O lado negro da vida que escolhemos: saúde mental na pandemia
14-02-2022
# tags: Saúde mental , Pandemia , Eventos
Como se escreve um texto a falar sobre o estado mental de um setor da economia tão afetado como o dos eventos, sem cair em lugares comuns?
Não sei. Comecei e recomecei o primeiro parágrafo várias vezes. E, tal como o tema, não há formas perfeitas de lidar com o tema.
Quem trabalha no setor dos eventos tem como propósito criar momentos memoráveis, arrancar o sorriso de clientes e participantes.
Para a maior parte dos profissionais da área, não é o horário 9h00/18h00 que lhes estabelece limites, mas o contacto próximo com parceiros, os imprevistos, os ensaios e montagens. A adrenalina a correr por si.
É uma área invisível para fora. Não estamos habituados a ser o centro das atenções, e diz-se que um bom organizador é um ninja, quanto mais discreto melhor. Que um bom parceiro e fornecedor é discreto, cumpridor e preocupado. É assim que somos.
Mas somos (também) humanos. Muitos de nós escolheram uma forma de vida feita de intensidade, de momentos críticos, de listas e contactos, de luzes e sombras. Muitos de nós viram-se fechados em casa, ou pior sem casa e sem meios de subsistência.
Para quem dirige as empresas: semanas e meses de auto-motivação sem horizonte, ao mesmo tempo que animam os outros para não desistirem.
O que foi paixão, tornou-se um pesar. Das centenas de mensagens, sobraram durante muito tempo dezenas, ou mesmo o silêncio das notificações.
Para quem colabora, ficou sem rede de apoio. A incerteza dos próximos meses. O valor que se coloca em causa, o tempo que custa a passar.
Como se vive com isto?
Isto pode ter vários nomes: ansiedade, desânimo e mesmo depressão. Este não é um texto de um profissional de saúde, antes um texto de alguém que dentro do setor vê com apreensão os emails de despedida, o silêncio ensurdecedor de agências e fornecedores.
Há dois anos sensivelmente “íamos todos ficar bem”. E ficamos, e aguentamos muito. Assistimos a fechos, falsas partidas, a discursos que nunca nos foram dirigidos.
Foi exigida atenção e respeito, raramente correspondido em termos práticos. Muitos de nós sentiram-se “filhos de um Deus menor”.
Vive-se com seriedade, com frontalidade e honestidade de encarar um problema de motivação, de ânimo. Em pensamentos apenas, os clientes não foram porto de abrigo, parcerias que se diziam entre brindes e copos, escoaram quando o tempo passou.
Entre nós, falamos pouco, os olhares esforçam-se para não estar cabisbaixos mas temos esse direito.
E o que somos?
Somos pessoas que dão, que querem ajudar os outros a brilhar. Que querem voltar a correr de um lado para o outro. Que querem ouvir os copos a tilintar. Que querem cair de cansaço, um cansaço bom, difícil de explicar.
Pedimos apenas para trabalhar, para voltar a criar memórias na mente dos participantes. Queremos voltar a na loucura do dia-a-dia ter a energia inesgotável que nos caracteriza. Queremos mostrar o nosso valor.
Vale a pena ler este texto? Não sei, mas senti que valeria a pena escrevê-lo se ajudar a alguém a olhar para si, com o valor que tem e que este setor acrescenta.
© Nuno Seleiro Opinião
CEO da Asserbiz