Alexandre Martins: O foco na experiência
19-12-2024
# tags: Desporto , Venues , Eventos , Experiências
Experiência foi provavelmente a palavra mais utilizada nesta entrevista com o coordenador de Eventos e Match Day do Sporting Clube de Portugal, Alexandre Martins.
Uma conversa em que se abordaram alguns dos desafios desta especificidade de eventos, com destaque para a festa do mais recente título de futebol.
Como foi o seu percurso até chegar ao Sporting? O que destacaria?
Sempre tive claro na minha cabeça que gostava de trabalhar em desporto e candidatei-me logo a gestão desportiva. Entrei na Escola Superior de Desporto de Rio Maior, onde tirei o curso de gestão desportiva. No final do curso, fiz um estágio na Federação Portuguesa de Golfe, durante seis meses. Acabei, felizmente, com uma das maiores médias do curso, mas não é que isso conte muito quando chegamos à vida real. A faculdade e a realidade são coisas um pouco diferentes.
Segui para gestão de empreendedorismo e, a meio do primeiro semestre, um colega meu que integrava a equipa de marketing do Sporting da altura, isto há nove anos, criou o Pelotão de Adesão ao Débito Direto e disse que precisava de pessoas na equipa. Abracei o desafio, a fazer chamadas a sócios. Num ano cumprimos o nosso propósito, e a direção de sócios da altura abriu uma vaga para Match Day Sócios e Adeptos. Agarrei a oportunidade, sempre fui muito assim de agarrar as oportunidades sem olhar para trás, e comecei nesta função. Tudo o que era hospitalidade e serviço ao sócio estava dentro desta área e, quando comecei, a responsável de hospitalidade estava de férias e o primeiro jogo da época era o jogo do Porto. De repente, estava a gerir camarotes, as vendas dos parceiros, os ficheiros, foi assim o primeiro impacto.
Depois, isto cresceu um bocadinho e fiquei com a equipa de Match Day Sócios e Adeptos e Corporate, até que, há seis anos, transformaram a área numa área de experiência, B2C Customer Service Experience, onde eu estava com a parte das experiências. Depois, criaram uma área de eventos e o responsável, pouco tempo depois, saiu. Sempre foi o que eu quis agarrar e deram-me essa oportunidade. A equipa de eventos fazia a parte toda de organização de dia de jogo e todos os eventos do Sporting.
Entretanto, especializamos as áreas todas, ou seja, há uma equipa de eventos que saiu da minha alçada, mas que continua na direção de Marca, Canais de Atendimento e Match Day. Ou seja, há uma área de eventos à parte, há uma área institucional e, hoje em dia, a minha função é mesmo de Match Day Manager, Estádio e Pavilhão. A minha equipa trata da hospitalidade, catering, hospedeiras, engagement e entertainment.
Quais são os caminhos que estão a explorar neste momento para tornar essa experiência no estádio o mais interessante possível?
Hoje em dia, estamos a fazer um trabalho de renovação de iluminação, ecrãs gigantes, LED, e inclusive o som, que é algo que já está muito datado. Existe um projeto que vai ser aplicado nos próximos anos para fechar o fosso e tentar tornar toda a experiência mais próxima. Vamos configurar as bancadas para dar uma experiência melhor a todos os sócios, vamos configurar e renovar todas as zonas de F&B e de estar. Estamos também num projeto com a Uber: neste momento, na bancada nascente, os adeptos já podem fazer o pedido de catering dos bares, só dos bares, através da plataforma, e vão levantar. O objetivo é podermos caminhar para fazer o seat delivery. Estamos a falar de renovar também o corporate e a experiência do corporate.
Tenho um projeto muito querido, a que nós chamámos de Jogos 360, e acho que o caminho é mesmo esse. Alinhados com todos os vértices estratégicos de governance que a administração definiu para o clube neste mandato, gostávamos de criar, não em todos os jogos, mas se calhar mensalmente, uma temática e pegar nas áreas todas que trabalham connosco em Match Day, desde a segurança, o IT, as instalações, o Family and Kids e criar key points ou action points em todas estas áreas, com ações de redes sociais, comunicação, merchandising, etc., para que toda a gente que chegar a Alvalade sinta que realmente vive uma experiência diferente e que os jogos não são sempre iguais. Quem chegue a Alvalade em outubro tem uma experiência e, se calhar, em novembro tem uma experiência completamente diferente. Este projeto 360 já teve um primeiro ok, e agora estamos a tratar de criar as condições, porque depois, verdade seja dita, quando começamos a fazer jogos, eles são como um trator, levam-nos à frente. Posso dizer que não é fácil, porque só a operação já absorve muito de nós, mas acho que este é o caminho.
Qual é a dimensão da equipa que o apoia?
A equipa que eu coordeno tem duas pessoas que gerem toda a animação, o engagement e o entertainment, outras duas que gerem a parte da hospitalidade e serviços, ou seja, toda a operação de corporate, hospedeiras e promotores, catering, é tudo gerido por estas duas pessoas. Depois, uma que gere o dia de jogo e outra pessoa, que saiu entretanto, mas que estamos a contratar novamente, para o pavilhão João Rocha. Na pasta onde temos toda a informação para o jogo, há 80 pessoas das mais diferentes áreas, ou seja, o briefing do jogo tem normalmente 30 pessoas, basicamente é uma de cada área, desde bilhética, gamebox, B2C, canais de atendimento, museu, núcleos, equipa, o team manager, o secretário técnico, logística, segurança, IT, instalações, merchandising até às redes sociais.
Fontes de inspiração
Que importância tem a área corporate para um clube da dimensão do Sporting? Em termos de fontes de receita, é significativa?
É bastante relevante e tem um impacto grande. Contudo, acho que o objetivo é crescer.
De onde vem a maior fonte de inspiração? De fora, de outros clubes de futebol, de outras áreas do desporto?
Vem um bocadinho de todo o lado. Todos os anos tentamos melhorar, nem que sejam os procedimentos internos para tornar a vida dos outros e a nossa mais fácil, criar as nossas próprias ferramentas para que possamos ganhar mais tempo para pensar e gastar menos a operacionalizar. Começa muito nesta base de tentar sempre fazer melhor, reinventarmo-nos e depois, claro, acho que temos de ser humildes o suficiente para olhar para os bons exemplos. Se for para acrescentar valor, venha. Muitas das ideias foram vistas lá fora, mas porque não enquadrá-las todas num só estádio? E dar-lhes o nosso cunho, fazê-las à nossa maneira?
Há algum clube internacional que seja particularmente inspirador para si, em termos da experiência que dá?
Há várias vertentes e eu olho sempre para aquela mais operacional, da organização do jogo e do impacto da experiência. Como sou o UEFA Main Contact, estou responsável por organizar a parte operacional das viagens e tenho de estar presente como representante do Sporting na organização do jogo. Isso tem-me dado a oportunidade de ver muitos clubes lá fora e conhecer alguns estádios nos últimos três anos. Acho que absorvemos um bocadinho de todos, mas posso dizer-vos que fiquei maravilhado com a experiência que pude ter em Tottenham [Londres]. Estamos a falar de um estádio que custou um bilião, mas ao conhecer o venue director do Tottenham, que também é o responsável máximo pela organização dos jogos, fiquei apaixonado ao ouvi-lo falar, porque realmente aquele estádio custou um bilião, mas eu saí de lá com a sensação de que eles não gastaram mal um cêntimo. O estádio parece que está todo pensado, todas as áreas, em termos de governance, de sustentabilidade, de praticidade. Tenho pena de ainda não conhecer o novo Bernabéu, mas é um dos estádios que gostava de ver.
E também já fui a Midtjylland, na Dinamarca, um estádio mais humilde, mas onde também aprendemos com o sentido prático dos nórdicos: a nível operacional era fantástico. Por isso, maravilhado com o estádio do Tottenham, acho que o caminho é esse, mas acho que também tiramos sempre qualquer coisa de todos os sítios onde vamos.
“Uma operação enorme”
Em relação à celebração do título da época passada, o que é que foi mais desafiante, e o que é que o deixa mais orgulhoso dessa operação?
A nossa direção juntou uma equipa de quatro pessoas e começou assim num core muito pequenino. Posso dizer-vos que passei pela festa do título e ainda hoje sinto como se não a tivesse vivido, ou que não tivesse estado lá, porque fomos absorvidos por uma operação enorme. Quando vejo as imagens na televisão penso: como é que nós organizámos isto? Lembro-me que fui particularmente chato com alguns temas, mas, acima de tudo, acho que tomámos algumas decisões inteligentes. Por exemplo, fomos buscar fornecedores que já o tinham feito no passado, porque já existia uma experiência adquirida. Acho que conseguimos juntar uma equipa bastante feliz e contratar as pessoas certas para as áreas certas. Não íamos inventar a roda, agora, tudo o que pudéssemos fazer para dar uma experiência diferente, esse tinha de ser o nosso foco.
Desde o primeiro dia em que nos lançaram o desafio, entre juntar os fornecedores, a câmara, autoridades, de repente tínhamos reuniões com umas 150 pessoas, que representavam 100 áreas diferentes. Quando começámos o projeto não tínhamos noção da magnitude que ele podia atingir. Em vez de organizar um jogo para 40 mil pessoas, temos de ir organizar uma festa do título, que se realiza no Marquês de Pombal, para 100 ou 140 mil pessoas, de um momento para o outro.
A equipa naturalmente foi crescendo, com o aproximar do dia fomos integrando cada vez mais pessoas, mais colegas internos. E o trabalho é aquele que fazemos sempre, zona VIP: o que é que é preciso? Quem é que vamos convidar? Quantas pessoas é que vamos ter? Autocarro da equipa: como é que ele vai chegar? Qual é o percurso? É analisar tudo ao detalhe, montar uma operação com a perspetiva de X pessoas, X entradas, zona VIP, acreditações, media, acessos...A ideia que tenho é que, naquele dia, estiveram a trabalhar quase quatro mil pessoas.
No meio disto tudo, existem decisões estratégicas. Quais é que são os timelines de montagem? Uma das decisões mais estratégicas que foi tomada, e esta foi pela administração e pelo presidente, em conjunto também com o futebol, foi quando começar as montagens. No dia em que fomos campeões jogávamos em casa com o Portimonense, e acho que o Benfica jogava fora com o Famalicão. Havia uma decisão para ser tomada: para termos tudo aquilo que queríamos ter, a seguir ao jogo do Portimonense, se ganhássemos, tínhamos de começar a montar algumas coisas da festa. Quais é que eram os impactos? Um é o impacto financeiro, ter de montar e depois desmontar, se não tivéssemos sido campeões naquele dia. E o outro era o impacto mediático, porque, apesar de tudo, isto é futebol e mexe com emoções e estarmos a montar uma festa que depois não ia acontecer, não é uma decisão que possa ser tomada por qualquer pessoa. A festa tinha de ser o mais genuína possível para ter o maior impacto -porque não vamos conseguir conter as pessoas se formos campeões. A decisão foi: aceitamos o impacto mediático e o impacto financeiro, por isso, se ganhássemos ao Portimonense, na hora a seguir ligávamos as máquinas e começávamos a montar tudo. Eu acho que foi a decisão mais estratégica que pudemos tomar para poder ter transformado a festa naquilo que foi.
Como é gerir um estádio de futebol como um espaço que também pode acolher outro tipo de eventos?
Existem 30 jogos em casa por ano, um ano tem 365 dias, se queremos maximizar a experiência, e a parte financeira, temos de dinamizar o estádio. E isso está a acontecer, felizmente, e não é assim tão difícil. Quem está com a área de eventos sabe qual é o impacto dos jogos, quem está nos jogos também sabe qual o impacto dos eventos. Acho que é uma organização bastante simples, ou seja, acho que temos bem definidas as limitações inerentes de um jogo de futebol, que mudam de um jogo de UEFA para um jogo de Liga, e existe uma relação super aberta, super bem definida. Dá é mais trabalho, mas com boa vontade é fácil gerir esta dinâmica.
Quando organizam, fazem a gestão toda com a equipa própria ou recorrem também a fornecedores externos?
A gestão é toda ela realizada por nós, ou seja, a equipa de eventos ou de jogo, de assembleias gerais, a cabeça toda ela é Sporting. Depois temos é uma série de fornecedores que respondem às necessidades e aos desafios que são lançados, desde os audiovisuais, limpezas, infraestruturas, catering. Temos fornecedores com quem trabalhamos diariamente, e alguns em exclusivo, que nos dão as ferramentas que precisamos para montar um evento.
E como é que avalia a qualidade dos fornecedores nacionais?
Acho que não posso dizer nada de mal. Quando aquilo que queremos está bem definido, temos chegado sempre ao outcome que desejávamos. Estamos bastante bem apoiados com as soluções que encontramos, que vamos encontrando todos os dias.