os esports representam 0,63% desse valor”, é possível fazer um cálculo em termos nacionais: “Em Portugal a previsão para este ano era o gaming atingir os 200 milhões, sendo que se usarmos os 0,63% podemos estimar 1.260 milhões para os esports”, calcula o responsável federativo. Em relação ao impacto da Covid‑19, Marco Janeiro crê que é prematuro falar de um boom dos esports: “Aquilo que aconteceu foi os esports terem uma maior visibilidade o que não significa, de todo, que tenham crescido, nem muito menos ‘explodido’. Houve muito mais pessoas a compreenderem o © João Ferreira ‑ Inygon fenómeno, pela facilidade de criação de conteúdos ‘dentro de casa’ não tendo isso significado que, como resultado dessa visibilidade, tenha existido mais investimento nos esports, nem muito menos existido algum crescimento.” As cautelas do presidente da FEPODELE são ainda reforçadas pelo impacto que a pandemia teve na própria economia. “Diria que só iremos observar o impacto da Covid‑19 nos esports após ultrapassarmos a crise económica que estamos a começar a viver, já que muitos dos stakeholders que podem ter interesse no investimento foram também eles afetados pela pandemia, priorizando com certeza a sua recuperação”, explica. João Cício, da Inygon, salienta o facto de “numa altura em que todo o desporto em Portugal parou, a Liga Portuguesa de League of Legends cumpriu o seu calendário religiosamente”. “É verdade que perdemos alguma qualidade de produto não podendo recorrer ao estúdio e tendo que focar numa produção 100% digital”, admite, lamentando: “Só foi pena não levarmos as finais aos eventos como o costumamos fazer.” O organizador de eventos destaca também o facto de, por exemplo “a Worten realizar várias ativações durante duas semanas logo no início da quarentena”. “E lá fora, apesar de termos alguns eventos cancelados, a maioria conseguiu adaptar‑se muito bem, tal como nós. Em suma, não fomos totalmente imunes à situação, mas adaptamo‑nos muito bem, e conseguimos não ficar atrapalhados. Num calendário competitivo que vai de janeiro a novembro, não perdemos uma única ronda ou jornada e conseguimos transmitir tudo.” Para Pedro Honório, o atual contexto “não só potencia o crescimento dos esports como teve a capacidade de demonstrar que o gaming e os esports são, afinal, uma boa forma de relacionamento e convivência social, desde que, e à semelhança de todas as outras atividades da vida, não seja exercida em demasia”. WWW.EVENTPOINT.PT 42 DOSSIÊ TEMÁTICO SE JOGAR, PODE BEBER? Os hábitos dos praticantes e espetadores de esports podem representar, para as marcas, mais uma oportunidade de investimento publicitário e, obviamente, de retorno. A Newzoo divulgou, entre maio e junho, dois estudos realizados a nível global que demonstram bem a oportunidade que este setor pode constituir. Um deles, que envolveu jogadores da América do Norte, Europa Ocidental e APAC, concluíu que 80% consomem produtos alimentares e bebidas enquanto jogam. Batatas fritas e outros aperitivos estão entre as preferências dos jogadores, que optam pelos refrigerantes para acompanhar estes snacks. Outro estudo mostra que estes hábitos de consumo são partilhados por quem assiste aos jogos. 86% dos espetadores na Europa Ocidental come e bebe enquanto vê esports. Mais importante do ponto de vista das marcas é perceber que estas pessoas têm mais tendência a ter uma atitude positiva perante essas marcas do que aquelas que não assistem a este tipo de eventos. Realidades que estão já a ser capitalizadas por empresas como a Coca‑Cola ou a Red Bull. A primeira tem patrocinado eventos como a League of Legends, FIFA, Overwatch League ou os esports da NASCAR. Já a Red Bull, marca associada à Fórmula 1 e à Red Bull Air Race, tem feito parcerias com equipas, tendo mesmo uma equipa própria, a Red Bull OG. SABER FALAR COM AS GERAÇÕES DIGITAIS Pedro Honório Silva considera que, “tanto no estrangeiro como em Portugal, as marcas comerciais já entenderam que os esports e o gaming são uma forma muito interessante e com bons resultados para atingir um target market diferente, único e que não é © João Ferreira ‑ Inygon muito sensível a métodos de publicidade tradicionais como muppies/outdoors, televisão ou rádio”. Assim, os esports são “uma forma muito eficaz” de atingir as gerações digitais, explica o especialista. “Estamos a falar de gerações interessadas e fluentes em tecnologia, a maioria delas com poder de compra e autonomia para concretizar essas mesmas compras e que, muitas vezes, compra por impulso”, sublinha. Esta é uma realidade que está também a ser tida em conta pelos clubes desportivos. O professor da Universidade Europeia tem procurado passar esta mensagem nas conferências internacionais em que tem participado e nos contatos com diretores de marketing digital dos maiores clubes europeus. “Apostar nos esports é uma das melhores maneiras (senão mesmo a melhor) de renovarem a sua fanbase. Porque estes jovens, que agora têm entre 15 e 25 anos, daqui a 10‑15 anos serão os decision makers não só dos seus lares, como provavelmente das empresas onde trabalharão. E se os clubes não trabalharem agora a sua fidelização, daqui a 15 anos será ou muitíssimo mais difícil, ou mesmo impossível, chegar a eles.” Marco Janeiro salienta igualmente o papel dos millennials no crescimento dos esports, lembrando também “o investimento que tem sido realizado ao longo dos últimos anos”: “Este fenómeno despertou o interesse em importantes stakeholders que, embora não sejam millennials, desejam estar próximos das massas, compreendendo o fenómeno e acompanhando as tendências.” WWW.EVENTPOINT.PT 44 DOSSIÊ TEMÁTICO Parece ser esse o caso de João Cício, responsável por uma empresa em que todos são “millennials e zoomers” e que, por isso, não sente dificuldade em comunicar com este target: “Entramos neste mercado porque é algo onde temos uma grande paixão e onde realmente gostávamos de trabalhar. A partir daí, desenvolver um evento ou um conceito de competição acaba por ser algo natural, sendo que somos gamers a fazer algo para gamers”. Ainda assim, admite que nem sempre isto acontece e que às vezes tem de “tentar explicar que conceitos que vêm de outras áreas de media não se aplicam aqui ou não são tão bem recebidos ou tão populares”. “Cada vez temos mais marcas a querer fazer parte deste mundo e a explorar esta vertente do marketing digital e de ativação nos eventos. Mas é sempre muito importante saber o que trabalhar com cada marca, para ter a certeza de que a comunicação é bem feita e que no final haja aquele sentimento de ‘pertença à tribo’, que é tão recompensador”, afirma. Uma comunicação eficaz é, para Pedro Honório Silva, um objetivo nem sempre fácil de alcançar: “Um dos maiores desafios na comunicação destes eventos passa por entender quais os meios adequados para chegar a estas pessoas, dado que elas não consomem a maioria dos media tradicionais. São pessoas que se movimentam essencialmente nas redes sociais digitais (YouTube, Instagram, Twitch, Twitter, Facebook, Snapchat, Tiktok) e que consomem conteúdos vídeo/áudio em redes privadas de conteúdos.” Para dotar os profissionais já no mercado de capacidades adicionais e atrair profissionais de outras áreas para a indústria dos esports foi criada, na Universidade Europeia, a Pós‑Graduação em Esports Marketing & Management, coordenada pelo responsável da Qwatti. Uma mais‑valia para quem já trabalha, por exemplo, em marketing perceber e trabalhar melhor um setor em franco crescimento. Olga TeixeiraA HISTÓRIA E AS HISTÓRIAS DE QUEM FAZ DOS EVENTOS A SUA VIDA A VIDA DE EVENTOS É A SUA VIDA. CONHEÇA AS HISTÓRIAS DE BERNARDO CAPUCHO E CLÁUDIA LOPES. Bernardo Capucho: “As histórias mais bonitas que guardo são sempre de pessoas” Os eventos sempre fizeram parte da vida de Bernardo Capucho, diretor da BPositivo. Ele vai mais longe: “Tenho a ideia de que cheguei a esta área quando nasci. De pequeno já organizava pequenos eventos para a família e amigos: concursos e festivais da canção.” Na escola esta veia foi ainda mais sublinhada, tendo sido desafiado a participar na organização de vários eventos escolares. “Nos Salesianos do Estoril havia uma grande dinâmica de eventos: logística, audiovisuais, produção de espetáculos, ‘olimpíadas’ desportivas, receção de individualidades. Aos 14 anos, já dava apoio à organização de campeonatos de surf. Foi sempre tudo muito natural. Nunca deixei de estar ligado à organização de eventos.” WWW.EVENTPOINT.PT 46 VIDA DE EVENTOS A vida profissional encaminhou‑se no mesmo sentido, arrancando em 1992, na empresa ‘Adrenalina – Lazer e Entretenimento’, organizadora das etapas em Portugal do Mundial de Surf. Arranjar motivação para todos os dias trabalhar nesta área não é uma tarefa propriamente difícil. “Motiva‑me aprender e ensinar. Motiva‑me o conhecimento, o desafio, o proporcionar boas memórias. Motivam‑me as reações daqueles que usufruem do nosso trabalho. Digo muitas vezes que somos ‘profissionais do efémero duradouro’. Uma contradição. Trabalhamos para construir memórias.” Nos eventos, o que mais aprecia é o fator novidade e o facto de ser uma área em constante evolução. “Gosto de pessoas. Gosto do espanto. Gosto dos avanços que utilizamos, muitas vezes em primeira mão, quer seja nos materiais e equipamentos, quer seja na tecnologia. Gosto de estrear novidades com os nossos clientes, para os seus públicos. Gosto dos desafios diferenciados. Gosto dos desafios. Gosto de ver a pequena semente (briefing inicial), transformar‑se numa árvore frondosa (evento).” Explica Bernardo Capucho que a sensação se compara à de um maestro, “a reger a sua orquestra afinada ao longo de toda a execução de uma peça”. O menos interessante na atividade é quando, por qualquer motivo, o organizador e fornecedor se torna protagonista. “O protagonismo deve estar sempre no evento, no cliente, na empresa, na marca. Temos que dar palco e deixar brilhar quem nos contrata, quem confia no nosso trabalho. Temos que ter a humildade de perceber o nosso lugar. Somos o meio, e não o fim.” Outro aspeto negativo que realça, embora não seja específico da atividade, são algumas más práticas que por vezes acontecem. Bernardo Capucho UM EVENTO MARCANTE De todos os eventos marcantes em que esteve presente, há um que destaca: a organização da vinda do Papa [Bento XVI] a Portugal. “Enquanto católico e organizador de eventos, sempre tive a vontade, a curiosidade e a aspiração de participar na organização de uma visita Papal. Em 2010 foi‑me proporcionada essa oportunidade.” Os desafios foram imensos, dadas as características e o simbolismo do evento, mas a experiência foi “sensacional”. “Destaco o sentir comunitário em torno de um evento. Toda a sociedade se envolveu, crentes e não crentes, em torno deste acontecimento. Tudo foi facilitado, agilizado e tornado fácil.” “As histórias mais bonitas que guardo são sempre de pessoas. Fornecedores que viraram amigos. Pessoas que conheci, com tantas histórias. Muitas vezes, se conhecêssemos melhor essas histórias, os nossos comportamentos seriam diferentes.” E dá um exemplo de um evento realizado em Talatona, em Angola. “As montagens estavam previstas até às 20h00. Assim foi. No final das montagens, parte da equipa de montagem ficou no local. Estranhei estarem por ali a deambular. Perguntei: não vão para casa? A resposta foi simples: já não há transporte e moramos a quatro horas daqui. Amanhã temos que estar aqui cedo e não queremos falhar.” A resposta tocou‑lhe fundo. “Aqueles meus colegas ‑ porque nos eventos somos todos da mesma equipa, independentemente do nosso grau de responsabilidade ‑ que mal me conheciam, estavam dispostos a passar a noite sem jantar, a dormir mal ‑nem sei onde‑ para não falharem com o compromisso que assumiram.” Percebeu que o trabalho era fundamental para eles e para as respetivas economias familiares. “Rapidamente se organizou ali um novo evento: arranjar jantar e dormida. Jantámos juntos e partilhámos histórias de realidades muito diferentes, sem paternalismos. Cada um de nós ‘bebeu’ as histórias do outro. Na manhã seguinte, lá estávamos, sorridentes, mas com um sorriso cúmplice. Formámos equipa. Nos anos seguintes, continuei a contar com eles, mas passei a ter mais atenção aos horários e à logística de transportes para o staff. Às vezes damos por certas e garantidas as coisas simples.” WWW.EVENTPOINT.PT 48 VIDA DE EVENTOS FAIRPLAY E UM ATOR MUITO ESPECIAL Apesar do stress inerente aos eventos, é sempre possível ter momentos de descompressão e, quem sabe, mesmo de diversão. “Não consigo destacar o momento mais hilariante, até porque, muitas vezes, o momento mais hilariante num evento é por motivos muito pontuais e até pessoais relacionados com a sua preparação e que, na execução, assim o proporcionaram. Coisas de nada tornam‑se momentos hilariantes. São também uma forma de escape.” Mas conta uma história. “Diverti‑me muito quando, num evento para um Banco, a cantora convidada – Daniela Mercury – salta do palco e decide lançar charme e dançar com o presidente do Banco (pouco dado a estas manifestações públicas de... carinho). O hilariante nesta situação foi o espanto do próprio, que teve fairplay e dançou; o ar de pânico da estrutura interna do Banco que organizou o evento, ao ver que, perante esta situação que não constava no guião, pensou que o melhor era apresentar a carta de demissão; o riso geral de toda a assembleia”. No final, um grande aplauso dos presentes no Pavilhão Atlântico. “Um momento hilariante e sem qualquer consequência negativa...” Mas às vezes nem tudo corre conforme o esperado e há que resolver situações inesperadas. “A essência do nosso trabalho é planear, delinear e executar com perfeição. É nisso que nos distinguimos em relação aos demais. Somos gestores do risco. A experiência traz‑nos saber para planear ainda melhor”. Apesar de todo o planeamento, nem tudo pode ser controlado. “Relembro uma: um evento muito seleto, no Palácio do Conde d’Óbidos (também conhecido vulgarmente como Palácio da Cruz Vermelha), em Lisboa. Um grupo de importantes investidores convidados. Tudo ao detalhe e com elevado grau de personalização. Antes da reunião e do jantar, o grupo era levado a conhecer o palácio, através de uma recriação histórica dos séculos XVII e XVIII, com atores trajados à época em cada sala. Foi feito um levantamento histórico com um historiador. Este levantamento foi entregue a uma equipa de guionistas que o transformou num texto. Em cada sala, os atores faziam a explicação, recriando os ambientes. O cicerone era o elo comum, que acompanhava o grupo. Era a peça‑chave da visita. Foram dois meses de preparação e ensaios. No dia do evento, o ator ‘cicerone’ Next >