“Continuamos a ter uma ‘fraca’ cultura de segurança no nosso país”

Opinião

28-02-2022

# tags: Segurança , Eventos

Num contexto de crise generalizada de segurança a nível global, provocada por uma pandemia à escala planetária, com impacto avassalador na nossa atividade, interessa perceber o porquê da sociedade em geral e da nossa indústria em particular não ter estado preparada para as suas nefastas consequências e, sobretudo, aprender com tudo o que temos passado nestes últimos anos de enorme instabilidade.

Assim sendo, interessa antes perceber se o estigma que durante muito tempo subsistiu no setor dos eventos, de se ver a área da segurança como um “mero custo”, já foi definitivamente ultrapassado.

A meu ver não. Apesar de ter havido uma clara evolução positiva, continuamos a ter uma “fraca” cultura de segurança no nosso país, consubstanciada no parco investimento das empresas em recursos técnicos e humanos qualificados para as reais necessidades desta área e que, muitas vezes, acabam por se refletir negativamente no resultado final das operativas dos eventos realizados por esse Portugal fora.

Ao nível do setor privado, se, por um lado, é hoje consensualmente aceite que o tema da segurança deverá ser assumido como um verdadeiro ativo pelos vários stakeholders do mercado, por outro, temos que passar das palavras aos atos e exigir mais e melhor de todos nós, enquanto cidadãos e profissionais desta área, assim como dos nossos interlocutores públicos com responsabilidades na regulamentação e fiscalização da nossa atividade.

Desde o 11 de setembro de 2001 que o mundo mudou e, como nos diz Ulrich Beck no seu livro Sociedade de Risco Mundial, “raramente uma imagem resumiu tão nitidamente o momento de mudança do mundo, de nascimento chocante de um perigo global”.

O terrorismo de matriz islâmica assumiu‑se assim como uma realidade mundial que infelizmente veio para ficar, adotando técnicas e estratégias de combate nada convencionais, que passam por instalar o medo entre as populações com o intuito de castrar o mais elementar desejo de se viver uma vida livre e sem constrangimentos de natureza de múltipla ordem.

Anos mais tarde, no ano de 2015, os atentados vieram a verificar‑se em salas de espetáculos, nomeadamente no teatro francês Bataclan, assim como em vários bares e restaurantes da capital francesa, com um trágico resultado de 130 mortos e 350 feridos. Poucos anos mais tarde, em 2017, deu‑se novo atentado na cidade de Manchester, no concerto de Ariana Grande (22 mortos e 100 feridos), levando os governos nacionais dos países afetados, assim como a nossa indústria, a tomar medidas enérgicas e mais musculadas, tanto de natureza preventiva como corretiva, que minimizassem ao máximo o risco de reincidência de tais atos.

Sendo de louvar a capacidade de resposta, tanto dos Estados como da nossa indústria, para fazer face a tamanho desafio e provação, eis que surge uma nova ameaça com a presente pandemia, para uma vez mais testar a nossa capacidade de organização, profissionalismo e resiliência. Agora um perigo igualmente real, “imprevisível”, mas ainda mais global e massificado, afetando todos, ao mesmo tempo e em todo o lado, numa paralisação do mundo em direto e ao vivo com uma cobertura mediática nunca antes vista.

Nesse contexto, e tendo em consideração os desafios imediatos com que a indústria dos eventos se debate em Portugal, é por demais evidente a necessidade de conservarmos o nosso frágil ecossistema composto por muitas pequenas empresas, algumas médias e poucas grandes, sendo a máxima a adotar ‑ ninguém ficar para trás!Dito isto, e apesar das nossas debilidades, Portugal tem conseguido por mérito próprio ganhar uma posição de relevo ao nível do ranking de segurança que ocupa a nível internacional, sendo considerado de acordo com o relatório Global Index 2021 do Institute for Economics & Peace o 4º destino mais seguro do mundo e 2º mais seguro da Europa, o que constitui indubitavelmente uma das nossas maiores vantagens competitivas enquanto destino turístico “premium”.

A realização de eventos internacionais de múltipla natureza (musicais, desportivos e corporativos), como foram a título de exemplo a Expo 98, o Euro 2004, a Eurovision Song Contest, ou a Web Summit, a que se somam os milhares de concertos e festivais realizados de norte a sul do nosso país, constituem prova irrefutável de estarmos definitivamente na rota das grandes tours e eventos internacionais de prestígio realizados por essa Europa fora.

Sendo essa uma realidade animadora, que muito trabalho deu a construir e que a todos deve orgulhar e motivar, será fundamental termos consciência de que, com a atual crise pandémica, operadores, agentes e promotores internacionais serão cada vez mais exigentes na obtenção de garantias efetivas de condições sanitárias adequadas para a realização dos seus eventos nos respetivos recintos, zelando assim pela segurança dos artistas, staff e público em geral. A necessidade do estabelecimento de regras e procedimentos homogéneos, não só a nível nacional, como internacional, será assim um dos principais desafios que se colocam a curto prazo à nossa indústria, aos governos nacionais de cada país e à União Europeia como um todo, para que possamos voltar à normalidade que ambicionamos.

A esse nível teremos que estar preparados para, não obstante ser expectável um aumento da regulamentação e fiscalização por parte das entidades competentes, não deixarmos que se alastre a “economia do medo” que, como Ulrich Beck refere e bem, “enriquecerá à custa do colapso nervoso generalizado das populações”. Nesse contexto, será imperativo continuarmos a investir na educação, formação e certificação, como fatores decisivos para o aumento qualitativo dos produtos e serviços que oferecemos aos nossos clientes, sendo igualmente fundamental estarmos particularmente atentos à realidade dos factos e procedermos à análise dos comportamentos das pessoas depois de tanto tempo enclausuradas nas suas casas, muitas delas a consumir produtos televisivos sensacionalistas e, em alguns casos, drogas lícitas e ilícitas capazes de alterar os seus comportamentos a nível individual e coletivo. A crescente agressividade e comportamentos desviantes por parte de muitos adolescentes, e em alguns casos adultos, em eventos musicais e desportivos, causa apreensão e preocupação às autoridades competentes, assim como a quem trabalha no setor dos eventos e da segurança privada. A situação de fragilidade e debilidade económica e financeira de muitas empresas organizadoras de eventos, que vêem os seus custos operacionais aumentar exponencialmente, dado o número crescente de requisitos a cumprir, não ajuda e, em alguns casos, poderá levar à tentação de corte nos recursos alocados a esta área, potenciando assim situações efetivamente perigosas que urge evitar.

Prossigamos, atentos, vigilantes, responsáveis, mas sempre humanos, na definição e reforço de medidas efetivamente preventivas, com a identificação atempada de “novos” riscos (como sejam, a titulo de exemplo, os riscos cibernéticos ou ambientais). E investindo na elaboração de planos de contingência e segurança que ofereçam respostas eficazes aos novos e antigos desafios com que estamos a ser permanentemente confrontados na área da segurança e em particular na gestão e controlo do público, certos de que a evolução dos tempos e dos comportamentos humanos serão sempre uma constante na nossa mui nobre atividade.

© José Faísca Opinião

Diretor Executivo na Arena Atlântico

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