< Previousevolução biológica faz‑se a um ritmo diferente: “Um acontecimento súbito como esta pandemia conseguiu mudar a sociedade e a vida de todas as pessoas, mas o nosso cérebro funciona noutra escala temporal”, explicou, lembrando que a última alteração no volume do cérebro ocorreu depois da descoberta do fogo. “Não será uma pandemia que irá mudar a forma como o nosso cérebro se organiza e está composto”, considerou. Um cérebro que é adaptativo e responde a mudanças no ambiente, mas que é ativado por recompensas. A dopamina, que é mais rapidamente libertada se a recompensa for mais imediata, é também essencial no processo de atenção, que não é mais do que uma seleção que nos faz eliminar qualquer outro estímulo. O problema é que, com tantos estímulos, a atenção é cada vez mais reduzida. E é justamente aqui que a ciência é útil para a ciência dos eventos: “É preciso captar a atenção, para se conseguir distinguir no meio do ruído e num mundo crescente de distrações internas e externas.” DIGITAL VS. PRESENCIAL: O QUE PREFERE O CÉREBRO? Para Tiago Reis Marques, os eventos digitais tornam a medição mais fácil, já que permitem a utilização de ferramentas de neuromarketing: “Um evento digital é bom porque é possível quantificar, mas o estímulo sensorial que acontece durante um evento físico permite que este seja mais impactante e mais recompensador.” “A dificuldade do evento digital será sempre a criação de emoção, a capacidade de criarmos uma ligação afetiva com o evento ou participante. O evento ao vivo tem toda a parte de estimulação sensorial extra que não conseguimos no digital e isso será sempre a grande mais‑valia do evento físico.” Por isso, é este o conselho que deixa a quem trabalha nesta indústria: “É nisso que devem apostar, na criação de emoções ligadas ao sistema de recompensa e à capacidade de o evento ser relembrado.” WWW.EVENTPOINT.PT 60 DOSSIÊ TEMÁTICO Fernando Martins, especialista em transição digital, trouxe a esta discussão a perspetiva da tecnologia, lembrando que “as transformações digitais que vivemos hoje foram causadas por forças económicas”. A pandemia foi, assim, “uma grande força económica que forçou a subtração do espaço físico”, fazendo com que muitas das atividades passassem para o espaço digital, “algumas muito à força, com más experiências”. “A ideia da transformação digital é trazer para o mundo digital uma experiência, uma emoção”, afirmou, lembrando que o ser humano está preparado para migrar as suas experiências para o mundo digital, desde que sejam melhores do que no físico.” Mas dizê‑lo parece ser mais simples do que conseguir que tal aconteça. “Somos animais gregários. A exploração é inerente ao ser humano e isso não muda”, sublinhou. E se, por exemplo no comércio, o digital ganhou terreno e terá de levar as lojas físicas a criarem experiências que façam com que as pessoas se desloquem para comprar algo que podem adquirir online, no campo dos eventos o cenário pode ser o oposto. O turismo, os concertos, as conferências, pela interação, emoções e sensações que provocam, vão, na sua opinião, “voltar com muita força”. “As experiências digitais que vão permanecer são as que geram essas experiências emocionais profundas, que vão mexer com essa estrutura cerebral mais impactante”, assegurou. Pedro Santa‑Clara (Shaken Not Stirred), trouxe ao debate a visão de quem trabalha há décadas no setor da educação. “A educação foi, talvez como a de eventos, a indústria que teve o maior choque”, considerou, lembrando que “a educação é uma indústria que não muda há milhares de anos”. A 42 de Lisboa, escola de programação que criou e que foi inaugurada em 2020, rompeu com esse modelo. Pedro Santa‑Clara mostrou‑se convicto de que muito mais vai mudar: “A educação vai ter uma revolução maior nos próximos 10 anos do que nos últimos mil.” A mudança nesta indústria vai, na sua opinião, trazer novos players e a proliferação de novos modelos de educação. Porque, como referiu, uma coisa que a pandemia mostrou é que uma aula tradicional, em que um professor escreve no quadro durante mais de uma hora, é algo absolutamente inaceitável para se fazer por zoom. Televotação: Como será o futuro dos eventos? Físicos com expansão digital: 87% Voltam os eventos físicos em força: 9% Maioria digital: 4% WWW.EVENTPOINT.PT 62 DOSSIÊ TEMÁTICO RESILIÊNCIA, REINVENÇÃO E UNIÃO COMO APRENDIZAGENS DA PANDEMIA PAINEL 2: “O QUE APRENDEMOS COM A PANDEMIA” Participantes: Curadora ‑ Cláudia Lopes (MUD.E); Ana Músico (Amuse Bouche); Jwana Godinho (It’s About Impact); e Tiago Castelo Branco (MOT). A pandemia exigiu muita aprendizagem pessoal e profissional. Dentro dessas aprendizagens, destacam‑se algumas ideias‑chave: a resiliência do setor, a reinvenção das empresas e a união entre os players da indústria. “Resiliência é a palavra de que mais me tenho lembrado ao longo deste tempo”, afirmou Tiago Castelo Branco, que, embora frise a resistência e a vontade de vencer, não esconde a existência de momentos de maior ou menor frustração, momentos em que os empresários acreditam mais ou menos num futuro melhor… “Quer dizer, ninguém consegue prever o que é que vai acontecer para a semana e a nossa vida é planeamento.” À resiliência junta‑se a reinvenção. Estas são duas das palavras de ordem do último ano, “o ano de todos os desafios e de todas as aprendizagens”, como disse Ana Músico. E Jwana Godinho lembrou que o facto de sermos cada vez mais globais e de “estarmos todos no mesmo barco” pode até ser uma oportunidade, pois embora longe “estamos tão perto”… Entre os temas abordados neste painel esteve a sustentabilidade, um tema querido e com muito impacto na vida das pessoas. Ana Músico defendeu que a sustentabilidade nos eventos envolve organizadores, marcas e visitantes. “É preciso planear, definir quais são os pontos em que podemos ser sustentáveis, desafiar os nossos parceiros” e envolver neste processo os participantes do evento. Segundo Tiago Castelo Branco, o público mais jovem já “não admite o contrário” e exige comportamentos diferentes”. Assim, “é uma exigência do público e é uma obrigação do promotor”. Jwana Godinho sublinhou que há uma preocupação cada vez maior “com o local, a todos os níveis”, em termos de fornecedores, de staff, no apoiar “aquilo que é nosso”. E entre as medidas que podem tornar os eventos, nomeadamente os festivais, mais sustentáveis e amigos do ambiente estão a utilização de copos reutilizáveis, os sistemas de pagamento cashless, as parcerias com as empresas de transportes, a redução da quantidade de brindes distribuídos, por exemplo. “Um festival é muito mais do que um concerto de música. Toda a ideia de experiência associada é uma coisa de que se fala e de que se vai falar cada vez mais.” Por um lado, ver e ouvir os artistas; por outro lado, a convivência, a interação, as relações entre as pessoas, frisou Jwana Godinho, quando questionada se a pandemia alterou o papel dos festivais. E acrescentou: “Não sei se altera, mas volta a tomar consciência do papel importante agregador e de criação de novas relações humanas que os festivais têm.” Para Ana Músico, “os eventos têm de ser mais humanos”, pois vão “ao encontro das pessoas”. WWW.EVENTPOINT.PT 64 DOSSIÊ TEMÁTICO “O ACESSO É UMA DAS GRANDES CONQUISTAS” Para Tiago Castelo Branco, um promotor de eventos “é alguém que constrói sensações” e que se propõe dar ao cliente uma série de emoções. “A pandemia não pode alterar isto”, porque a essência de um festival passa por “podermos fechar os olhos e sentirmos tudo o resto que está à volta”, e os organizadores de eventos estão ansiosos por voltar “a dar esta sensação e esta experiência às pessoas”. Mas há preocupações, como os eventuais danos causados na relação de confiança com o público. “Preocupa‑me, porque nós não podemos dar ao público aquilo que nos comprometemos dar. Isto é uma angústia”, referiu Tiago Castelo Branco. Com a pandemia, tornou‑se mais fácil chegar a oradores, músicos e outros profissionais. “O acesso é uma das grandes conquistas”, afirmou Jwana Godinho, adiantando que hoje “é possível saber mais e partilhar mais experiências, a partir de qualquer ponto do mundo”. Tiago Castelo Branco complementou, dizendo que “rapidamente percebemos que estávamos todos no mesmo barco, desde o fornecedor do palco ao maior artista do mundo, porque percebemos que isto afetava‑nos a todos”. Há agora mais união entre os players da indústria. “Deixamos de olhar para o nosso concorrente como concorrente. Passamos a olhar para o nosso concorrente como alguém de quem nós necessitamos para, todos juntos, levar o barco a bom porto.” O Plano B – que pode ir além de todas as letras do alfabeto –, uma potencial alteração dos preços dos eventos e até o que a pandemia representou para o universo feminino foram outros dos temas abordados. Foi lembrado que a resiliência também passou pelas mulheres, muito afetadas pela pandemia, e o papel fundamental que elas desempenham também no setor dos eventos. “Os homens têm uma natureza, nós temos outra, e complementamo‑nos”, sublinhou Ana Músico.ASSOCIAÇÕES PRESSIONAM PARA A RETOMA RÁPIDA DA ATIVIDADE PAINEL 3: “O QUE QUEREMOS QUE MUDE NO FUTURO I / ASSOCIAÇÕES” Participantes: Moderador ‑ João Paulo Oliveira (Leading); Álvaro Covões (APEFE); Ana Fermandes (APECATE); e Leocádia Silva (APSTE). Com o aparecimento da pandemia da Covid‑19, o trabalho das associações do setor tornou‑se ainda mais importante. “Se a pandemia trouxe algum ponto importante foi a importância das associações. A pandemia mostrou que juntos somos mais fortes”, sublinhou Ana Fernandes, da APECATE, a mais antiga associação do setor. Quando em março de 2020 a pandemia nos bateu à porta, a reação da APECATE foi “temos de falar com toda a gente, com os não‑associados, com as outras associações, com o estrangeiro, temos de seguir as políticas, e temos vindo a fazer esse trabalho”, disse Ana Fernandes. WWW.EVENTPOINT.PT 66 DOSSIÊ TEMÁTICO A APEFE tem trazido a mensagem do regresso ao trabalho, explicou Álvaro Covões. Nós não passamos o dia a pedir apoios, obviamente que o Estado, quando nos proíbe de trabalhar, tem de apoiar‑nos. Mas a nossa mensagem há muitos meses tem sido a contrária: deixem‑nos trabalhar”, esclareceu. ‘Filha da pandemia’, a APSTE surgiu em 2020, a partir do movimento “Cancelado” e, ainda no ano passado, organizou uma manifestação em pleno Terreiro do Paço, em Lisboa, e depois no Porto, na Avenida dos Aliados. “A manifestação que aconteceu em Lisboa, e no Porto, foi muito emblemática, e serviu como ponto de partida de luta, mas de afirmação acima de tudo. Foi importante dizer: estes somos nós, existimos, e até agora ninguém sabia até porque estamos habituados a trabalhar por trás das câmaras, e nunca fez sentido estarmos na linha da frente. Era preciso lembrar as entidades reguladoras e governamentais que existíamos, que somos muitos, quem somos, o que fazemos, e que também precisamos de ajuda”, referiu Leocádia Silva. Depois desse ponto de partida, neste momento a APSTE trabalha na representatividade, reunindo‑se com regularidade com o Governo e entidades congéneres. RETOMA, RETOMA É nisso que a APECATE está concentrada neste momento. “Aquilo que eu posso garantir é que tudo que tem sido feito e tem sido lançado pelo Governo tem muito trabalho de formiga feito por nós todos, e por muitos outros. Nós estamos todos os dias, constantemente, a comentar propostas de decreto‑lei, a comentar propostas de propostas, a pedir clarificações sobre medidas”, referiu Ana Fernandes. A APECATE tem reunido com a DGS num grupo de trabalho, formado para criar as regras de abertura e já enviou um conjunto de propostas claras relativamente a taxas de ocupação. “Na nossa perspetiva, as taxas de ocupação poderão ir um bocadinho mais além do que o que tínhamos em outubro. A nossa proposta vai neste sentido, cruzar as taxas de ocupação com as taxas de vacinação e os grupos específicos que estão vacinados”, referiu Ana Fernandes. Além da retoma, uma grande preocupação é manter as empresas a funcionar e ativas. “Relativamente à sustentabilidade do emprego e das empresas várias medidas foram saindo, e foi a primeira vez em toda a história legislativa que a palavra eventos aparece em regras, normas e medidas de apoio.” Mas as medidas demoraram a sair. Segundo Ana Fernandes, por falta de resposta às perguntas: quantos somos e quanto valemos. Isso fez com que “demorassem a sair as medidas que nós queríamos. Quando o setor só é reconhecido a meio do processo da pandemia é exatamente porque não existia sinalização da nossa importância”, sublinhou a responsável. A APEFE também está a trabalhar na retoma, num grupo de trabalho com a DGS, nomeadamente nos eventos‑teste piloto. Este pode ser um ensaio muito importante para desbloquear os festivais e, por arrasto, todos os outros eventos. “O que nos interessa é trabalhar, trabalhar, trabalhar”, reconheceu Álvaro Covões. Mas para trabalhar é necessário que as empresas ainda existam. E por isso é necessário apoiá‑las. Leocádia Silva lembrou que “assim que isto retomar tudo, não vai haver capital para investimento, não vai haver sequer capacidade, nem junto dos bancos, para o fazer”. E, por isso, uma das lutas da APSTE é o congelamento das amortizações. A associação defende também que é preciso voltar ao trabalho. CONFEDERAÇÃO DE EVENTOS? Para Ana Fernandes, da APECATE, este “não é o momento ideal para começarmos mais uma luta”. A APECATE faz parte da Confederação do Turismo de Portugal e reconhece que esta entidade “tem sido fundamental para fazermos chegar de várias formas aqueles que são os nossos objetivos”. “A pandemia veio trazer força às associações, a necessidade de mais associações, a necessidade do associativismo, mas não é uma prática corrente. Se calhar vamos ter de dar espaço a este amadurecimento da necessidade associativa para, a seguir, falarmos de uma confederação”, referiu Ana Fernandes, dando conta que o assunto não foi ainda discutido internamente. Leocádia Silva concorda que são muitas acões para fazer ao mesmo tempo, mas acredita que uma só voz teria mais impacto. “Como forma de chegar ao Governo, nós somos apologistas que sim, uma confederação seria uma boa ideia. Também entendo que estamos em tempos difíceis e os recursos não são vastos.” WWW.EVENTPOINT.PT 68 DOSSIÊ TEMÁTICO Quem não tem dúvidas da necessidade de uma confederação dos eventos é Álvaro Covões. “A minha empresa é associada da Confederação de Turismo, a APECATE está na direção, mas como nós sabemos, infelizmente, a Confederação funciona num sistema mais unipessoal, do que propriamente de grupo. Não existe dentro da direção da CTP grupos de trabalho por determinadas áreas”, referiu. O vice‑presidente da APEFE disse ainda que “a CTP e o turismo ainda vivem no passado, ainda se vive muito na hotelaria, na restauração e na aviação, e os eventos são muito deixados para trás” e, por isso, “nós temos de ter a nossa voz”. UM CASE‑STUDY HIPOTÉTICO, MAS PARECIDO COM A REALIDADE João Paulo Oliveira partilhou um cenário: “Em período de plena pandemia, há uma respeitável entidade do mercado que lança um concurso para a organização de eventos. Um concurso de dois milhões. O concurso é público, bem montado, não há nada a apontar do ponto de vista formal, não há nada a apontar às entidades que ganharam e que perderam. Há apenas uma curiosidade: a empresa vencedora não tem CAE para a organização de eventos.” Instados a comentar, os representantes das associações recordaram a necessidade do registo de empresas de organização de eventos e Álvaro Covões Leocádia Silva Next >