A arte do diáfano nos bastidores dos eventos
06-02-2025
Nos bastidores dos eventos, onde os holofotes nunca chegam, existe uma realidade que poucas pessoas conhecem: a arte de ser invisível.
A discrição é um dos maiores activos de quem trabalha na área, especialmente em ambientes como os ligados ao Serviço do Protocolo de Estado (SP), à gestão hoteleira, à gestão de eventos privados e até à gestão de relações institucionais. Nestes contextos, o velho ditado de que “temos dois ouvidos e uma boca, e devemos usá-los nessa proporção” revela-se uma sabedoria essencial.
Trabalhar nos bastidores de eventos exige uma precisão quase cirúrgica, não só nas acções, mas também na postura. Existe um equilíbrio delicado entre a presença necessária para garantir que tudo corra de acordo com o plano e a invisibilidade desejada para que o evento em si brilhe.
Lembro uma vez, agora com a distância do tempo, por isso, com graça, durante um evento de Estado, em que houve um pequeno percalço nos corredores de um dos palácios onde normalmente ocorrem os banquetes, em que havia uma clara falta de espaço para todos os músicos da banda que iria tocar o Hino Nacional e os seus instrumentos, o pessoal de servir e toda a palamenta. Nos bastidores, a tensão era palpável. No entanto, entre gestos rápidos e silenciosos, a equipa corrigiu a dificuldade antes que os convidados se apercebessem, demonstrando a essência da nossa função: resolver questões antes que se tornem problemas.
Nos bastidores, há momentos em que uma simples troca de olhares entre dois oficiais pode sinalizar uma alteração inesperada no plano. Na gestão hoteleira, por exemplo, isto aplica-se quando se trata de antecipar as necessidades dos hóspedes sem interferir na sua experiência. É preciso estar sempre alerta e ler nas entrelinhas em absoluta discrição. (Por si só, este tema mereceria um artigo.)
Mas essa invisibilidade não significa ausência de acção ou passividade. Pelo contrário, exige uma presença constante e activa. Ao longo dos anos, assisti muitas vezes ao facto de as melhores decisões serem aquelas tomadas de forma rápida e silenciosa, com base na intuição que só quem vive os bastidores consegue desenvolver.
A presença de figuras políticas e grandes actores institucionais impõe um certo decoro, e a habilidade de entender o que não é dito, de captar nuances e antecipar necessidades, é fundamental.
Há uma história que me marcou especialmente. Durante uma outra visita de Estado, tudo parecia estar a correr bem, até que na última hora, houve um convidado que não compareceu. Não é um detalhe insignificante a disposição dos lugares à mesa, sobretudo por se tratar de alguém que iria ficar na mesa principal. Ora, sabemos que quanto mais alto o lugar na lista, mais movimentos têm que ser feitos na composição das mesas subsequentes. Aos olhos dos participantes, nada aconteceu, foi uneventful, como dizem os ingleses. A equipa, atenta e treinada, máquina bem oleada, fez os ajustes necessários na configuração das mesas até ao último minuto. O jantar decorreu sem mais sobressaltos. Estes são os momentos que não aparecem nos noticiários e que fazem toda a diferença.
No final, o diáfano dos bastidores reside na criação dos detalhes pensados, não notados, aparentemente sem esforço, como um véu que está lá, filtra o ambiente mas não conseguimos apontar. E isto exige uma combinação rara de atenção, discrição, capacidade de ouvir e, sobretudo, humildade. Cada movimento é orquestrado com uma precisão quase coreográfica, e a menor distracção pode ter consequências de grande impacto.
Outro aspecto fundamental da discrição é a forma de vestir. Existe uma linha ténue entre estar bem-apresentado e destacar-se excessivamente. A nossa aparência deve reflectir profissionalismo e adequação ao ambiente, sem nunca chamar a atenção. Aliás, ser identificado como “muito elegante” pode ser considerado um verdadeiro faux pas. Não estamos ali para sermos notados, nem mesmo pela elegância. Há uma história contada no SP que ilustra bem este ponto e que nunca esqueci. Um dia, um diplomata da casa ao chegar a um destes eventos foi interpelado por alguém dos Serviços dizendo: “O senhor Embaixador está muito elegante!”. Ao que o Embaixador respondeu, “Não devo estar, se a senhora reparou…”
A referida elegância está reservada aos anfitriões e aos convidados, enquanto a nós fica reservado o trabalho de assegurar que o evento decorra com perfeição. A elegância deve ser funcional e invisível, permitindo-nos mover entre as situações sem perturbar o fluxo do evento.
Trabalhar nestas áreas tão diversas ensinou-me o valor de escutar, o valor das entrelinhas, o valor do humor, como naquela situação em que o senhor não caiu, “o senhor escorregou”.
Cada evento é uma obra de arte invisível, e é esse anonimato que permite continuar a fazer um trabalho de sucesso. A satisfação não vem do reconhecimento público, mas da certeza de que, ao mantermos a nossa discrição, ajudamos a construir momentos que serão lembrados para sempre – mesmo que ninguém se lembre de nós. Aliás, correndo tudo bem, ninguém se lembrará de nós.
Nota: Este artigo foi escrito em conformidade com o Antigo Acordo Ortográfico.
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© Elisabete Gerardo Opinião
Membro dos órgãos sociais da Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo