Nuno Santana: “Sou altamente defensor da cooperação”
06-11-2024
No ano em que a Niu comemora 30 anos de atividade, entrevistamos o seu mentor e líder Nuno Santana.
Uma conversa descomplexada, onde se falou da influência do pai, de colaboração, do comportamento humano e de talento.
Qual foi o seu percurso até chegar à área dos eventos?
Tive a sorte do meu pai ter uma vida muito ligada ao marketing e também aos eventos. Na altura, ele trabalhava na Mercedes-Benz Portugal. Hoje em dia é uma marca completamente mainstream, mas a Mercedes, há 40 anos, era uma marca de elite e, portanto, isso permitia-lhe ter acesso a um conjunto de eventos, desde apresentação de automóveis até às feiras, sejam nacionais ou internacionais. Como o meu pai tinha uma vida atribulada, fazia questão, porque era a forma de estar comigo, de me levar e, portanto, isto começou muito cedo. Atrevo-me a dizer que deve ter começado com 10, 12 anos. Esta vivência e esta experiência fez-me estar muito mais atento a esta indústria. Os anos passaram e eu, em 1990, criei o meu primeiro negócio, que era um carrinho de cachorros. Durante o dia estávamos em Belém, depois à noite estávamos em Cascais.
Foi a primeira experiência nos negócios…
Sim, como um microempresário. Em 1992/93, o meu pai teve um convite para abrir em Portugal uma empresa que, na altura, se chamava Sistemas Rafael e que deu origem, mais tarde, à Niu. Era uma empresa que se dedicava essencialmente a pós-produção de imagem e à pré-impressão, que é uma coisa que atualmente já ninguém sabe bem o que é, mas que há 30 anos era muito relevante. Tudo o que eram as grandes campanhas tinham que passar por nós, para nós tratarmos. Fizemos várias campanhas, sendo que aquela que nos criou maior fama foi a campanha dos bebés debaixo de água, da Expo98. A campanha foi lançada três anos antes para o mundo inteiro e nós, na altura, para a EuroRCG, hoje em dia Havas, fizemos a execução, no fundo, de pós-produção dessa campanha.
Os anos passaram-se e, como as companhias precisavam de se aproximar dos seus públicos, percebemos que os eventos resolviam muito isso. Portanto, nós, durante anos, fomos fazer as festas do Sistemas Rafael. Eram as festas mais relevantes, onde toda a gente queria ir. Para terem uma noção da dimensão das festas, por exemplo, numa delas sorteámos um carro. Eu estava o ano todo à espera de preparar a festa. Por exemplo, no ano 2000, fechámos a discoteca mais famosa de Lisboa, na altura, o Indústria, e convidámos mil pessoas com bar aberto. Isto criou uma grande capacidade de angariação de pessoas, uma grande capacidade de convocatória, porque a proposta de valor que entregávamos era boa. Eu conto estes episódios porque são de alguma forma demonstrativos e, no fundo, o nosso storytelling nos eventos começa aí.
Depois vem o Euro 2004...
Em 2003, fomos contactados por uma marca, grande e global, que nos disse o seguinte: somos os principais patrocinadores da UEFA e do Euro 2004 e, portanto, vamos ter que ativar a nossa marca da melhor forma nos novos estádios. A marca tinha o brand book já muito definido, mas precisava de uma estrutura que fosse relativamente operacional e que ajudasse a passar para dentro dos estádios os códigos da marca. E assim foi. Foi um projeto muito ambicioso para a Coca-Cola, que olhou para nós e viu uma capacidade de fazer diferente, de operacionalizar ideias. O nosso código genético era de produção e, portanto, tínhamos uma capacidade logística que os impressionou. Chegavam aqui com uma ideia e, no dia seguinte, estava implementada, porque nós já tínhamos a estrutura toda montada para de manhã ter os criativos a pensar, à tarde termos as pessoas com a arte finalizada e a produzir, e à noite estávamos com equipas a sair para Portugal, ou para Portugal e Espanha, para implementar. Este é ainda o nosso modelo, mas há 20 anos era o sonho de qualquer marketeer, era quase ter uma pistola na mão para fazer marketing tático. Esses desafios da Coca-Cola foram em crescendo e posso dizer que, passados três anos, éramos a principal agência da Coca-Cola em tudo o que era ativações e manifestações de marca, seja em eventos, seja no ponto de venda. Obviamente, depois adaptámos a estrutura, contratámos pessoas, tivemos a sorte também de sermos muito formados por eles, a Coca-Cola é um gigante de marketing, e, portanto, as melhores práticas, os KPIs, as exigências, as formas de implementar, as formas de comunicar, eles também nos passaram e depois autodesafiávamo-nos, porque tínhamos que estar sempre em superação.
Em 2007, num desses grandes projetos que apresentámos à Coca-Cola, aquilo teve que ir ao board ibérico, era um concurso. A nossa proposta foi a eleita, mas vem um comentário, na altura do diretor de marketing português, a dizer assim: toda a gente achou muito estranho o nome da agência ser Sistemas Rafael. Eu percebo, a história era: o senhor Rafael, que ganhou a grande lotaria espanhola, investiu nesta área e criou uma empresa que se chamava Grupo Rafael e isto era uma das áreas, os Sistemas Rafael, e que tinha a ver com os sistemas de impressão, com os sistemas de fotolito, etc. Aquilo que nós fazíamos na altura já nada tinha a ver com aquilo.
E como reagiu?
Saio da reunião, vou para casa, falo com o meu pai. A marca tinha um grande valor emocional nos acionistas, mas para nós e para o cliente aquilo não fazia muito sentido. Quando nós nos queremos posicionar como sexys, ter uma marca que se chama Sistemas Rafael não fazia sentido nenhum. Mas não há problema, mudamos a marca. Mudamos de Sistemas Rafael para Niu, e eu acho que já utilizei isto como narrativa, nós somos tão orientados para os clientes que, no limite, até mudamos a nossa marca para que os clientes estejam bem. E a verdade é que isto aconteceu mesmo. Porquê Niu? Porque é uma forma diferente de dizer novo.
Depois a partir daí tivemos imensos desafios. Durante anos fizemos o Mega Pic-Nic do Continente, por exemplo, que nos deu uma imensa experiência. Eu normalmente defendo que a principal coisa nos eventos é ter uma capacidade infinita de antecipar. Os eventos são antecipação, antecipação, antecipação, antecipação, criar cenários, perceber se acontecer isto o que é que fazemos. Portanto, nós fomos afinando essa nossa capacidade de antecipação.
Há algum momento mais especial em que diga: este é o momento em que mais me orgulhei da Niu?
São muitos... Há muitos momentos em que eu me orgulho da Niu. Momentos transformadores, eu destacava três. São momentos em que os desafios dos clientes nos obrigaram a superarmo-nos. Foi este da Coca-Cola, foi o da Sonae com o Pic-Nic e foi depois, mais tarde, já em 2010, salvo erro, quando existe a hipótese de ficarmos com um espaço na Praia da Rocha, que se chamava Sasha. A Câmara de Portimão pôs aquilo a concurso e desafiou-nos para ficarmos com aquilo. Nós organizávamos, mas não éramos promotores. Organizar é tão simples como alguém dá-te um budget, dá-te um caderno de encargos e diz: isto é o que eu quero. Promover é tu teres que pensar em tudo e com uma esquizofrenia de alinhamento entre o que é a receita e o custo. O grande problema de promover é que, muitas vezes, as pessoas não fazem este alinhamento e, quando não tens este alinhamento, corres o risco de chegar ao fim do evento e dizer: eu gastei um milhão e só tive receita de 25 mil e, portanto, é aí onde se dão as grandes catástrofes nesta indústria.
Nós, na altura, falámos com a Media Capital e isto é realmente muito mais transformador até na minha vida do que só na vida da Niu, porque que me fez ter uma aproximação muito grande à Media Capital – hoje em dia sou acionista e administrador do grupo Media Capital. Por outro lado, fomos com este desafio ao Meo, que aceitou fazer o naming sponsor deste projeto que se chamava Meo Spot e que não era mais do que: durante 30 dias, ou 30 noites, fazermos quase um festival em plena praia. No fundo, tratavam-se de 30 eventos diferentes. Fizemos isto durante quatro anos e deu-nos uma grande experiência. Por um lado, mostrámos a mais uma marca, que continua a ser um dos nossos grandes clientes, a nossa capacidade de entrega, de pensar diferente, de criar engagement, de evangelizar pessoas. Isto aconteceu exatamente quando estavam a lançar a marca Meo e, portanto, o Algarve era a geografia ideal para falar com Portugal inteiro, porque há 15 anos era onde toda a gente ia passar férias. Nós conseguimos ter uma capilaridade de tal forma que falávamos com os públicos de Coimbra, de Viseu, de Leiria, de Braga, de Lisboa, de Setúbal, de Évora, e, portanto, criou-se esta estratégia de comunicação que foi um sucesso. O Meo Spot foi inacreditável. Digo isto com muito orgulho: todos os anos, antes do verão, recebo mensagens de pessoas de Portimão a dizer: por favor voltem. Isto é real, e já não estamos lá há 10 anos.
Portanto, definiria aqui três layers. Um, este layer de começarmos a entrar numa área de entretenimento e de promoção. Segundo layer: provarmos à Portugal Telecom, hoje Altice, que éramos capazes como parceiro e hoje em dia fazemos coisas espetaculares com a Altice. E um terceiro: construímos uma equipa de trabalho, e de sócios, que deram origem ao Grupo Praia.
Falou da influência do seu pai, que conselho é que ele lhe deu que ainda hoje o ajuda na sua vida profissional?
São muitos, muitos mesmo, deu-me uma coisa que eu, às vezes, até achava que era de alguma forma uma manifestação de inconsciência, mas acho que ele era muito consciente, ele deu-me sempre uma liberdade gigante. Deu-me a noção de que sem trabalho não se vai a lado nenhum. O meu pai sempre foi um grande trabalhador, aliás, toda a minha família teve sempre muito isso no código genético. E ele nunca me disse ‘tem cuidado não faças isso’, ele disse sempre ‘vai’!
“Temos de estar em permanente transformação”
Falou das várias dimensões da Niu, mas o que é que é mais interessante e desafiante para si? Trabalhar para um cliente ou criar esses conceitos próprios?
O que é mais interessante para mim é sentar-me ao lado do cliente e criar um conceito próprio, mas com o suporte do cliente. Muito mais do que um cliente dizer: eu quero fazer isto. Perceber a necessidade, perceber qual é a ocasião e a oportunidade e, em conjunto, as equipas trabalharem. O Meo Spot é um grande exemplo disso: a Media Capital, a Meo e nós trabalhamos de forma a definirmos o que é o formato de um evento e, obviamente, com todos a contribuir. Sou completamente defensor da colaboração. Acho que não há ninguém que conhece melhor as marcas do que os próprios marketeers das marcas. Claro que as agências acrescentam, mas só podem acrescentar se tiverem perfeito alinhamento com os owners da marca. Acho que com este modelo que nós temos hoje em dia de ‘chuta briefing’, as pessoas muitas vezes andam à toa e não sabem bem quais são os códigos da marca, qual é o histórico, e o histórico é importantíssimo, o que é que a marca fez, o que é que correu bem, o que é que correu mal. E, portanto, as agências não têm esse know-how, porque uma agência que trabalha 10 marcas ou 15 marcas, dificilmente consegue ter tanto know-how acumulado como um departamento de marketing, que trabalha todos os dias a mesma marca. Acho que as agências têm que ter a humildade também de perceber que conseguem construir, mas conseguem construir quando o output da marca já é muito bom e muito construtivo. Portanto, sou completamente defensor do modelo colaborativo. E é o modelo colaborativo que tento passar para dentro da Niu. Um departamento criativo não consegue desenvolver nada que seja relevante para a marca, não estou a falar da indústria publicitária, estou a falar da indústria da ativação de marca e eventos, se não houver uma colaboração também grande do gestor de projeto.
Este ano, a Niu mudou a sua imagem. O que é que querem transmitir com este rebranding?
Nós estamos aqui num processo de transformação interna. Toda a gente fala muito do tema da ativação de marca há muitos anos e nós queremos assumir com isto, com este novo posicionamento, que nós ativamos pessoas, porque o que as marcas querem ativar são pessoas, são consumidores, são stakeholders, são comunidades. Portanto, o que nós ativamos são pessoas. Se dentro desta ativação das pessoas conseguirmos, obviamente, utilizar a marca e os códigos da marca para que as relações sejam relevantes é ótimo e é isso que nós queremos.
Nós temos a sorte de ter o Grupo Praia, que é um grande laboratório comportamental. No Grupo Praia percebemos o que é que as pessoas querem, pelo menos nesta área de entretenimento e de fun, e, portanto, agarramos nesses insights e nesse conhecimento, e depois com aquilo que são os códigos da marca e com o know-how que nós temos do comportamento das pessoas, criamos mecânicas. Este Create the Niu, que é a nossa assinatura hoje em dia, de agência experiencial, ou seja, Experience Agency, é aquilo que nós somos e sentimos a necessidade agora de dizer ao mercado que somos isso. Mais do que ativadores de marcas, nós ativamos pessoas. E ativamos pessoas nas plataformas de ponto de venda, nos eventos, nos eventos corporativos, na rua.
E nesse sentido, para onde vê evoluir a empresa nos próximos cinco, dez anos?
Os ciclos das empresas, de transformação, de inovação, são cada vez mais curtos. Se olharmos para as indústrias de mass market, a automóvel, a tecnológica, os telemóveis, há 15 anos lançavam-se telefones de dois em dois ou três em três anos, os automóveis tinham um ciclo de oito anos. Hoje em dia, nós vemos que os automóveis estão com lançamentos de quatro em quatro anos, e pelo meio ainda fazem um facelift. É muito difícil olhar a cinco anos, é mesmo difícil. Não tirando o valor das consultoras, o valor dos pensadores, dos visionários, nós vivemos num mundo que cada vez é mais difícil prever, que é muito dinâmico, muito digital. A nossa vida foi toda traduzida a parágrafos e a slots de 15 segundos. Nós vemos vídeos de 15 em 15 segundos nas redes, nós lemos as legendas dos posts, nós lemos as headlines da Event Point que manda para o email uma newsletter. Nós estamos a viver ao parágrafo, vivemos tudo em slots, já não há aquela coisa da continuidade. Ou seja, nós temos de estar em permanente transformação. Daqui a cinco anos, vejo-me a ter mais competências internas, nós acreditamos muito na materialização. As pessoas estão muito orientadas para o digital, mas vivemos num mundo real. Nós vivemos num mundo real. Quando tu sais à rua o teu mundo não é digital. Tu utilizas o digital para partilhar. No fim do dia, tu vives, tu gostas, tu continuas a comer, continuas a almoçar, continuas a experienciar, e a dar cada vez mais valor à experiência física. Para haver experiência física tem que haver alguém que a crie, que a monte, e, portanto, nós seguimos claramente esse caminho. Nós olhamos o digital numa lógica de amplificar. Quando estamos a construir alguma coisa pomos sempre o layer digital, mas no cenário, ou seja, tentamos sempre que as coisas sejam cénicas de forma que elas possam ser amplificadas no mundo digital. Se me pergunta se eu tenho uma equipa digital cá dentro, não. Tenho pessoas que entendem muito bem o que é que é relevante para as pessoas tirarem uma fotografia. Nós gostávamos muito de continuar neste caminho muito físico.
A importância da saúde mental
Nunca escondeu que luta com a ansiedade. Como é lidar com isso numa indústria que é instável e imprevisível? Que ferramentas é que encontrou ao longo destes anos para lidar com isso?
Um dos psicólogos a que fui há muitos anos fez esta analogia: Nuno, você é um ansioso e trabalha numa indústria completamente imprevisível, é o mesmo que um alcoólico trabalhar num bar. O que é que eu encontrei para minimizar aquilo que são os meus momentos de ansiedade? Fui-me metendo cada vez em mais coisas. A forma como eu vejo o meu grupo de empresas e a minha vida é muito assente na Niu, muito assente no Praia e, hoje em dia, com alguma pegada também na Media. Isto é um triângulo quanto a mim crítico. Estou presente em muitos negócios, mas todos eles têm vasos comunicantes, isto faz com que eu me sinta mais protegido, ponto um. Ponto dois, a nível pessoal faço imenso desporto, faço desporto todos os dias. Nos últimos seis, sete anos, encontrei uma coisa que me dá imenso prazer que tem muito a ver com música, que é pôr música. Isso relaxa-me e faz-me quase um reset cerebral. Mas acho que não há uma receita mágica, fui encontrando ao longo de todas as coisas que fiz na vida, pequenas coisas que me ajudam a relaxar: a respiração, o pensamento, o falar com as pessoas, expor-me, falar dos meus problemas, é bom falar dos problemas. Um dos grandes temas é que as pessoas põem tudo para dentro.
Nós vivemos numa sociedade muito conservadora e a saúde mental não é vista como outras áreas da saúde. Se tiver que tomar um comprimido para o coração, ninguém me aponta o dedo por isso. Se eu amanhã tiver que tomar um comprimido para a ansiedade, ‘o gajo é maluco, tem que tomar comprimidos’. Ainda existe muito isto.
Esse é um tema que também aborda na Niu?
Sou especialmente sensível ao tema e as pessoas que estão à minha volta também são. Quando eu não estive bem – tive um grande breakdown em 2016 –, as pessoas também sofreram com isso, as pessoas que gostam de mim, as pessoas que trabalham comigo, obviamente sentiram a minha ausência, a minha instabilidade. Toda a minha equipa também acabou por olhar para isto com outros olhos. Nós agora tivemos aqui um caso, e às vezes vamos tendo, eu fui o primeiro a agarrar no telefone e dizer: vai já a este médico, marca o médico. Há uma coisa de que as companhias se esquecem, as pessoas que não estiverem felizes e com a cabeça alinhada não conseguem entregar valor a ninguém, nem a elas próprias, nem às pessoas que trabalham com elas. É uma doença que afeta cada vez mais gente. Aliás, pós-covid, os números explodiram. O facto de o mundo ter parado, todo ao mesmo tempo, durante dois anos, para pensar, criou um desalinhamento mental gigante. Aliás, já há papers e teses sobre isso.
E este mundo dos eventos, cada vez mais corrido, também contribui para isso?
Acho que uma das coisas que contribuem muito mais para isso é que as pessoas não vivem a vida delas, vivem a vida dos outros. A realidade é que as pessoas partilham tudo e, quando partilham, só partilham o bom, quando estão numa praia paradisíaca, quando estão numa festa. Portanto, nós quando olhamos para o digital, só vemos coisas boas. E as pessoas deixam de viver a vida e olham para a vida delas e esquecem-se de que as outras pessoas também têm as suas ansiedades, também têm os seus momentos de depressão, também têm as suas dificuldades, todos nós temos. Só que há um standard do mundo de comunicação em que tudo é maravilhoso. Os corpos são maravilhosos, as viagens são maravilhosas, as casas são maravilhosas. É tudo espetacular, só que não é a realidade. Agora, quem não tem este nível de consciência sofre horrores. Está a olhar para a vida dos outros e a dizer: a minha vida é uma porcaria, a dos outros é espetacular. Mas isso não é verdade. As pessoas partilham é o melhor que têm. E nós vivemos neste standard de comparação. Hoje em dia, visualizamos tudo em alta resolução, com uma pós-produção em cima. Aquilo é tudo espetacular e cheio de filtros. Isto é acelerador de ansiedade no mundo inteiro. Não sei se é uma visão assim um bocadinho redutora, mas é a minha.
Que tipo de líder é? De que forma é que isso foi mudando ao longo dos anos?
Eu era um chefe intratável, é um dos grandes pesos que tenho. E, hoje em dia, acho que sou muito mais humano, muito mais próximo. Eu tive muita responsabilidade, muito novo, e não sabia lidar com essa responsabilidade. E depois, como sou relativamente perfecionista, quando as coisas não corriam como eu queria, achava que estava tudo a pôr em causa aquilo que era o nosso propósito. E geri isso mal. Se olhar aqui para a Niu, ali a malta em baixo, cada um deles há de ter uma visão diferente. Eu tento ser compreensivo, tento ser próximo, não sou de todo um líder que está sempre em cima das pessoas, não sou. Quando as coisas estão controladas, let it flow. Completamente! Tento orientar as pessoas para aquilo que é o resultado. Depois, se há alguém que gosta mais de ir pela esquerda e outros que vão pela direita, deixo as pessoas seguirem o seu caminho.
A grande dificuldade que nós estamos a ter, e vamos ter nos próximos anos, é reter talento, é reter pessoas. Hoje em dia, lá está, também muito influenciado por esta vida em parágrafos e em slots de 20 segundos, as pessoas estarem dois anos numa companhia já é uma coisa espetacular. Estou aqui a olhar e, assim de repente, estou a ver pelo menos quatro pessoas que estão aqui há mais de 20 anos. É muito difícil as companhias acumularem know-how, independentemente do processo de digitalização, independentemente da inteligência artificial, ou a cultura das empresas ser salvaguardada se não conseguirem reter talento. Acho mesmo muito difícil, acho que é o grande desafio e, para isso, os eventos também contribuem muito, até nesta lógica de que as pessoas estão em casa a trabalhar. É muito difícil passar cultura quando as pessoas não estão fisicamente no mesmo sítio. Mas respondendo à sua pergunta, que tipo de líder é que eu sou? Tento ser um líder compreensivo, agora falho, claro, às vezes falho. Tenho uma vida relativamente esquizofrénica, estou com muita coisa, sempre ao mesmo tempo, e isso dá-me um nível de stress grande, e muitas vezes estou pressionado.
E nessa vida esquizofrénica de que fala, em qual pele é que se sente melhor? É a pôr música? É na Media Capital, na Niu?
Onde me sinto melhor é no seio da minha família, com os meus filhos, e com a minha mulher. Acho que a música, não posso entender como profissão. Eu gosto mesmo de pôr música, porque é uma troca de energia gigante que eu nunca senti na vida. Quando estás a pôr música para 400 ou 500, ou 300 ou 200, ou 1.000 pessoas, a reação delas é uma coisa altamente compensadora. Quando estás a pôr música tu estás a servir as pessoas, estás a dar emoção, energia. Ponho música para as pessoas, não ponho música para mim. Não sou um artista, eu gosto é de pegar nas músicas de que as pessoas gostam e pôr essas músicas altas para as pessoas sentirem aquilo. Um DJ, um artista tem a sua própria narrativa, tem os seus próprios conteúdos e as pessoas tornam-se fãs daqueles conteúdos. Eu utilizo a música dos outros para fazer sentir bem as pessoas e isso dá-me muito prazer.
30 anos da Niu… o que é que ainda o motiva?
São as pessoas. Sou um afortunado, tenho noção de que tenho uma vida ultra confortável. Toda a minha vida trabalhei muito e, portanto, a vida também me sorriu. Sou muito apologista de que quando tu dás, também recebes. A minha mulher fez um documentário dos meus 50 anos e entrevistou 80 pessoas e se há uma palavra que todas elas dizem é a generosidade. Sempre fui altamente generoso com as pessoas e a vida também me retribuiu. Provavelmente podia abrandar, só que eu sei que se abrandar ponho em risco também as pessoas que toda a vida trabalharam comigo e confiaram em mim. Portanto, aquilo que me motiva são muito as pessoas, não só as pessoas da equipa da Niu, como também clientes que nós temos há anos. Trabalho a marca Continente há 22 anos e, portanto, se me perguntar se tenho lá amigos, claro que tenho amigos nos meus clientes todos. É normal. Uma pessoa que trabalha 22 anos com alguém é porque há uma cumplicidade, uma amizade, uma plataforma de confiança e, portanto, é muito isso o que me faz sair de casa todos os dias.
Cuidar do nosso mercado
Falando um bocadinho da indústria, como é que avalia a qualidade dos fornecedores na área dos eventos neste momento? A dimensão do mercado permite ter as soluções mais recentes e inovadoras?
Acho que há muito bons profissionais na indústria. Muito bons! Temos bons empreendedores, bons quadros, não é à toa que, no quadro político mundial, há muitos portugueses a gerir grandes instituições mundiais. Temos grandes desportistas, tudo muito à base do trabalho, da dedicação, do esforço. O português tem outras coisas muito boas: é ultra desenrascado. Nós quando temos experiências com mercados mais nórdicos percebemos que eles têm muitas fronteiras, são zero elásticos, nós somos ultra elásticos, nós desenrascamos em tudo. Sou um bom exemplo, não sou brilhante em nada, mas percebo de automóveis, de marketing, de música, de gestão. Nós temos empresas espetaculares, fornecedores, agências, e não é à toa que, hoje em dia, estamos mapeados como um dos grandes sítios para fazer eventos, pelo menos na geografia Europa, e não só por causa do tempo. Podemos ter um grande tempo, mas se depois não tivermos a infraestrutura, as equipas…Uma das provas disto é que há muita gente nos eventos que está a ser convocada pelo mundo inteiro para ir trabalhar para fora.
Mais recentemente tem-se assistido a uma certa partilha e conversa entre algumas das maiores agências. Acha que isso é um caminho que pode continuar?
Não era bem o meu patrão, porque eu representava a empresa dele em Portugal, mas essa pessoa, espanhol, um self-made man, dizia-me muitas vezes isto: ‘Nuno, o mercado é um jardim, há que cuidar do jardim’. E temos que ser todos. E se nós não defendermos aquilo que é o nosso jardim, qualquer dia ninguém come. Acho muito importante haver alinhamento. Em Espanha são muito nacionalistas, mas também são muito associativistas, eles associam-se. Nós temos muita dificuldade em associar-nos, estamos sempre preocupados com o que o outro tem e o que o outro fez. Sempre! Não me levem a mal, mas o português tem aqui uma carga de inveja grande, o português gere mal o que é que o outro está a fazer. Não me interessa o que está a fazer, interessa onde é que eu consigo crescer, onde é que eu consigo acrescentar valor. Na indústria onde nós estamos, seja nos eventos, seja na ativação de marketing, seja no shopper marketing, seja nos restaurantes, seja na media, seja onde for, não me interessa o que o outro faz, eu tenho de fazer o melhor que posso e cada dia melhor. O português tem sempre aquela coisa do ataque: ele fez isso, porque conhece o X. Na volta até conhece e depois o que é que isso interessa? Mas está a fazer. Acho que as pessoas se devem preocupar mais com a vida delas, porque são muito mais felizes se se preocuparem com a vida delas e não com a dos outros.
Mas esta partilha é saudável, não é?
Eu acho ultra saudável. Se houver plataforma de entendimento, se houver confiança. Tenho almoços com concorrentes nossos, normalmente dou-me bem com concorrência. Eu sou altamente defensor da cooperação e da colaboração, altamente defensor.
Há pouco falou que um dos grandes desafios será o de reter talento no setor. Como é que se convence um jovem a vir para a indústria dos eventos?
Normalmente brinco sempre com isto: os jovens que querem vir para a indústria dos eventos é porque gostam muito de ir a eventos. Só que ir a eventos e trabalhar em eventos é quase oposto. Ir a um evento: as pessoas estão a servir-nos, vemos gente porreira, temos acesso a uma data de coisas, temos uma experiência; trabalhar em eventos é tudo ao contrário, é não relaxar, trabalhar sem horas, estar permanentemente a resolver problemas, trabalhar muitas vezes mal pago e com pouco budget e, o pior de tudo, é estarmos a trabalhar enquanto todos os outros se estão a divertir. Mais do que pessoas perceberem de eventos, eu valorizo, sobretudo, as pessoas que têm compromisso, têm um compromisso de entrega. Se tu encontrares pessoas com um bom compromisso de entrega, facilmente depois as formas, ensinas, passas as melhores práticas. Não me interessa ter uma pessoa que já tenha feito 100 eventos, mas que é um pleno insatisfeito e que hoje está insatisfeito no meu concorrente e amanhã vem para aqui e passado seis meses está insatisfeita de novo.
Dez perguntas a Nuno Santana
Destino de sonho?
Gosto muito de Marrocos.
Cidade para viver?
Lisboa e Madrid.
Um hobby?
Pôr música.
Alguém que o inspirou no percurso profissional?
O meu pai.
Quando era pequeno o que é que queria ser?
Piloto de automóveis.
Qual foi o evento mais marcante da sua vida?
A minha festa dos 40 anos.
Um sonho ainda por concretizar?
Fazer uma viagem de barco durante três meses.
Se pudesse convidar qualquer pessoa para jantar, quem convidava?
O Churchill.
Uma banda?
Queen.
Qual é a sua comida de conforto?
Como de tudo, mas adoro batatas fritas… Um tornedó com batatas fritas...
*com Rui Ochôa
© Cláudia Coutinho de Sousa Redação
Editora