Protocolo: o Papa em Portugal
31-07-2023
# tags: Protocolo , Lisboa , Jornada Mundial da Juventude
Quando o Santo Padre viaja, o Estado que o acolhe fica sob o olhar do mundo. Assim aconteceu (também) em Portugal, que já recebeu quatro Papas, Paulo VI, João Paulo II, Bento XVI e Francisco, num total de seis viagens. A próxima, aquando da realização da Jornada Mundial da Juventude 2023, será, portanto, a sétima e ocorrerá entre 2 e 6 de agosto.
O Estado da Cidade do Vaticano
Nasce a 11 de fevereiro de 1929, com os Pactos Lateranenses, nos quais Itália reconhece à Santa Sé plena propriedade e soberania exclusiva sobre o Vaticano. Roma é, assim, a única cidade do mundo na qual coexistem duas capitais de dois Estados e dois corpos diplomáticos, o acreditado perante o Estado Italiano e o acreditado perante o Estado da Cidade do Vaticano. O Estado da Cidade do Vaticano é membro observador permanente das Nações Unidas e mantém relações diplomáticas com mais de cem países.
Formando parte da diocese de Roma (apesar de também deter administração religiosa própria), ali se encontram a sede papal e os órgãos de governo da Igreja.
Roma é (mais) uma diocese, cuja catedral é a Arquibasílica do Santíssimo Salvador e dos Santos João Batista e João Evangelista de Latrão, normalmente designada na forma abreviada de Basílica de S. João de Latrão, portanto, sé episcopal oficial do Bispo de Roma, o Papa.
O Estado da Cidade do Vaticano, com cerca de 42km2 e uma população permanente de sensivelmente mil habitantes, dispõe de selos de correios, de moeda (Euro) e de bandeira própria.
A Santa Sé remete para a hierarquia da Igreja Católica, encabeçada pelo Papa. O Estado da Cidade do Vaticano é um Estado soberano que existe ao serviço da Santa Sé. Ambas as realidades estão profundamente ligadas, mas nem sempre são de fácil distinção.
O Protocolo a aplicar é, por isso, diverso consoante o âmbito: o Protocolo da Santa Sé refere-se aos atos do Santo Padre (e Cúria Romana) aquando do exercício do respetivo ministério, ou seja, Protocolo Litúrgico. O Protocolo do Estado da Cidade do Vaticano consiste no Protocolo Oficial de um Estado, cuja existência implica poder político sobre cidadãos e território (que se localiza entre as Muralhas Leoninas, a Basílica e a Praça de S. Pedro, abarcando a colunata de Bernini, bem como outras basílicas e outros edifícios extraterritoriais em Roma e Castel Gandolfo).
Heráldica e símbolos
O Brasão de Armas do Vaticano é um emblema importantíssimo que representa o Estado da Cidade do Vaticano e a autoridade da Santa Sé. O escudo reparte-se em duas partes, a esquerda representando a autoridade espiritual da Igreja, e a direita a autoridade temporal do Estado do Vaticano. No centro do Brasão estão duas chaves cruzadas, uma em ouro e uma em prata, simbolizando a de ouro o poder dado por Cristo a S. Pedro e a de prata o poder temporal. A tiara papal, uma coroa tripla, simboliza a autoridade e o poder papal, com a respetiva jurisdição no céu, na terra, no purgatório. À esquerda do escudo, uma insígnia que consiste numa faixa de tecido amarela e branca, com nós em ambos os lados, conhecida como o pálio, representando a união dos Bispos sob a autoridade do Santo Padre.
A Bandeira do Estado da Cidade do Vaticano é composta por dois campos divididos verticalmente, um amarelo (ouro) aderente à haste e o outro branco (prata), este último tendo em si a tiara com as chaves.
A chancela do Estado possui ao centro a tiara com as chaves e em redor as palavras “Stato della Città del Vaticano”.
Os Papas detêm, também, desde há muitos séculos, os seus próprios escudos pessoais. O Papa Francisco conserva o seu brasão anterior (que data da sua consagração episcopal). O brasão azul está encimado pela mitra colocada entre as chaves cruzadas de ouro e prata, ligadas por um cordão vermelho, sobressaindo no alto o emblema da Companhia de Jesus (ordem de proveniência do Papa Francisco). Na parte inferior, a estrela (que simboliza a Virgem Maria) e a flor de nardo (que remete para S. José). O Papa Francisco é assumidamente um devoto de Nossa Senhora, como sabido.
O Papa
Sucessor de Pedro, Bispo de Roma, Vigário de Jesus Cristo, Príncipe dos Apóstolos, Sumo Pontífice, Santo Padre, Patriarca do Ocidente, Chefe de Estado da Cidade do Vaticano.
O Vaticano é uma monarquia vitalícia eletiva, sendo o Papa eleito por um Conclave de Cardeais. O Sumo Pontífice, soberano do Estado da Cidade do Vaticano, tem a plenitude dos poderes (legislativo, executivo e judicial, conforme estabelecido no Art. 1º, nº 1 da Lei fundamental do Estado da Cidade do Vaticano, de 26 de novembro de 2000), que exerce com o apoio da Cúria Romana. A sua potestade ordinária é suprema, plena, imediata e universal na Igreja.
A Santa Sé mantém uma prática cerimonial majestosa, marcada por enorme dignidade e beleza. O Protocolo Vaticano atual remonta ao início do século XX, tendo sofrido adaptações e ajustes a tempos que requerem maior eficácia e pragmatismo.
O Papa participa nas seguintes cerimónias pontifícias: audiências semanais públicas, que ocorrem às quartas-feiras, na Praça de S. Pedro ou no Auditório Paulo VI, com assistência pública e gratuita. Igualmente a bênção papal aos domingos, na Praça de S. Pedro; audiências privadas, que decorrem de manhã, a múltiplas entidades eclesiásticas e civis, de diferentes quadrantes da sociedade; recebimento de Cartas Credenciais de novos Embaixadores acreditados juntos da Santa Sé; visitas de Estado, enquanto anfitrião – de facto, grande parte destas visitas são de Chefes de Estado ou de Governo que se encontram em visita de Estado/Oficial a Itália e que, por cortesia diplomática, cumprimentam o Santo Padre no Vaticano; e viagens papais ao estrangeiro.
O mote do Papa Francisco
Foi extraído das Homilias de São Beda o Venerável, o qual, comentando o episódio evangélico da vocação de São Mateus, escreve: Viu Jesus um publicano e dado que olhou para ele com sentimento de amor e o escolheu, disse-lhe: Segue-me.
As viagens papais internacionais
O Sumo Pontífice desloca-se na dupla condição de Chefe de Estado e Chefe da Igreja Católica. Em termos protocolares, é seguido o Protocolo do Estado que o acolhe.
O Santo Padre viaja acompanhado pelos seus colaboradores mais próximos: o responsável da Secretaria de Estado do Vaticano (atualmente o Cardeal D. Pietro Parolin), que detém estatuto equivalente a um chefe de Governo; o secretário do Vaticano para as relações com os Estados; o prefeito da Casa Pontifícia; o seu secretário pessoal; o cerimoniário pontifício; o responsável de protocolo; o seu médico pessoal; o seu chefe de segurança e respetiva equipa; o seu diretor de comunicação e respetiva equipa; os diretores da “Radio Vaticana” e do “L’Osservatore Romano”; diversos colaboradores de diferentes áreas, em função do destino e do âmbito da viagem. A Guarda Suíça também acompanha o Papa sem, contudo, usar o seu clássico uniforme. A comitiva, não inferior a vinte pessoas, pode chegar a incluir cerca de cinquenta membros.
O Papa parte de Itália num voo da Alitalia e regressa num voo da companhia aérea do (último) país visitado.
Aquando da chegada ao Estado que visita, sobem a bordo o Núncio Apostólico (atualmente em Portugal D. Ivo Scapolo), o chefe do Protocolo do Estado (atualmente em Portugal o Dr. Jorge Silva Lopes) e o presidente da Conferência Episcopal (atualmente em Portugal D. José Ornelas). Após cumprimentos, o Santo Padre desce e inicia-se o recebimento devido a um chefe de Estado, pelo seu homólogo.
No que respeita ao alojamento, o Papa aloja-se sempre em casas eclesiásticas (em Portugal, por exemplo, aquando das visitas a Fátima, na Casa de Retiros de Nossa Senhora do Carmo e, em Lisboa, na Nunciatura Apostólica). Em locais onde possam não existir instalações da Nunciatura, instalar-se-ia numa Casa Episcopal ou num Seminário.
Os carros oficiais dos Papas têm sempre a matrícula SCV-1 e o “papamóvel” é transportado desde o Vaticano.
O Papa Francisco em Fátima, maio de 2017
Sua Santidade o Papa Francisco viajou em Peregrinação ao Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Fátima a convite, apresentado em abril de 2015, pelo então Bispo da Diocese de Leiria-Fátima, D. António Marto, ao qual respondeu que, se Deus lhe desse “vida e saúde”, estaria na Cova da Iria presidindo às Celebrações do Centenário das Aparições, o que aconteceu.
A visita do Papa Francisco a Fátima concretizou não apenas uma intenção sua, mas, também, um acontecimento muito ansiado pelos portugueses. Foi o quarto Papa a visitar Fátima, realizando a sexta viagem de um Sumo Pontífice a Portugal, num período de 50 anos (Paulo VI, o primeiro Papa a visitar Portugal, esteve em Fátima precisamente 50 anos antes, a 13 de maio de 1967).
Tendo-se confirmado a viagem do Santo Padre, inicia-se um complexo processo organizativo do ponto de vista logístico e, sobretudo, de segurança (crê-se que a maior operação de segurança alguma vez montada em Portugal até então). Naturalmente que o Protocolo se afigurou indispensável desde o primeiro momento envolvendo, desde logo, três entidades: O Vaticano, o Santuário de Fátima (como entidade anfitriã) e o Protocolo do Estado Português (à época chefiado pelo embaixador António de Almeida Lima).
Do ponto de vista protocolar – e não considerando nesta análise, por razões percetíveis, o Cerimonial Litúrgico –, coube à equipa de Protocolo do Santuário de Fátima, duas áreas distintas: por um lado, desenvolver todo o processo relativo a participantes na Celebração, com lugar protocolar, na Colunata Sul do Santuário (parte desta plateia foi cedida ao Protocolo do Estado, tendo esses lugares ficado sob sua gestão, o que permitiu que o Estado Português garantisse lugar sentado a um determinado número de entidades oficiais, nacionais e internacionais). Por outro lado, a responsabilidade pelo acolhimento, alojamento e refeições do Santo Padre, bem como da Comitiva Papal (num total de 48 pessoas) e dos Bispos integrantes da Conferência Episcopal Portuguesa.
As cerimónias à chegada e partida do Santo Padre em Monte Real decorreram sob responsabilidade do Protocolo do Estado Português, tendo o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, acolhido o Sumo Pontífice neste início da sua Peregrinação ao Santuário de Fátima.
Após as Honras Militares, com a execução do Hino Pontifício e do Hino Nacional, foram cumprimentadas e apresentadas as respetivas delegações e, imediatamente a seguir, o Presidente da República reuniu-se a sós com o Papa Francisco. O Chefe de Estado acompanhou de seguida o Papa na sua deslocação até ao Santuário, onde o Santo Padre foi acolhido pelas entidades eclesiásticas competentes.
Em Fátima, e além das celebrações litúrgicas, destacaram-se alguns momentos fundamentais do ponto de vista protocolar: a chegada do Santo Padre (e principais membros do Séquito) à Casa Nossa Senhora do Carmo e respetivo acolhimento; os procedimentos relativos ao alojamento e refeições; a audiência concedida pelo Santo Padre, também na Casa Nossa Senhora do Carmo, a Sua Excelência o primeiro-ministro Português António Costa, sua mulher e filha; e a despedida e partida do Santo Padre e Séquito da Casa de Nossa Senhora do Carmo.
O presidente Marcelo Rebelo de Sousa esteve sempre presente nas celebrações presididas por Sua Santidade, no Santuário de Fátima. Posteriormente, na tarde de 13 de maio, e já novamente na Base Aérea de Monte Real o presidente português apresentou cumprimentos de despedida ao Papa Francisco.
Além do planeamento detalhado e da organização minuciosa, que se desenvolveram ao longo de meses, sempre em completo alinhamento com os responsáveis pelas áreas de organização de viagens, segurança e protocolo do Vaticano, a implementação e execução destes momentos aconteceram, sem falhas, tendo-se cumprido não só uma agenda estabelecida ao minuto, como sobretudo regras de segurança extraordinariamente exigentes. Não esquecendo nunca que, num Santuário, impera a serenidade.
Aos habituais desafios do Protocolo (técnica de organização essencial que vai muito para além da implementação da normativa de precedências) que, ao longo deste acontecimento, caminhou a par e passo com a segurança, acresceu uma necessidade imperiosa de cumprir com alguns outros pontos fundamentais: garantir que todo o processo de acolhimento, alojamento e refeições acontecia numa atmosfera revestida de simplicidade, mas com a dignidade que o Santo Padre merece e que igualmente lhe é conferida pelo seu estatuto; cumprir exatamente os horários; respeitar as precedências, quer as do Vaticano, quer as Portuguesas, interagindo com membros da Igreja e leigos; gerir o processo sempre com total discrição.
Papa Francisco por ocasião da JMJ, Lisboa 2023
A Visita Apostólica de Sua Santidade o Papa Francisco a Portugal acontece entre 2 e 6 de agosto.
A 2, após a chegada à Base Aérea de Figo Maduro, em Lisboa, com receção oficial, decorre a Cerimónia de Boas-vindas, na entrada principal do Palácio Nacional de Belém, no âmbito da Visita de Cortesia ao Chefe de Estado Português. De seguida, realiza-se um Encontro com Autoridades, Sociedade Civil e Corpo Diplomático, no Centro Cultural de Belém. Nessa mesma tarde, o Santo Padre encontra-se com o primeiro-ministro, na Nunciatura Apostólica, encerrando o dia com a celebração de Vésperas, no Mosteiro dos Jerónimos.
Nos dias 3 e 4, o Papa Francisco encontra-se com diversos grupos de jovens, para diferentes atividades no âmbito do programa da JMJ. A 5, o Sumo Pontífice desloca-se a Fátima, a cujo estádio chega em helicóptero, dirigindo-se ao Santuário para a Recitação do Terço, na Capelinha das Aparições, com os jovens doentes, partindo imediatamente a seguir para Lisboa, onde continua o programa.
A 6 de agosto, e após encerrar as atividades da JMJ, decorre a Cerimónia de Despedida, novamente na Base Aérea de Figo Maduro, em Lisboa, de onde o Papa parte para Roma.
O Santo Padre já presidiu à JMJ em 2013 no Rio de Janeiro, em 2016 em Cracóvia e em 2019 na Cidade do Panamá.
Cronologia das viagens papais a Portugal
[Papa – Data – Locais visitados – Chefe de Estado anfitrião]
Papa Paulo VI – 13 de maio de 1967 – Fátima – Américo Tomás
Papa João Paulo II – 12 a 14 de maio de 1982 – Lisboa, Fátima, Vila Viçosa, Porto e Braga – General Ramalho Eanes
Papa João Paulo II – 10 a 13 de maio de 1991 – Lisboa, S. Miguel, Terceira, Funchal e Fátima – Mário Soares
Papa João Paulo II – 12 a 13 de maio de 2000 – Fátima – Jorge Sampaio
Papa Bento XVI – 11 a 14 de maio de 2010 – Lisboa, Fátima e Porto – Aníbal Cavaco Silva
Papa Francisco – 12 a 13 de maio de 2017 – Fátima – Marcelo Rebelo de Sousa