Inteligência artificial: o ‘game changer’?

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16-10-2024

# tags: Eventos , Tecnologia

Já se fala há alguns uns anos de inteligência artificial e o seu impacto nos eventos, mas 2024 parece ser o ano em que são dados passos mais firmes na sua utilização por parte da indústria.

A inteligência artificial (IA), simplificando, é uma tecnologia que torna as máquinas capazes de desempenhar tarefas que usualmente requerem pensamento humano. A IA generativa é a tecnologia capaz de gerar conteúdo, sejam textos, imagens, ou outros tipos de formatos.

É uma tecnologia que descobre padrões, pesquisa dados, traduz, responde a perguntas e faz previsões, sendo capaz de desempenhar tarefas com grande rapidez e precisão. Essas tarefas vão sendo melhoradas com os dados recolhidos. Esta tecnologia, da qual se ocupa este texto, pode trazer imensos benefícios e oportunidades à indústria e alguns riscos, naturalmente.

No Meetings Outlook Fall 2023 do MPI (Meetings Professionals International) um inquérito mostrava que a indústria tem sentimentos positivos face a esta tecnologia e que esta vai estar cada vez mais presente na “caixa de ferramentas” dos organizadores de eventos. 22% dos inquiridos usa a IA generativa regularmente, e 50% tem um sentimento positivo face a ela. 30% acredita na capacidade da IA de dar experiências e eventos mais interessantes.

A IA foi uma das três tendências mais apontadas como definidoras do ano no The Eventex 2024 Events Industry Trends Report. Espera-se que a IA influencie todos os aspetos de um evento, desde o planeamento e a criação de proposta até à comunicação com os participantes, maximizando o impacto dos eventos.

Já em 2019, Vítor Hugo, consultor técnico na AVK, publicava um artigo de opinião na Event Point em que afirmava que “a maior mudança que a AI está a trazer para os eventos é a personalização das recomendações para os participantes do evento, expositores e produtos, numa escala inédita.” Desde então, muito foi escrito sobre o tema, inclusive na Event Point, e parece que a expressão está hoje na boca de (quase) toda a gente que trabalha em eventos. Além da personalização, de que falava Vítor Hugo, a otimização do tempo (em tarefas administrativas) e a abordagem aos eventos baseada em dados são benefícios evidentes.

Numa grande entrevista em 2023, também à Event Point, Miguel Carneiro, CEO da Shake It, vai mais longe e afirmava que a inteligência artificial vai ter um impacto não só nos eventos, mas na sociedade em geral. “Acho que o salto, do ponto de vista da organização de eventos, vai, em primeiro lugar, estar na parte de conteúdos. Já vemos demonstrações, em muito pouco tempo, desde que chegaram os GPTs desta vida, de criação de imagens, criação de scripts, criação de vídeos, edição de vídeos. Desde a logística à tecnologia, aos audiovisuais, acho que nenhum destes está isento daquilo que é o impacto da inteligência artificial”.

Numa outra entrevista do mesmo especialista ao mesmo meio, lê-se que “nos eventos, já estamos em condições de dar um briefing no DALL-E para obter inspiração para um KV e ao ChatGPT podemos pedir para nos propor tópicos de um programa científico de um congresso. Tudo isto em segundos”, frisa. “É uma ferramenta muito poderosa”, que poderá ser usada pelos organizadores de eventos “para tornar o seu trabalho mais eficiente”, refere Miguel Carneiro.

Numa entrevista recente, Miguel Pires, da agência Nervo, apontava a IA como desafio e tendência. O responsável entende que a IA “já não é só algo que desperta curiosidade, mas é algo que está a ser integrado na metodologia de trabalho e até mesmo nas propostas que pomos na rua. E já não é só utilizar as plataformas que existem disponíveis, em que se paga uma subscrição e, de repente, vai-se gerar umas imagens, ou vai-se perguntar umas coisas ao ChatGPT. Já estamos para além disso. Já estamos a trabalhar os chamados LLM [large language model], em que podemos desenvolver coisas específicas para as experiências que estamos a criar”, adianta.

“The next big thing”


Numa pequena auscultação ao setor, constatamos que a maior parte dos ouvidos já se aventurou na inteligência artificial e que a usa regularmente no seu trabalho, nomeadamente na tradução, na criação de conteúdos e imagens, em pesquisas, na criação de guiões e resumos, e como inspiração. A grande maioria usa o ChatGPT, mas há outras ferramentas citadas: Canva, Stockimage, Deepl, Copilot, Grammarly, Bard, CopyAI ou Midjourney.

Entre os benefícios concretos que apontam como benéficos para o trabalho no setor dos eventos destacam-se: design, criação de conteúdos, gestão de tempo, elaboração de propostas, poupança de tempo nas tarefas do dia-a-dia, na personalização.

No futuro, estes profissionais acreditam que a inteligência artificial será “um aliado de peso”, que não substitui a vertente humana, mas que pode ajudar em muitos aspetos do evento. Incluindo os seguintes, a título de exemplo:

Planeamento e logística


Neste capítulo a IA pode ajudar no contacto com os participantes, enviar e-mails automáticos, com a criação de chatbots e assistentes virtuais, por exemplo. São ferramentas cada vez sofisticadas e que podem ser usadas em diferentes funções no evento. Automatizar respostas a perguntas, providenciar sugestões personalizadas – na língua do participante –, sugerir sessões, oportunidades de networking, suporte em tempo real, entre outros.

A IA pode ajudar na decisão do destino ou venue a escolher, prever o staff exigido ou ideal para o evento, a quantidade de comida necessária.

Em suma, poupa tempo e recursos às organizações, sobrando tempo para o que mais interessa: a estratégia e a experiência do participante.

Personalização


A personalização é uma das tendências atuais do setor e a IA ajuda certamente nesse intento. Segundo um estudo da McKinsey, por exemplo, 71% dos consumidores esperam personalização por parte das marcas com as quais interagem. Conhecer as preferências individuais dos participantes, através de análise de redes sociais, pode permitir, por exemplo, à chegada ao evento entregar um saco personalizado ou no cocktail servir a bebida preferida, sem ser necessário pedi-la. São gestos marcantes e que ficam na memória de quem os vive.

A IA pode dar recomendações de atividades no destino consoante os gostos do congressista e no capítulo da gamificação e facilitação de networking as hipóteses são imensas.

A personalização além de aumentar a satisfação, aumenta o engagement do participante.

Decisões baseadas em dados


O organizador de eventos, com todas as tecnologias ao seu dispor, pode ter acesso a uma vasta panóplia de dados. Com esses dados, a IA consegue fazer previsões que podem ajudar a melhorar o evento, por exemplo ao nível de staff, ao espaço ocupado, etc., mas também pode ajudar ao nível da personalização, como vimos atrás.

Filinto Francisco, da Rise, em entrevista à Event Point, aponta a IA como uma tendência cada vez mais relevante “com a crescente análise de dados a desempenhar um papel fundamental no setor de eventos”. A análise e interpretação de dados em tempo real é um apport que pode ser crucial no sucesso de um evento, por exemplo, em termos de análise do movimento e dinâmica dos participantes, a que stands vão, a que sessões assistem, se interagem, etc.

No pós-evento esta informação revela-se também crucial para se poder estar mais alinhado com as expectativas dos participantes em eventos futuros. Em termos de ROI (Retorno de investimento), a inteligência artificial pode ajudar fornecendo métricas.

Conteúdos e marketing


Aqui é onde tudo parece estar mais avançado. Ferramentas como o Chat GPT e semelhantes trouxeram uma panóplia de oportunidades. Ideias para eventos, temas, oradores, criação da agenda, criação de descrições, de polls, de biografias, compor e-mails, transcrições, tradução, enfim, as possibilidades são vastas.

Em termos de promoções e marketing, a possibilidade de ajudar na criação de posts para as redes sociais, de vídeos, de imagens, materiais promocionais, de press releases.

Implicações éticas


Há cuidados a ter. De acordo com um white paper, do The Hague & Partners Convention Bureau e do Ottawa Tourism, as implicações éticas da utilização da IA na organização de eventos levantam preocupações. 63% dos buyers associativos inquiridos estão muito preocupados ou ligeiramente preocupados com as implicações éticas da utilização da IA na organização de eventos.

O documento avança que 63% dos inquiridos consideram que os governos devem legislar sobre a utilização da IA na organização de eventos. Contudo, 65% não acham que esses mesmos governos tenham o conhecimento necessário para poder legislar com eficácia.

Os profissionais inquiridos estão preocupados com a utilização e a retenção dos dados obtidos pelas empresas de tecnologia através da IA: 20% afirmaram que os fornecedores de tecnologia de IA não são muito fiáveis e 13% afirmaram que não o são de todo – e estes 33% ultrapassam os 27% que mostraram confiança.

Para 52% dos inquiridos, uma solução possível é a criação de uma norma internacional (ISO) que abranja a utilização da IA em eventos; neste capítulo, 29% disseram ‘talvez’ e 7% estão de acordo.

Embora num universo bastante mais pequeno, o white paper apresenta resultados relativamente ao segmento corporativo. Metade (50%) dos organizadores de eventos empresariais inquiridos estão ligeiramente preocupados com as implicações éticas da utilização da IA na organização de eventos.

Além disso, 71% pensam que os governos deveriam legislar sobre o assunto, sendo esta a mesma percentagem dos que não acreditam que os governos tenham os conhecimentos necessários para o fazer. Metade (50%) dos inquiridos confiam nos fornecedores de tecnologia, enquanto 28% mostraram-se preocupados com a fiabilidade desses fornecedores.

Natália Rosa, CEO da Big Ambitions, no Congresso da APAVT alertava, para o seguinte: os direitos de autor pertencem à IA, a menos que o texto seja editado; o utilizador deve verificar sempre os factos e ter cuidado com a informação que partilha (não se devem partilhar informações sensíveis).

© Cláudia Coutinho de Sousa Redação