Maria José Alves: A componente humana é fundamental

20-03-2019

Recentemente reconhecida pela ICCA como uma das “Dez mulheres inspiradoras” do sector da meetings industry (MI), Maria José Alves é um dos “rostos” do Convention Bureau de Cascais e empresta ao destino uma energia e um carisma únicos. A conversa, espontânea e desempoeirada, teve como cenário o Vila Tamariz Utopia, um espaço para eventos na região, com uma vista tranquilizadora sobre o mar.

Como é que chegou a este mundo do turismo de negócios? E quais foram os momentos mais marcantes da carreira até este momento?

Formei‑me em Gestão de Empresas Turísticas, na Universidade Internacional. Inicialmente estive no Porto, num estágio no hotel Sheraton durante seis meses. A hotelaria transformou‑se rapidamente numa paixão. Foi muito fácil para mim trabalhar nesta área porque tenho uma grande capacidade de me exprimir, gosto de pessoas, sou extremamente expansiva. Quando regressei a Lisboa, fui para o Hotel Alfa, que hoje é o Hotel Corinthia, e foi uma experiência muito enriquecedora porque aliava a parte operacional e a parte comercial. Depois de três anos no Alfa, fui convidada para ir trabalhar para o Hotel Palácio, um hotel que me marcou muito, porque é um hotel de excelência, de luxo, e onde trabalhei com pessoas que me influenciaram muito. Na altura tinha um director geral que era à antiga, o senhor Manuel Ai Quintas, um homem extremamente interessante e inteligente, com uma capacidade muito grande de persuasão. O Francisco Corrêa de Barros, que na altura era director de F&B, e hoje é geral, uma pessoa extremamente humana; o Manuel Guedes de Sousa, que foi a pessoa que na parte comercial me ajudou muito a crescer. E depois tive uma passagem pelo Hotel Quinta da Marinha, um hotel completamente diferente, moderno, com uma equipa fabulosa, de onde trouxe amigos para a vida. Acho que a hotelaria é também isso. Passamos muito tempo dentro do hotel, é muito absorvente, mas também se fazem grandes amizades.

Essa incursão pela hotelaria foi fundamental para a carreira?

Foi, sem dúvida nenhuma. Até mesmo no posicionamento relativamente ao trade, começar a trabalhar com as DMCs, poder orientar‑me no sentido da promoção. Foi extremamente enriquecedor.

E como é que chegou ao Convention Bureau?

Entretanto fui mãe, e quando a Inês tinha três anos surgiu este projecto de uma nova associação que era o Estoril & Sintra Convention Bureau. Foi um grande desafio. No início o telefone não tocava. Enquanto num hotel estamos sempre a interagir com as pessoas, temos telefonemas constantes, a operação, quando chego ao Convention Bureau rapidamente percebi que eu é que tinha de fazer o trabalho acontecer. Havia um conjunto de associados que fizeram logo parte do Convention Bureau, não só provenientes da hotelaria, mas todas as infra‑estruturas inerentes à organização de conferências, de congressos, e foi aí que tive de dar mais de mim a conhecer, a interagir com os stakeholders. Sendo uma associação que estava a arrancar o trabalho foi muito interessante, porque tivemos que fazer tudo desde o início.

Que outras figuras a inspiraram neste trajecto?

Há uma pessoa que me tem marcado imenso, e continuo hoje a trabalhar com ela, que é a Carla Gomes, a coordenadora geral do Turismo de Cascais, e que tem sido uma pessoa que me tem desafiado bastante, e com quem gosto imenso de trabalhar. Mas também o João Custódio, que na altura estava como coordenador na ATC, e que saiu entretanto. Ou o Duarte Nobre Guedes, uma pessoa com quem tenho lidado muito e que nos tem feito crescer e que nos dá bastante autonomia.

Neste mundo tão exigente do turismo, como é que se concilia a vida pessoal e profissional?

Acima de tudo tive de ter a capacidade de ser uma pessoa muito organizada e de estabelecer prioridades. Viajo muito, tenho um trabalho exigente de backoffice, mas tenho a vida pessoal, e para isso tenho de organizar muito bem o meu tempo. O trabalhar em equipa também ajuda muito. Hoje somos uma equipa maior, também dá para desenvolver os processos, sem ser só eu. O ter alguma autonomia também ajuda na capacidade de gestão de tempo. Acho que é o que muitas vezes falta, e acontecia muitas vezes nos hotéis, é que nós não tínhamos prioridades, era o que aparecia. Aqui não, nós podemos gerir as nossas prioridades, temos é de ter essa capacidade.

Que características pessoais acha que tem que a beneficiam ao trabalhar este sector?

Ser espontânea. Por outro lado entrego‑me imenso. O gostar de pessoas, gostar do trabalho que faço.

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Aposta na diferenciação

Quais são as principais mais‑valias de um destino como Cascais para o segmento MI?

O segmento MI é um dos produtos estratégicos até porque dá um grande contributo no combate à sazonalidade. Cascais pode diferenciar‑se por ser cosmopolita, mas ao mesmo tempo uma área muito agradável para se viver. Moro aqui, trabalho aqui, tenho uma qualidade de vida espantosa, a todos os níveis. Acho que a diferenciação passa por fazermos propostas tailor made. Cada proposta é única. E em Cascais podemos trabalhar muito a proposta de valor. Temos hotéis grandes, médios e pequenos, vários tipos de venues, somos um destino walking distance.

A sustentabilidade ainda é um argumento de venda para Cascais?

Sim, continua a ser. Em termos do Centro de Congressos há uma continuidade na estratégia e acho que se deixou uma marca. Cada vez há uma tendência maior para que os pedidos também venham nesse sentido. A própria Câmara Municipal de Cascais tem esse cuidado com alguns dos projectos que tem apresentado, como é o caso da MobiCascais, um projecto extremamente interessante de mobilidade.

Foi complicado o reposicionamento da marca, quando passou de Estoril para Cascais?

No início não posso dizer que não tenha sido um bocadinho difícil de explicar. Estamos muito formatados e habituamo‑nos a trabalhar numa determinada situação, mas quando há a mudança adaptamo‑nos e até aprendemos com ela. Tornou‑se fácil. Nós procuramos fazer sempre a conjugação Cascais / Estoril e explicar os factores históricos, o porquê das duas denominações. A história interessante que temos facilita muito a promoção.

É fácil trabalhar com Lisboa aqui ao lado? Há sinergias que se estabelecem?

Há boas relações, e sempre que é necessário existe o contacto. Há visitas de imprensa, há sempre interacção, porque quer se queira quer não, nós precisamos de Lisboa, precisamos de Sintra. Há aqui um triângulo, uma oferta concentrada, que é muito importante. Aliás, nós temos um claim no nosso projecto de marketing: “One way leads to another”, que é exactamente isto, não podemos considerar que só podemos sobreviver com Cascais, temos de pensar no que está à volta.

Cascais está bem servido de infra‑estruturas, venues, hotéis?

Se me perguntar se eram precisos mais hotéis, sim eram precisos. Maiores? Sim, com certeza. Agora temos é que pensar que este não é um destino de massas, e que trabalhamos os eventos médios, mas claro que se houver mais oferta, facilmente se consegue também trabalhar numa dimensão um bocadinho maior. Há uma questão que é importante, nós trabalhamos muito bem em conjunto com hoteleiros, com o casino, com o centro de congressos. Conhecemo‑nos todos muito bem e quando há uma proposta a apresentar, se for preciso eles estarem, e discutirmos a proposta em conjunto, com grande facilidade o conseguimos fazer. A maior parte das pessoas em termos de chefia, de topo, estão há muitos anos nos mesmos sítios, o que também nos ajuda. As equipas nestes hotéis também são extremamente profissionais. Em Portugal temos isso de bom, a entrega com que nos damos ao trabalho, o gosto que temos de fazer bem.

Em termos de congressos, eventos, corporate, o que é que domina aqui?

Temos muitos lançamentos de automóveis, uma vez que este é um espaço cénico e atractivo, e temos um determinado tipo de oferta turística que é agradável. O que acontece muitas vezes nestas questões dos lançamentos é que o cliente quer sempre espaços novos, e não temos sempre espaços novos a abrir. Antes da crise tínhamos muitos pedidos de incentivos, dos mercados mais variados. Neste momento os incentivos estão a voltar, e os incentivos belgas muito concretamente. Trabalhamos muito a Bélgica, na parte associativa, mas está a surgir um interesse grande pela organização do incentivo corporativo, ou team building, o que para nós é fantástico por causa da procura por hotéis mais pequenos.

Hoje em dia que tipo de eventos interessam ao destino?

Acho que temos que ser cirúrgicos, porque senão cai‑se na massificação do turismo. Incentivos com algum glamour, com perspectiva corporativa, fazem todo o sentido. Os casamentos também, bem como os eventos ligados ao golfe. Cascais potencia também os seus próprios eventos, temos as Conferências do Estoril, os eventos musicais, o CSI, o Open do Estoril, e uma série de outros, em áreas muito distintas.

Quais são os mercados principais para Cascais?

Os nossos mercados principais são o Reino Unido, Espanha, Alemanha e agora também França.

Quais são os concorrentes de Cascais?

Temos de concorrer com destinos mais pequenos, similares ao nosso. É o caso de Cannes, mas também o Norte de Europa, Valência. Mas a mais parecida com o nosso destino é mesmo a Riviera Francesa.

Há uma série de produtos conexos, aqui no destino, como o golfe, o luxo, os casamentos. Acha que se conseguem estabelecer sinergias com o MI?

O golfe é um complemento importante. Temos três campos de golfe a pouca distância uns dos outros, com uma oferta de sete em termos de região mais abrangente. Em termos de casamentos temos uma procura imensa de estrangeiros neste momento. Estamos a lançar inclusive uma candidatura ao Amour Forum [n.d.r. entretanto ganha].

Também a Universidade Nova pode trazer muitos eventos…

É muito importante. A nova Universidade é um espanto, é conhecida lá fora, e é uma das melhores faculdades em business e economics. E nós podemos promover mais um equipamento. Depois a instituição vai trazer jovens para o destino, e eles vão ajudar a desenvolver ainda mais o concelho.

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A componente humana

Convidar as pessoas a experimentarem o destino é ainda o meio mais eficaz de trazer mais clientes?

Sim. Temos de ir lá fora e fazer a promoção, isso é essencial, mas acompanhá‑las aqui a experimentar e experienciar tudo isto é completamente diferente. E trazer também os próprios fóruns internacionais, fazer o host, e poder organizar em conjunto com os nossos associados o programa é muito interessante e permite que estes tirem partido de trazermos um conjunto de buyers a Cascais.

Acha que se ganha um evento aqui no local?

Já aconteceu.

Estabelecer essa relação humana entre destino e cliente é importante?

É muito importante. Podemos ter o melhor site do mundo, uma excelente estratégia de marketing digital – que é importante –, mas o factor humano é fundamental.

Em termos do vosso plano de marketing, o que é que destacaria?

Existem duas linhas orientadoras, por um lado a participação em feiras internacionais da especialidade, fóruns, e angariação desses mesmos eventos para o destino. Esta actividade é complementada pela implementação de uma campanha de promoção ao nível digital direccionada à audiência do MI, com o claim “Cascais is the Best”. Temos feito uma grande aposta em ter conteúdos relevantes, para sermos interessantes para as audiências. Vamos continuar a apostar fortemente na organização de visitas de inspecção, continuar a fazer candidaturas, e trabalhar a ICCA [International Congress and Convention Association] em termos de ferramenta de prospecção. Este é um trabalho de pesquisa muito grande. Temos também de continuar a sensibilizar as associações nacionais, portuguesas, para tentarem captar os congressos internacionais.

Até que ponto o ranking da ICCA é uma obsessão para vocês?

É uma preocupação. Em 2017 tivemos 24 eventos, em 2018 temos de ter no mínimo 25.

É difícil recolher a informação necessária?

É difícil. Temos sobretudo de saber onde ir buscar essa informação para alimentar a plataforma da ICCA. E os requisitos são muito específicos e exigentes. Temos de ter um trabalho de grande proximidade com os parceiros a verificar tudo. Temos um papel crucial de articulação.

E estar presente na associação, no Capítulo Ibérico, é importante para vocês?

Sim, com certeza. É uma associação muito grande e o próprio Capítulo existe para os associados da região se tornarem um bocadinho mais fortes dentro da própria associação. Acho que é fundamental termos mais portugueses a participarem no Capítulo. Obviamente que por uma questão de escala, Espanha é maior, e são mais interventivos, mas nós temos de ser mais dinâmicos.

Ainda acredita nas potencialidades das feiras internacionais? Sente que têm retorno?

Acho que as feiras estão a perder de alguma forma a importância que tinham ‑obviamente que continuamos a estar na IMEX, porque ainda é uma feira forte. A última IBTM [em Barcelona] correu‑nos bem, mas começo a achar que já não é a mesma feira que no passado nos trazia tantos benefícios. É preciso repensar o formato das feiras. Quando se participa num fórum internacional estamos com um buyer quase três dias no mesmo espaço. Conseguimos ter a reunião, e interagir na parte do networking, o que é muito importante. Nas feiras isso não acontece. Nas feiras sinto que as cadeias hoteleiras, que são grandes patrocinadores na vinda dos buyers, contam com eles para os cocktails, conseguem tê‑los a maior parte do tempo. A nós sobram‑nos quinze minutos para uma conversa, isto quando aparecem a horas... Há muito mais oportunidades de chegar ao buyer num fórum, é mais eficaz.

Uma vez que lida com pessoas de todo o mundo, com que imagem acha que saímos depois da crise?

Com tantos prémios que temos recebido em termos de turismo acho que boa. As crises são cíclicas e acontecem. Temos é de repensar a forma de trabalhar e fazê‑lo a pensar no longo prazo.

E Cascais está atento a esse longo prazo, consegue planear com mais distância?

Não há fórmulas mágicas, não vamos inventar mercados. Os mercados que existem são maduros e continuam a sê‑lo. Podem ter um decréscimo de dormidas, mas agora não vamos inventar. Não vamos todos começar de repente a fazer promoção para a China, temos de ser consistentes no que fazemos. E mais… não podemos ir a um destino uma primeira vez, picar o ponto e vir embora. Tem que ser um trabalho continuado.

Enquanto observadora, e parte activa no sector, dos eventos a que assiste, que tendências identifica nos eventos actuais?

Quando veio a crise tirou‑se muito essa parte do espectáculo aos eventos. Cortou‑se muito nesse item e vai levar o seu tempo a voltar. E não sei se é por aí o caminho. É fundamental a qualidade, mas não sei se vai ser como antigamente, com orçamentos altos e muita espectacularidade.

Recebeu recentemente um reconhecimento da ICCA como uma das dez mulheres inspiradoras do sector. O que significa para si este prémio?

Foi uma surpresa, fiquei muito admirada. Trabalho desde 2005 na área, já fui a vários congressos, já interagi com imensas associações, pertencemos ao Capítulo [Ibérico], por isso para mim foi um prémio quase de carreira. Nós aqui não sabemos premiar muito as pessoas e ter uma associação internacional a premiar‑me, foi “lindo”. Tenho uma atitude humilde pela situação, mas gostei muito. Dá‑me uma responsabilidade acrescida, mas também um alento para o futuro.

Parece‑lhe que o papel das mulheres neste sector é cada vez mais importante?

Cada vez somos mais mulheres neste sector. Mesmo em relação aos cursos de turismo, há cada vez mais mulheres a tirarem estes cursos, e com resultantes bastante positivos. Mas no mundo do trabalho, os homens continuam a estar nos lugares de chefia, e a nível salarial ainda há diferenças.

Como é que imagina a carreira daqui a 5 anos?

No turismo e nos eventos. Sempre em contacto com pessoas.

 

Cláudia Coutinho de Sousa