Paris 2024: a experiência de um venue protocol manager

Entrevista

30-01-2025

# tags: Protocolo , Eventos , Jogos Olímpicos

É longo o currículo de Miguel Macedo nos eventos e muitas são as experiências que tem somado ao longo dos já 23 anos no setor.

Uma das experiências mais recentes aconteceu nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris 2024, onde, durante nove meses, assumiu o cargo de Venue Protocol manager, inserido no departamento de relações internacionais.

À semelhança de outros eventos em que já trabalhou, Miguel Macedo informou-se sobre o sistema de recrutamento dos Jogos, fez contactos e acabou por ser selecionado para o trabalho, como freelancer.

“A vantagem de trabalharmos nestes eventos internacionais é que começamos a cruzar-nos com as pessoas e é uma área em que o contacto e a referência pelo trabalho feito é muito importante”, afirma.

Miguel Macedo estava integrado numa equipa responsável por uma série de venues -“um cluster” -fora da zona central de Paris. Numa primeira fase, “e durante muitos meses”, o trabalho foi mais “de escritório”, de planeamento, “no quartel-general dos Jogos Olímpicos, que é um edifício de seis pisos, 360 graus, com quatro, cinco mil pessoas lá dentro”.

“Tínhamos que trabalhar um documento, que me foi entregue no início, que estava semi-trabalhado em bruto, que era um livro de protocolo do meu venue, o Venue Protocol Book, em que fui inserindo e complementando todas as informações do meu espaço”, explica.

Neste livro, em constante atualização, Miguel Macedo compilou “desde as questões mais básicas”, como distâncias de carro, distâncias de comboio, tipo de transportes disponíveis, dias e horas de competição, até ao número de lugares atribuídos a dignitários, entre muitas outras informações.

Anda aqui ao quarto piso tomar um café!”

Os Jogos Olímpicos de Verão de Paris realizaram-se de 26 de julho a 11 de agosto e os Paralímpicos de 28 de agosto a 6 de setembro. O português, que já esteve presente em alguns dos maiores eventos desportivos mundiais, iniciou funções em janeiro, com “um processo de onboarding muito intenso”.

Ao fim de dois dias de estar em Paris, o especialista em protocolo recebeu uma mensagem: “Olá, somos o grupo de portugueses dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris. Anda aqui ao quarto piso tomar um café!”.

Na verdade, não eram muitos os portugueses a trabalhar nos Jogos, neste tipo de funções. Que tenha conhecimento, eram seis. “O que é uma questão interessante, porque, por exemplo, brasileiros eram mais de 200”, acrescenta.

Miguel Macedo conta que “os poucos portugueses” que conhece que trabalham na área dos eventos desportivos a nível internacional “começaram quase todos no Euro 2004”. “Se nós tivéssemos aqui [em Portugal] mais eventos a este nível, nacional mas com um projeto internacional, poderia haver mais [portugueses] no terreno”, reforça.

A partir de junho, o trabalho de Miguel Macedo deixou de ser feito no escritório e passou a ir todos os dias para o venue que lhe estava atribuído.

Trabalho das 9h às 18h30 e descanso obrigatório

Com experiência anterior em eventos um pouco por todo o mundo, o Venue Protocol manager dos Jogos de Paris 2024 sublinha como é diferente o trabalho na capital francesa face a outras culturas. Em França encontrou “um regime de trabalho muito francês, no sentido de começar às nove e às cinco e meia, seis horas acabar”.

“A lei laboral francesa é muito específica nisso e posso-lhe dizer que à sexta-feira, às seis e meia da tarde, acabavam os Teams, acabavam os e-mails e só voltavam segunda-feira de manhã. Isto até ao período quase dos pré-jogos”, explica, exemplificando que, depois de trabalhar seis dias seguidos, o sétimo era sempre de descanso “obrigatório”.

A partir do momento em que os Jogos arrancaram, havia dias em que Miguel Macedo começava a trabalhar “às 5h30 ou às 6h” e acabava por volta das 19h, 20h, visto que os horários das competições em que estava diretamente envolvido “eram muito diurnos”.

Questionado sobre os principais desafios desta experiência em Paris, o especialista em protocolo refere estas “questões culturais” e “muito pouco tempo de conhecimento das pessoas para fazer com que tudo funcione”. “O desafio é sempre este, ter a capacidade de nos integrarmos neste mundo”, sublinha.

A gestão dos lugares no venue pelo qual estava responsável registou, por vezes, alguns imprevistos, como quando convidados credenciados -desde chefes de Estado, a ministros, a outros membros do governo -não comunicavam no dia anterior que iriam estar presentes para assistir a uma competição.

“Aconteceu muitas vezes, algumas delegações deste nível não avisarem a nossa central de coordenação do protocolo e ligavam-me meia hora antes a dizer ‘estamos a caminho daí’. Eu tinha que ir jogando um bocadinho com os lugares e fazia reservas para isso”, afirma, explicando que havia “regras muito específicas” e que, por exemplo, “um Presidente da República tinha direito a x lugares. Não era por ser Presidente da República que tinha todos”.

Convidados reais sem lugar e lugares reservados que ficaram vazios

O Venue Protocol manager recorda-se que num dos dias foi contactado pela comitiva “do príncipe herdeiro da Noruega a dizer que tinham aterrado em Paris e iam para Versailles”. “Eu disse: ‘pode vir, mas eu não consigo garantir um lugar’. Eles pediram-me um. Eu disse ‘não posso porque eu tenho 240 e estão cheios. Portanto, pode vir, sem problema nenhum. Quando chegar cá, podemos ver. Agora, eu não posso ir à bancada neste momento pôr lá um reservado para si, porque não tenho”, lembra-se de ter dito.

Miguel Macedo recorda ainda outra situação “caricata”: “A delegação da primeira-ministra italiana foi a Versailles com quase 20 pessoas, entrou no nosso lounge, fez uma reunião de cinco minutos com o presidente francês, o meu lounge estava completamente impossível, eu reservei 16 lugares para eles e ela, de repente, decidiu ir embora e já não quis os lugares e eu tive os lugares para aí uma hora abertos”.

Reforçando que esta gestão “nunca é linear, mesmo a este nível”, Miguel Macedo explica que é sempre preciso “ir fazendo ajustes”. “Apesar de eu ser muito independente, em termos de gestão da minha área, eu depois tinha sempre que estar muito bem articulado com a segurança, com a coordenação do evento central”, complementa.

Snoop Dogg dominou as atenções vestido de cavaleiro

Nos dias em que o presidente francês Emmanuel Macron esteve presente, a agitação era maior, tal como aconteceu quando o rapper norte-americano Snoop Dogg apareceu vestido de cavaleiro, “em associação a uma cadeia de televisão, a NBC”.

“Tivemos que suportar toda a operação e dar apoio. Em termos de pessoas à volta, mediaticamente, é incrível, porque toda a gente quer ir ver, mesmo os que estão a trabalhar”.

Miguel Macedo faz um balanço “extremamente positivo” do trabalho que desempenhou em Paris, considerando que foram “nove meses de crescimento”.

“Apesar de eu trabalhar há 23 anos [em eventos] e já ter feito três campeonatos no mundo e muitas experiências diferentes, é um balanço de crescimento. O termo que consigo associar é de alegria, porque foram realmente nove meses de satisfação, de privilégio de estar ali, a viver aquilo”, acrescenta.

A noite de abertura dos Jogos promete ficar para sempre na memória, porque foi “incrível”. Sobre o futuro e o próximo grande evento em que gostaria de trabalhar, o especialista em protocolo afirma que “toda a gente que está nesta área já tem o Mundial de Futebol de 2026 debaixo de olho”.

Entretanto, Miguel Macedo quer continuar “a desenvolver trabalho em Portugal” e lançar “uma marca pessoal relacionada com a parte da consultadoria de protocolo e formação”.