< PreviousUM SETOR COM NECESSIDADES MUITO ESPECÍFICAS WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 50 DOSSIÊ TEMÁTICO ‘ATRAIR E RETER TALENTO NA INDÚSTRIA DOS EVENTOS’, UMA REFLEXÃO ‘Atrair e reter talento na indústria dos eventos’ foi o tema da conferência organizada pela Event Point, pela Fundação AIP e pelo Capítulo Ibérico da MPI – Meeting Professionals International, que decorreu na BTL – Bolsa de Turismo de Lisboa 2023. Sendo esta uma indústria que, em termos de recursos humanos, é bastante particular, dadas as diferentes necessidades de contratação, é importante perceber a legislação e se esta protege todas as partes envolvidas. Miguel Fontes começou por lembrar que “a lei é, por definição, sempre geral e abstrata”, sendo pensada para abranger situações diversas, e que o Código de Trabalho contempla diferentes modalidades de contratação, para responder a diferentes necessidades e perfis, como a contratação a termo certo ou contratação sem termo, por exemplo. Este tem sido um dos grandes desafios da indústria, pelo que é também grande a necessidade de reflexão. E nesta partilha de ideias participaram Miguel Fontes (secretário de Estado do Trabalho), Luís Viegas (APEFE – Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos), António Marques Vidal (APECATE – Associação Portuguesa de Empresas de Congressos, Animação Turística e Eventos), Cláudia Lopes (Mud.e), Sandra Matos (Please Disturb Tourism Experts) e Teresa Broccoli (MPI).“Aquilo que nós temos de fazer é um esforço em termos de sociedade, neste setor como noutros, de utilizarmos bem cada uma destas figuras”, frisou o secretário de Estado do Trabalho, para quem, em Portugal, existe um “mau uso das figuras de contratação, com óbvio prejuízo” para os trabalhadores. A precariedade é uma realidade e isso acaba por penalizar não só os trabalhadores, como o país. “Se a um jovem, sistematicamente, aquilo que lhe é proposto é um contrato a título precário, com um nível de remuneração associado particularmente baixo, é evidente que terá à sua disponibilidade um mercado que não se esgota nas fronteiras desta cidade, deste país, e pode rapidamente saltar e ir para outro país. Isso, para além de profundamente injusto e penalizador do projeto de vida destas pessoas, como está a ser, é penalizador do desenvolvimento do país.” Depois dos esforços para corrigir o problema das qualificações, é preciso criar um mercado de trabalho com capacidade para incluir os mais jovens, alertou. A questão fiscal é sempre um ponto crítico, mas Miguel Fontes recordou que o Estado apresentou, entre outras, uma medida dirigida aos jovens que estão a chegar ao mercado de trabalho, para que tenham acesso a um desconto na taxa de IRS nos primeiros cinco anos da sua atividade profissional. Para o governante, o que não se pode é “assobiar para o ar” e ver sair pessoas qualificadas, por causa das condições que lhes são oferecidas. É um grande desafio, mas é preciso assumi‑lo com determinação, sublinhou. Burocracia é um “pesadelo” De acordo com António Marques Vidal, “se nós queremos ser competitivos então temos de ter menos impostos”. O presidente da APECATE referiu que este é um setor “que exige conhecimentos específicos e extremamente diversos”. E que, apesar dos quadros estáveis, e de acordo com cada tipo de evento, é necessário contratar pessoas, nomeadamente jovens, que não aceitam o desafio com medo de perder benefícios fiscais. WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 52 DOSSIÊ TEMÁTICO “E como nós somos um setor extremamente específico, se os jovens não trabalham connosco, enquanto andam, por exemplo, a estudar, eles vão encontrar outros caminhos.” Sugeriu, assim, uma medida que permita que os jovens possam ter experiências pontuais de trabalho em alguns eventos, sem a necessidade de se coletarem. Miguel Fontes atalhou, informando sobre a existência de uma proposta que vai nesse sentido. António Marques Vidal também lembrou a burocracia que existe e a falta de comunicação e diálogo com as instituições públicas. Sustentou que o problema pode não estar na lei, mas no funcionamento do sistema, e nem sempre há quem esclareça as dúvidas. Certo é que as empresas do setor querem “cumprir a lei” e têm respeito pelos trabalhadores – “nós pagamos acima da média, aliás, porque se não pagássemos também não os tínhamos...” Mas a grande questão é que os eventos, hoje, têm exigências diferentes, o que leva à necessidade de contratar pessoas diferentes e novas. Pelo que a possibilidade de contratar uma e depois outra tem de ser agilizada. “Acho que é para aí que devíamos caminhar...” Por seu lado, Luís Viegas afirmou que a APEFE, como trabalha com pessoal especializado e técnico no setor cultural, tem um desafio extra no que diz respeito à burocratização do estatuto de trabalhador de cultura, que surgiu no pós‑pandemia para proteger as pessoas ligadas ao setor. A ideia é boa, mas “toda a carga burocrática que lhe está associada é um pesadelo”. Há ainda outro desafio com que este setor se debate. O que falta “é que as pessoas tenham rendimento e educação para poder ter disponibilidade para aceder aos eventos e aos espetáculos como uma fruição muito mais natural.” Com a inflação, sente‑se uma retração por parte do consumo e essa é uma preocupação para a APEFE. “Onde aprendemos mais é no terreno” Teresa Broccoli, que vive em Madrid desde 2009, traçou o cenário do que acontece em Espanha: no curso superior Eventos e Protocolo, os alunos têm a obrigatoriedade de trabalhar 340 horas em eventos; horas essas que são remuneradas. “Esta é uma forma de atrair talento durante o curso de eventos. Além do mais, é uma forma de os jovens que se querem dedicar a esta indústria ganharem experiência”, disse, acrescentando que os profissionais sabem que, apesar de se estudar imenso, “onde aprendemos mais é no terreno, é organizando eventos, é falhando, errando, voltando a fazer e voltar a fazer”. Por isso, defende ser importante “dar‑lhes a experiência do evento”, até porque “para eles é um choque entre o que aprendem e ver o evento, que parece perfeito, porque tudo anda ali sobre rodas, mas por trás há muito trabalho feito”. Teresa Broccoli avançou que outra forma de trazer jovens para o setor é através do voluntariado, convénios que empresas assinam com várias universidades em Espanha e que permitem que os alunos participem em qualquer parte do processo de um evento, em regime de voluntariado. “Creio que o trabalho voluntário é uma ótima forma de aprender, de adquirir os talentos que são necessários para ser um organizador de eventos”, esclarece Teresa Broccoli, que rematou ainda que, para o reforço pontual da equipa, há várias formas de contratação, mas que é um processo relativamente simples. Neste capítulo, Cláudia Lopes, da Mud.e, indicou que a contratação esporádica passa quase sempre pelo recibo verde, que nunca é uma solução ideal – mas, ressalva, é esporadicamente e para momentos de produção. “Quando pensamos em como é que nós vamos atrair pessoas, não tem nada a ver com essa utilização esporádica ou esse recurso esporádico de que se precisa.” Claúdia Lopes contacta com talento na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, onde dá aulas. Defende que, quando se desafiam pessoas novas – “que não são necessariamente jovens, porque há muitas pessoas que estão a começar nos eventos e que não são necessariamente jovens em idade...” –, não deve ser dada a ideia de que a progressão é uma coisa muito longínqua. Além disso, devem ser bem pagos, apesar de esta nova geração não dar só importância a receber mais, recordou, já que há muitos que valorizam o tempo de dedicação das empresas à formação. Cláudia Lopes apontou que é importante que os jovens sintam apoio por parte das empresas. “Eles têm muito conteúdo em termos teóricos que depois é aplicado em termos práticos”, mas muito do que WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 54 DOSSIÊ TEMÁTICO é aprendido é na “tentativa e erro”, defendendo que eles têm de sentir que há sempre alguém que os protege, que está por trás a prestar apoio. “Quando lideramos equipas, temos de ser nós a estar lá, a protegê‑los.” Neste sentido, Teresa Broccoli acrescentou que a MPI tem uma iniciativa de mentoria, com vários organizadores de eventos em agências a serem mentores de alunos da universidade. Sandra Matos citou Albert Einstein para dizer que não se pode fazer as coisas como sempre se fez e esperar resultados diferentes. “E isto é um bocadinho o que se tem vindo aqui a passar nesta indústria.” Defende que é necessário ouvir os jovens e as outras pessoas – afinal, “não há só talentos jovens nesta área...” – para saber o que procuram no setor. “Porque garanto‑vos uma coisa, para trabalhar em eventos tem que se ser apaixonado por isso e até ter uma dose de loucura, porque é intenso.” De acordo com Sandra Matos, falta um pouco mais de flexibilização, por parte do Estado, já que as empresas não precisam sempre, e dependendo do evento, do mesmo número de pessoas. E acha excelente a ideia do mentoring, afirmando que sendo esta uma área prática a formação deve ser prática também desde o início. “Porque é que não envolvemos os profissionais, envolvemos as associações, que têm o seu valor, desde o início com os alunos?”, questiona. “É preciso continuar a formar, é preciso continuar a atualizar” A formação contínua é importante para que os profissionais se atualizem e consigam apresentar soluções inovadoras. “É preciso continuar a formar, é preciso continuar a atualizar. E isso sentiu‑se muito durante a pandemia, quando tivemos de implementar vários eventos em contexto digital e que ninguém sabia como fazer”, contou Cláudia Lopes, para quem é necessária formação que ajude os profissionais a fazerem melhor aquilo que já fazem há muito tempo... Considera que se devem evitar os clones, alargar horizontes e que as empresas deveriam ter uma maior predisposição para integrar pessoas que não são da área dos eventos – a empresa ensinaria como fazer, dando ferramentas úteis para o processo dos eventos. Também em defesa da formação contínua, em qualquer setor de atividade, apresentou‑se Miguel Fontes. “Quem achar que tem uma formação inicial qualquer qualificante e que isso o dispensa de qualquer necessidade de se manter em permanente processo formativo terá seguramente pouco sucesso na sua vida profissional.” O secretário de Estado considera ainda que os profissionais com mais anos de experiência deveriam sistematizar todo o ‘know‑how’ acumulado em algo que seja partilhável – as organizações ganhariam muito, em termos de eficiência e competitividade. Mas vários setores vivem muito da sobrecapacidade de algumas pessoas, gerando “insubstituíveis”, sobrecargas e dependências. António Marques Vidal responde que este é um setor “inovador”, que “reage muito rapidamente às necessidades”, que é “altamente profissional”, reconhecido internacionalmente, e onde se “investe imenso em conhecimento, em formação e em criatividade”. O presidente da APECATE justifica a “defensiva”, porque “achamos que quem governa não tem noção do que é este setor”, que tem necessidades muito específicas, pelo que tem de ser olhado de forma diferente. “É também um setor onde a formação é encarada com um enorme interesse da parte das empresas, com enorme interesse e enorme paixão da parte das pessoas que participam nessa formação”, complementa Luís Viegas, que também é formador. “A formação é uma parte onde nós estamos sempre muito atentos e a apanhar novos talentos e a fazer uma aprendizagem constante, não de uma forma perfeita, mas de uma forma esforçada.” António Marques Vidal retoma a palavra para dizer que, “ao nível do Ensino Superior, há claramente uma evolução”. Explica que, por um lado, o modelo organizacional europeu leva a um distanciamento da prática, tornando‑se mais teóricas e levando a um afunilamento do conhecimento; e que, por outro lado, houve um reforço da necessidade do trabalho de rede. “As próprias empresas estão, neste momento, a reformular o seu modelo funcional, porque trabalham muito mais em rede e WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 56 DOSSIÊ TEMÁTICO vão buscar muito mais conhecimentos a todos os seus trabalhadores, mesmo até àqueles que só lá estão para aquele trabalho específico”, destaca. “As pessoas têm de ser interessadas, curiosas” “Eventos são pessoas, turismo são pessoas”, salienta Sandra Matos, que acredita que, na reflexão, falta um pilar essencial de formação: “Nós chamamos‑ lhes pomposamente soft skills, mas elas de soft não têm nada, eu prefiro chamar‑ lhes human skills.” Justifica com o facto de existir, por vezes, alguma dificuldade na passagem de conhecimento intergeracional. Também defende que é essencial explorar a formação que ajuda, por exemplo, os profissionais a gerir um dia de trabalho. Ou seja, falta formação nas competências pessoais essenciais. “Quem quer ser um organizador de eventos vai ter de aprender para o resto da vida dele”, atirou Teresa Broccoli, para quem os profissionais dos eventos devem ser autodidatas. “Os eventos mudaram brutalmente, a relação com as empresas que organizam eventos pedem de nós muitas mais funções e, se gostamos e queremos manter‑nos nesta indústria, nós temos de aprender e saber fazê‑lo. Não é sentarmos à espera que alguém nos venha ensinar.” Teresa Broccoli falou da sua aprendizagem contínua, lembrando que há cursos práticos que podem ser feitos junto de associações, como a MPI (que tem a MPI Academy). “A empresa tem obrigação de dar ferramentas para a educação, mas o organizador de eventos tem de ir buscá‑las”, frisando que os profissionais devem querer aprender por si mesmos: “As pessoas têm de ser interessadas, curiosas, têm de buscar a formação para não sair do mercado.” Novas gerações trazem “uma nova abordagem de vida” E o que podem as novas gerações trazer à indústria dos eventos? Uma nova visão do trabalho? Sandra Matos não tem dúvidas e considera que os jovens “não trazem só uma nova abordagem do trabalho, trazem uma nova abordagem de vida”. Esta geração traz “outra visão de como estar; não é só como trabalhar, é como estar. Nós já não temos de viver só para trabalhar, o trabalho faz parte da nossa vida”. E aí entra – não a ‘felicidade corporativa’, “porque acho que é um chavão horrível” – mas o bem‑estar, como lhe chama. E nesse capítulo “as novas gerações têm muito a ensinar‑nos a nós que estivemos sempre constantemente em altas velocidades”. Os jovens ensinam que, muitas vezes, “esse momento de pararmos vai‑nos ajudar muito a concretizarmos para o futuro. E, se calhar, não precisamos de estar sempre nesta correria desmesurada”. Portanto, dar tudo nos dias do evento e, depois, desligar. António Marques Vidal comentou que as novas gerações trazem sempre algo de novo e que o ser humano tem sempre de evoluir. “A sociedade muda, o tipo de relacionamento muda, as lógicas sociais, naturalmente, mudam e, portanto, os jovens têm outra lógica.” Também Teresa Broccoli confessa ter aprendido, com as novas gerações, outra forma de trabalhar e a respeitar o seu espaço. “O que é certo é que eles têm muito claro e têm uma força e uma capacidade de trabalho incrível durante sete dias; mas depois necessitam de outros sete para desligar. E eles desligam. Com eles aprendi também eu a desligar.” E considera isso positivo. Maria João Leite WWW.EVENTPOINTINTERNATIONAL.COM 58 DOSSIÊ TEMÁTICO Next >