Lídia Monteiro: “O Turismo de Portugal tem feito um trabalho consistente na meetings industry”
07-04-2025
# tags: Eventos , Turismo , Meetings Industry , Turismo de Portugal
O crescimento do setor dos eventos em Portugal, a procura do nosso país por parte de novos mercados e a preocupação de dotar o Interior de condições para receber mais eventos estiveram em destaque nesta entrevista com Lídia Monteiro, vogal do Conselho Diretivo do Turismo de Portugal.
Como foi feito o seu percurso até chegar ao Turismo de Portugal?
A minha formação de base é economia, fiz engenharia agrícola na UTAD -Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real e, nessa sequência, acabei por iniciar a minha atividade profissional justamente na universidade, onde fiquei durante alguns anos num projeto do Banco Mundial, de desenvolvimento rural de Trás-os-Montes, em que trabalhava no departamento de Economia e Sociologia Rural, fazendo a avaliação da implementação das medidas desse programa de desenvolvimento rural. Depois fui convidada para vir para Lisboa, para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, estávamos nessa altura na discussão da nova PAC -Política Agrícola Comum, e era necessário ter um conjunto de comunicações para informar os agricultores do que significava, que desafio era, e fui integrar uma equipa que, na altura, fazia um programa diário dedicado aos agricultores. Mais tarde, acabei por ser convidada para o ICEP. Portanto, comecei a trabalhar a marca Portugal e o turismo, mas na verdade trabalhávamos as diferentes valências, turismo, comércio, investimento. E quando o Turismo de Portugal foi criado, fui convidada para vir e não saí mais.
Como encara, hoje em dia, as suas funções dentro da estrutura do Turismo de Portugal?
São funções que me entusiasmam muito e que me motivam imenso. De alguma forma, tem que ver com o meu percurso profissional, mesmo aqui na casa, onde iniciei como diretora adjunta. Fui crescendo, também, e aprendendo. Acima de tudo aprendendo.
Que importância é que a indústria dos eventos, da meetings industry, tem na vossa perspetiva?
A indústria dos eventos tem uma importância muito grande e já o tem há muito tempo no turismo. Desde logo, o Turismo de Portugal organiza a presença das empresas portuguesas nas grandes feiras internacionais IMEX e IBTM, seja em Frankfurt, em Las Vegas, em Barcelona. São momentos particulares para as empresas como plataformas de negócio, uma vez que são de facto feiras muito importantes para o nosso tecido empresarial e é muito importante nós estarmos presentes e os convention bureaux, que estão sempre connosco.
Temos um programa, o Portugal Events, que dá apoio e estimula a captação de congressos e incentivos para o nosso país. Temos vindo a reforçar esse trabalho junto dos convention bureaux. Portugal é um país que tem uma boa reputação internacional, do ponto de vista da indústria, até porque Lisboa é, em primeiro lugar, uma grande âncora de reconhecimento e de captação de eventos internacionais, mas o que nós vemos é que outras cidades, como é o caso do Porto, por exemplo, também têm crescido internacionalmente e têm crescido na sua capacidade de atrair e de competir com outros destinos. Diria mesmo que a indústria de eventos é, provavelmente, uma daquelas que têm sido, de uma forma sistemática e consistentemente, objeto de trabalho e de promoção do Turismo de Portugal.
Fala-se recorrentemente da falta de dados, de estatísticas, especificamente desta grande indústria dos eventos. Isto é um trabalho onde o Turismo de Portugal pode fazer algo?
A informação estatística e os dados sobre qualquer área de atividade é essencial como instrumento de informação de gestão, para podermos depois tomar decisões. O Turismo de Portugal tem feito um trabalho exemplar no que diz respeito ao tratamento de informação, de informação que está disponível. Mas também sabemos que existem muitos desafios. A nossa função não é ser entidade de recolha primária de dados. Nós trabalhamos os dados que nos são fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística e, como sabem, a informação está muito focada em alguns indicadores, que têm que ver com dormidas, hóspedes, etc. Não temos, efetivamente, por produto turístico.
Essa mesma questão que se coloca relativamente aos eventos, coloca-se em relação a todas as outras atividades na área do turismo. O que é que representa cada uma delas? Por alguns estudos que outras instituições fazem, conseguimos ter alguma informação sobre cada um dos produtos turísticos que temos disponíveis, e também sabemos, até pelo contacto que temos com a própria operação, que volume de atração têm para Portugal.
Temos também os observatórios regionais, que serão seguramente um instrumento importante para podermos retirar mais informação sobre a atividade turística -e quando falo em atividade turística falo em tudo, não apenas nos eventos.
O que é que, na sua perspetiva, o Turismo de Portugal pode e deve fazer pelas empresas e pelas pessoas que trabalham em eventos?
Julgo que o Turismo de Portugal tem feito um trabalho consistente na meetings industry. Desde logo para as empresas, organizar plataformas de negócio, seja por via de fam trips, seja por via das feiras, seja por via dos instrumentos que temos disponíveis. Julgo que aí estamos diretamente a trabalhar com as empresas para facilitar o seu negócio. Também temos o nosso próprio site da meetings industry, que nos permite facilitar a visibilidade da oferta nacional.
Um dos assuntos que mais nos tem chegado tem que ver com a formação e julgo que aí temos um bom desafio. Acho mesmo que o Turismo de Portugal tem que olhar para essa matéria e pode fazer módulos formativos que tenham interesse e relevância para o setor, para os seus profissionais, para as empresas. Julgo também que essa formação tem de ser ela própria construída com as recomendações e o contributo das empresas, porque são elas que sabem quais as suas necessidades e que fragilidades encontram nos seus próprios recursos. Eu julgo mesmo que, no caso das nossas escolas de turismo, estão não só disponíveis como muito interessadas em dar esse passo de ajudar, do ponto de vista global, à formação dos profissionais da meetings industry.
A questão da sustentabilidade e da digitalização das empresas, hoje em dia, é um desafio transversal. Acha que isto também tem cabimento nesse capítulo de apoio às empresas de eventos?
A digitalização é muito importante e sabemos que a velocidade com que a tecnologia tem vindo a ser alterada e transformada é provavelmente um dos motivos pelos quais os próprios negócios, sejam quais forem, vão ter também um impacto e ser transformados.
O ambiente é, em primeiro lugar, uma responsabilidade de todos, de cuidar do nosso planeta e, portanto, as empresas têm aqui um papel importante. Julgo que há uma sensibilidade muito grande, e nós temos sentido isso na forma como as empresas têm aderido aos modelos ESG [do inglês Environmental, Social and Governance, com indicadores ambientais, sociais e de governação corporativa] e ao Programa Empresas Turismo 360º, que no fundo é todo um percurso que as empresas fazem para as questões relacionadas com o ESG. Mas há um aspeto que é cada vez mais referenciado nos eventos, que tem a ver com as questões da acessibilidade e da inclusão. Estes aspetos são cada vez mais relevantes a nível internacional. Como é que os eventos se preparam para poderem ser confortáveis para todo o tipo de clientes? Cada vez mais vemos o esforço que as empresas têm de integrarem nos seus painéis de debate, nas suas organizações, palestrantes de todos os sexos e de todas as identidades. E aqui, naturalmente, estou a falar na presença feminina, que está cada vez mais reforçada. Acho que isso traz riqueza para o debate público e sem dúvida que para os eventos esse também é um aspeto importante.
Ainda nesse capítulo do apoio que o Turismo de Portugal pode dar às empresas, a internacionalização de eventos também tem cabimento? Podemos ver mais “Chefs on Fire” ou outros eventos portugueses lá fora?
É muito importante que as empresas tenham essa ambição de internacionalizar o seu evento. Acabaram de dar um bom exemplo, o ‘Chefs on Fire’, que aliás tem o apoio do Turismo de Portugal nessa sua ambição de chegar lá fora, começando aqui no caso pelo nosso país vizinho, mas quem sabe para outras geografias. A internacionalização dos nossos eventos é, sem dúvida, muito importante, mas também a internacionalização das empresas. Elas próprias poderem alargar o âmbito de trabalho e poderem estar presentes noutros países, além de Portugal.
Que tipo de eventos é que gostavam de trazer para Portugal? Quais é que são mais interessantes?
Eu diria que não há um tipo, mas sim vários tipos. Desde logo, eventos estratégicos que têm a ver com a nossa oferta turística. Estamos aqui a falar de eventos na área da cultura, que são normalmente eventos que têm uma capacidade de gerar motivos de comunicação, que permitem um storytelling muito interessante sobre os destinos. Todos os eventos relacionados também com o desporto. Enfim, eu diria que todos os eventos que têm uma relação direta com a atividade turística, eventos corporativos e associativos estão na nossa linha da frente. O atual governo tem inclusive dado ênfase à captação de grandes eventos internacionais que tragam grande visibilidade de Portugal e das nossas regiões e que tenham a capacidade de atrair visitantes para participarem nesses eventos.
Somos um país que tem crescido muito do ponto de vista dos eventos. Os campeonatos de surf são um bom exemplo de como não só tivemos capacidade de os organizar, e somos reconhecidos por isso, como de transformar os destinos, as próprias localidades. É um papel transformador não só naquilo que está diretamente relacionado com o evento, mas de todo o negócio que está à volta.
Temos um calendário de festivais de música extraordinário e somos reconhecidos internacionalmente por isso. Começamos a ser um espaço, um destino, para eventos na área da arte, das exposições. Quando digo ‘temos’ estou a falar do ponto de vista das empresas. E naturalmente esse é um trabalho do qual o Turismo coleta, mas isso inclui um esforço grande e muito interessante para podermos colocar Portugal no mapa mundial neste tipo de eventos.
Quando surgem eventos de grande dimensão, que conseguem mobilizar apoios substanciais, levanta-se sempre a dúvida sobre se seria mais interessante concentrar esforços em eventos tão grandes ou disseminar esses apoios por eventos de menor dimensão, mais dispersos. O que é que se pode responder a esse tipo de comentário?
Todos têm cabimento. Olhando para a oferta nacional, há vantagens em termos grandes eventos internacionais, como o MotoGP no Algarve, que acaba de ser novamente confirmado, até um pequeno evento no interior do país. Sobre essa matéria, o nosso programa de incentivo à captação de eventos, o Portugal Events, está organizado de forma a bonificar justamente os eventos que são realizados fora dos grandes centros urbanos, em territórios de baixa densidade. E, portanto, todos têm cabimento e têm funções diferentes e razões de existir diferentes. Se por um lado os grandes eventos permitem colocar Portugal nos media internacionais, serem motivo de visita ao país, os pequenos eventos têm um impacto direto nos territórios, um impacto direto na capacidade destes territórios terem visitantes ao longo do ano, em diferentes localidades e de melhorar a experiência turística.
Há eventos que vivem só por si, que são a razão da visita, mas há eventos que vivem para melhorar a experiência turística das localidades e, portanto, nós não podemos descurar uns em relação a outros.
No caso dos eventos, fala-se muito na escassez de espaços, mesmo em Lisboa. Quem é que deveria assumir aqui este papel? São os privados? Como é que eventualmente poderia ser desatado este nó?
Portugal tem, de uma forma geral, uma oferta de venues muito interessante. E muitas vezes a captação dos eventos não tem tanto que ver com os venues que eu tenho disponível -claro que é importante -, mas sim com um conjunto de outras valências que são muito importantes e que Portugal desde logo tem e isso é reconhecido. Mas se nos concentrarmos nos venues, julgo que depende sempre da circunstância e do local onde estamos. Haverá necessidades a que provavelmente as autarquias têm capacidade de responder. Haverá outras situações em que provavelmente as parcerias público-privadas são interessantes, há outras em que os próprios privados podem ser eles a colmatar essa dificuldade.
E temos todos estes exemplos em Portugal, porque temos venues que são das autarquias, temos venues que são totalmente privados e foram criados pela iniciativa dos privados e existem outros que são, de alguma forma, parcerias público-privadas. Acho que em cada situação temos que ver qual é a melhor maneira de darmos resposta a uma necessidade. É certo que em Lisboa se tem sinalizado essa necessidade e julgo que a própria autarquia também tem estado envolvida nessa discussão.
A que mercados vale a pena estar atento?
Os nossos mercados emissores principais são: o Reino Unido, a Espanha, a França, a Alemanha. Os Estados Unidos são, hoje em dia, um mercado que tem tido uma capacidade de crescer para Portugal muito interessante. E são interessantes para o turismo generalista, mas também para os eventos. É um mercado com valor acrescentado e a nossa perspetiva é a de que o mercado vá continuar a crescer.
Os mercados europeus, no seu conjunto, são para nós mercados muito importantes. Sentimos também um interesse acrescido dos países nórdicos pelo nosso país, no seu conjunto. A Ásia está a abrir, portanto temos aqui algumas oportunidades no que diz respeito à Ásia. Este ano vai acontecer a Expo Osaka, no Japão, que é uma janela de oportunidade para nos podermos mostrar também naquele território.
Definimos alguns mercados de novas aberturas, como é o caso do México, um mercado que tem vindo a crescer para Portugal quase que organicamente. Temos durante o ano de 2025 programadas um conjunto de missões de operadores mexicanos a Portugal e também de empresas portuguesas no México. O Brasil continuará a ser um dos mercados que vamos reforçar e é uma boa oportunidade para todo o turismo nacional. Acrescentando aqui a Argentina. Verificámos que o trabalho feito em 2024 na Argentina teve logo impacto, apesar de não termos uma ligação [aérea] direta com a Argentina, o que é muito interessante.
Depois, temos mercados mais longínquos e que têm crescido, mais ou menos organicamente, como é o caso da Austrália, por exemplo, que tem números muito interessantes de visitantes vindos deste mercado. E faremos, durante o ano de 2025, um conjunto de missões e de ações de prospeção, juntamente com operadores e com companhias aéreas, para o mercado da Austrália, que alimenta algumas das ligações aéreas que temos, por exemplo, na Península Arábica.
O sucesso turístico que Portugal tem tido também apresenta desafios. Como lidar com eles?
Eu acho mesmo muito importante gerir o sucesso do turismo. É, hoje em dia, um compromisso de todos nós. Das empresas, do Turismo de Portugal, das autarquias, dos agentes locais para permitir que não haja, por um lado, uma experiência menos positiva em Portugal e, por outro, para que as empresas não percam o seu negócio, porque já não encontram capacidade suficiente para a procura que têm. Todas as nossas principais estratégias têm sido, e vão continuar a ser, de olhar para o território no seu conjunto e encontrar oportunidades. É certo que a procura é maior nos grandes centros urbanos ou nas regiões mais conhecidas, como no caso do Algarve ou da Madeira, por isso mesmo somos obrigados cada vez a dar maior visibilidade aos territórios do interior, dotando-os com mais oferta para justamente poderem responder a outros projetos, a outro tipo de eventos que podem muito bem passar a ser feitos em Coimbra, em Viseu, na Covilhã, em Bragança.
Vemos alguns mercados, como é o caso dos Estados Unidos, que nunca ficam só nas grandes cidades. Para eles, as distâncias em Portugal são muito pequenas. Continua a ser muito importante olharmos para a possibilidade de se organizarem os eventos em todo o território, dotando esses territórios com oferta adequada para poderem receber os eventos. Tudo tem um limite, não é? Temos de começar a olhar para o território de uma forma integrada, e fazendo também ao longo de todo o ano, aproveitando que há momentos em que há menos procura do turista generalista. E continuar a ter as nossas empresas sustentáveis, do ponto de vista económico, também, e poderem estar em operação durante todo o ano. Julgo que esses são, sem dúvida, os dois grandes eixos em que nos temos que concentrar.
Como podemos imaginar Portugal daqui a cinco anos, enquanto destino turístico?
Estamos neste momento num processo de construção da nova estratégia, que terminaria em 2027, uma vez que muitas das metas foram atingidas em 2024. O contexto mundial mudou, o contexto do turismo também mudou desde há sete anos. Estamos hoje neste processo de construção da nova estratégia para dez anos. E este processo de construção, novamente, é um processo que não é feito aqui fechado nas salas do Turismo de Portugal, estamos pelas sete regiões, temos reuniões, estamos a concluir neste momento workshops temáticos sobre alguns dos pontos mais relevantes que foram identificados nessas reuniões regionais. Acredito que vamos ter uma estratégia que, por um lado, possa refletir aquilo que de melhor existe em Portugal e, acima de tudo, uma estratégia que responda às novas tendências do consumo, mesmo aquelas que nós ainda não sabemos quais são.
Dez perguntas a Lídia Monteiro
Uma cidade para viver?
Lisboa.
Uma viagem para fora de Portugal que ainda lhe falta fazer?
Japão. Mas há mais.
Uma banda, um artista que não pode faltar na sua playlist?
Prince.
Que livro é que tem na cabeceira?
‘O livro dos cinco anéis’, de Miyamoto Musashi.
Um prato absolutamente irresistível?
Arroz de míscaros.
Uma série ou um filme?
Homeland.
Rede social que usa mais?
LinkedIn.
Quando era criança o que é que queria ser?
Queria ser atriz.
Se pudesse convidar qualquer pessoa para jantar, quem gostaria de convidar?
Se estivesse vivo, a pessoa com quem eu gostava de falar alguma vez era o Nelson Mandela.
Evento mais marcante?
O concerto ‘Madame X’ da Madonna, no Coliseu.

© António Camilo Fotografia
Fotógrafo
Diretor da Minifoto